terça-feira, 15 de novembro de 2011

E Há o Mar

"Livres Pensantes" vai fazer uma pausa até Dezembro. Aqui,  neste  espaço, tem saudado e assinalado ininterruptamente todos os dias. Alguns com muita discrição, outros com assumida veemência e uns tantos com ousado deleite literário. Nem sempre os temas abordados tiveram a dimensão que mereciam, mas a parcimónia a que obriga este formato e o tempo que vários tempos facultam foram impedindo uma maior exposição e, por tal, uma melhor e mais adequada apresentação. Contudo, "Livres Pensantes" celebrou incessantemente a Palavra e foi pela palavra que encontrou o mar como uma forma de se despedir. E porque " Mar e Mar e Há Ir e Voltar", não diz adeus, apenas até Dezembro .

Uma forma de me despedir
Há o mar há a mulher
quer um quer o outro me chegam em acessíveis baías
abertas talvez no adro amplo das tardes dos domingos
Oiço chamar mas não de uma forma qualquer
chamar mas de uma certa maneira
talvez um apelo ou uma presença ou um sofrimento
Ora eu que no fundo
apesar das muitas palavras vindas nas muitas páginas dos dicionários
bem vistas as coisas disponho somente de duas palavras
desde a primeira manhã do mundo
para nomear só duas coisas
apenas preciso de as atribuir
Não sei se gosto mais do mar
se gosto mais da mulher
Sei que gosto do mar sei que gosto da mulher
e quando digo o mar a mulher
não digo mar ou mulher só por dizer
Ao dizer o mar a mulher
há penso eu um certo tom na minha voz sinto um certo travo na boca
que mostram que mais que palavras usadas para falar
dizer como eu digo a mulher o mar
mar mulher assim ditos
são uma maneira talvez de gostar
e a consciência de que se gosta
e um prazer em o dizer
um gosto afinal em gostar
Enfim o mar a mulher
pode num dos casos ser a/mar a mulher
mera forma talvez de uniformizar o artigo
definido do singular
Há ondas no mar
o mar rebenta em ondas espraiadas nos compridos cabelos da mulher
que ela faz ondular melhor de tarde em tarde
no mês de setembro nas marés vivas
O melhor da mulher talvez o olhar
é para mim o mar da mulher
e à mulher que um só dia encontro na vida
de passagem um simples momento num sítio qualquer
talvez a muitos quilómetros do mar
mas mulher que não mais consigo esquecer
mesmo imerso na dor ou submerso em cuidados
a essa mulher qualquer
eu chamo mulher do mar
Nos fins de setembro quando eu partir
de uma cidade seja ela qual for
quando eu pressentir que alguém morre
que alguma coisa fica para sempre nos dias
e ou nuns olhos ou numa água
num pouco de água ou em muita água
onda do mar lágrima ou brilho do olhar
eu recear seriamente vir-me a submergir
direi alto ou baixo conforme puder
com a boca toda ou já a custar-me a engolir
as palavras mar ou mulher
com certo vagar e cada vez mais devagar
mulher mar
depois quase já só a pensar
o mar a mulher
Não sei mas será
talvez mais que outra coisa qualquer
uma forma de me despedir

Ruy Belo, «Toda a Terra» in Antologia Poética,
Lisboa, Círculo de Leitores, 1999


MAR
Mar!
Tinhas um nome que ninguém temia:
Eras um campo macio de lavrar
Ou qualquer sugestão que apetecia...

Mar!
Tinhas um choro de quem sofre tanto
Que não pode calar-se, nem gritar,
Nem aumentar nem sufocar o pranto...

Mar!
Fomos então a ti cheios de amor!
E o fingido lameiro, a soluçar,
Afogava o arado e o lavrador!

Mar!
Enganosa sereia rouca e triste!
Foste tu quem nos veio namorar,
E foste tu depois que nos traíste!

Mar!
E quando terá fim o sofrimento!
E quando deixará de nos tentar
O teu encantamento!

Miguel Torga, Antologia Poética,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 5.ª ed., 1999


Retrato talvez saudoso da Menina Insular

Tinha o tamanho da praia
o corpo era de areia.
E ele próprio era o início
do mar que o continuava.
Destino de água salgada
principiado na veia.

E quando as mãos se estenderam
a todo o seu comprimento
e quando os olhos desceram
a toda a sua fundura
teve o sinal que anuncia
o sonho da criatura.

Largou o sonho nos barcos
que dos seus dedos partiam
que dos seus dedos paisagens
países antecediam.

E quando o seu corpo se ergueu
Voltado para o desengano
só ficou tranquilidade
na linha daquele além.
Guardada na claridade
do olhar que a retém.

Natália Correia ( 1923-1993), in Poesia Completa, 1999


"E quando eu me lembrava de que no dia seguinte o mar se repetiria para mim, eu ficava séria de tanta ventura e aventura. Meu pai acreditava que não se devia tomar logo banho de água doce: o mar devia ficar na nossa pele por algumas horas. Era contra a minha vontade que eu tomava um chuveiro que me deixava límpida e sem o mar. A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Como sentir com a frescura da inocência o sol vermelho se levantar? Nunca mais? Nunca mais. Nunca."

Clarice Lispector, in "Banhos de Mar"

Inscrição

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar.

Sophia de Mello Breyner Andresen , in "Livro Sexto", 1962

Mar

Mar metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor de maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfaz.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
E porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

Sophia de Mello Breyner Andresen , in "Poesia I"


"Entramos na água (...) Depois avançamos pelo mar, defrontamo-nos com a sua magnitude no nosso corpo vigoroso. E havia sol no teu ser imortal. E mergulhaste e escorria-te depois na face a festa do mar. E mergulhámos de novo para absorver o mar todo. E vogámos à tona de água, sustentados em nosso peso no seu dorso. Depois rompemos mar fora a um aceno invisível. E a eternidade existia. E nós parámos lá longe e deitamo-nos nela. O céu era muito azul e víamo-lo por cima. Havia nele espaço bastante para a nossa abundância interior e nós olhávamo-lo como quem chega à sua própria morada que não conhecia. Flutuamos no incerto de uma grandeza divina. Senhores da terra, do tempo. Da força, do poder. Estamos no meio do mar, olhamo-lo a toda a volta e o seu mistério infinito está em nós. Depois voltamo-nos para a praia, vamos remando devagar. Às vezes olhamo-nos. O teu riso estrídulo, os cabelos molhados, o mar cai-te das pestanas para os olhos. A face húmida, a alegria vertiginosa da vida, não há morte, não há morte. Depois deitamo-nos na areia ao sol, ouvimos o mar, o fervor na caldeira do mundo. Ou não o ouvimos, há o espaço do seu rumor e nós estamos no meio dele, deitados ao sol. Não vejo agora lá ninguém, para todo o espaço ser nosso. Enchemo-lo todo, estamos bem. (...) Não temos ideias, temos só a perfeição de estar".

Vergílio Ferreira, in “Em Nome da Terra” , Lisboa , Bertrand Ed, 1990

Mar

Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.

Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.

E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.

Vinicius de Moraes, in “ Antologia Poética”



O mar
Conheço teu agitado marulho
tua voz de barítono
conheço tua zangada pronúncia
tuas lanças arrojadas pelos braços da tormenta
conheço tua suave dança
na onda calma e inumerável
na crista transformada em súbita canção de espumas
conheço-te na beleza da baía amanhecida
na hora melancólica do crepúsculo
e no teu dorso enluarado.

Me deste a paisagem das águas litorâneas
e a espuma se estendendo sobre a areia
me mostraste a nudez e o encanto das praias solitárias
a preamar e a vazante
e o teu perfil de mastros e gaivotas
me deste a magia do horizonte
uma vela solta ao vento
e um barco de papel para os meus sonhos
mas nunca me mostraste
a extensão azul dos teus domínios
e nem um indício sequer dos teus enigmas.

Marinheiro sem mar e sem destino
nunca pude navegar tuas distâncias.
Deste banquete
me deste apenas o paladar salgado dos meus versos
minha sílaba de sal
e a tua própria essência salpicada entre meus dedos
molécula elementar
unânime cristal
para que na minha dieta imprescindível
eu possa provar teu sabor todos os dias.

Manoel de Andrade,Curitiba, Abril de 2004, in “ Cantares”, Ed. Escrituras, S.Paulo

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Fragmento do Homem


“Todos os paraísos tiveram sempre a dimensão do homem, e os deuses que lá habitaram nunca foram mais que o reflexo da sua face branca, da sua face negra. A história dos deuses é o espelho da nossa aflição, da nossa esperança. O paraíso de hoje volta a reflectir as mesmas ilusões: começa a povoar-se de robots. O desamparo inventa sempre uma tábua de salvação: a última é a superstição da técnica. Uma vez mais o homem declina o seu nome, enquanto os deuses mudam de manto e ajeitam a coroa.
Nem cristal nem lixo, mas lixo–e-cristal é o nosso tempo. E não temos outro onde mergulhar as raízes.. Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem. A sua grandeza reside nessa denúncia; a sua dignidade, em não pactuar com a mentira; a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.
E poderia ser de outro modo? Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à «sabedoria» do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em «cadáver adiado que procria», como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida?
Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição, morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem! Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral, que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade se não tiver em conta a totalidade do ser; nenhuma, em que espírito e vida sejam concebidos como irreconciliáveis; nenhuma, enquanto reduzir o homem a um fragmento do homem. Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão.”

Eugénio de Andrade, in “Os Afluentes do Silêncio”, Editorial Inova Limitada, Porto

domingo, 13 de novembro de 2011

Há Música ao Domingo

Neste cinzento Domingo   recordamos um êxito de uma grande banda  do  "hard rock" que se propõe saudar  a chuva de Novembro . E porque  "Cause nothing lasts forever/ Even cold november rain" esperamos  que, neste Inverno,  também o Sol se deixe cantar para que a esperança dos dias mais luminosos possa aparecer. 
Guns N' Roses e Elton John interpretando magistralmente  "November Rain". Um dueto histórico que merece ser recordado. Dois grandes músicos em  partilha de excelência que demonstram ao vivo por que  razão a música é  sempre  a arte da linguagem universal.


November Rain
When I look into your eyes
I can see a love restrained
But darling when I hold you
Don't you know I feel the same
'Cause nothing lasts forever
And we both know hearts can change
And it's hard to hold a candle
In the cold november rain
We've been through this such a long, long time
Just trying to kill the pain, oh yeah
But lovers always come
And lovers always go
An no one's really sure
Who's letting go today walking away
If I could take the time
To lay it on the line
I could rest my head
Just knowing that you were mine, all mine
So if you want to love me
Then darling don't refrain
Or I'll just end up walking
In the cold november rain
Do you need some time, on your own
Do you need some time, all alone
Everybody needs sometime, on their own
Don't you know you need sometime, all alone
I know it's hard to keep an open heart
When even friends seem out to harm you
But if you could heal a broken heart
Wouldn't time be out to charm you
Sometimes I need some time, on my own
Sometimes I need some time, all alone
Everybody needs some time, on their own
Don't you know you need some time, all alone
And when your fears subside
And shadows still remain
I know that you can love me
When there's no one left to blame
So nevermind the darkness
We still can find a way
'Cause nothing lasts forever
Even cold november rain
Don't ya think that you need somebody
Don't ya think that you need someone
Everybody needs somebody
You're not the only one
You're not the only one
Don't ya think that you need somebody
Don't ya think that you need someone
Everybody needs somebody
You're not the only one
You're not the only one
Don't ya think that you need somebody
Don't ya think that you need someone
Everybody needs somebody
You're not the only one
You're not the only one
Don't ya think that you need somebody
Don't ya think that you need someone
Everybody needs somebody

Composição: Axl Rose

sábado, 12 de novembro de 2011

Tempo e Poesia

«O que nem Filosofia nem Ciência nos concedem, um só verso, um daqueles que Mallarmé dizia “interminavelmente belo” no-lo oferece,  porque nele regressamos e nele somos o Tempo que em tudo o mais esquecemos mas que jamais nos esquece. Este é o mistério, o lúcido e inexpugnável mistério da Poesia: o Tempo — nós como Tempo — tornado sensível, audível, dizível e através dessa aparição nos oferecendo a desesperada e alta eternidade, a familiar “luz perpétua” que nós próprios fabricamos ardendo e vendo-nos arder como árvores vivas no fogo temporal.»
Eduardo Lourenço, in “ Tempo e Poesia”, Gradiva  Publicações, Portugal

Quadragésima segunda carta a M.M.

Temos a certeza de que hoje é hoje
e não ontem nem amanhã
mas a sequência dos dias é tão entrançada
que o dia de hoje
foi o amanhã de ontem
E será o ontem de amanhã.
É sempre hoje o dia em que temos de fazer
o que não faremos senão nesse dia
e que será sempre irrepetível,
por muito semelhante que seja ao  de outros dias.
Os passos que damos vão através do tempo,
ou seja do que não é ainda e está a ser já.
É este vazio que se preenche que é o tempo,
que não é vazio em si mas para nós.
Entre o que ainda não somos e o que já somos
há uma contínua oscilação que é a nossa urgência
de sermos o que ainda não somos e de sermos já o que vamos ser.

António Ramos Rosa, in “ Cartas Poéticas entre António Ramos Rosa e Manuel Madeira”, Livros do Mundo, Faro, Portugal

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sobre Poesia XI

"Limpo é o dia lavado pela areia
branca, e gelada no mar roda a espuma,
e nesta desmedida solidão
sustenta-se a luz do meu livre-arbítrio.
Mas este mundo não é o que eu quero
."
Pablo Neruda ,in "Memorial de Isla Negra".
Pablo Neruda (Parral, 12 de Julho de 1904 — Santiago do Chile, 23 de Setembro de 1973) é o pseudónimo de Ricardo Eliézer Neftali Reyes. Foi escritor, poeta, diplomata , político. Como Diplomata começou a correr o mundo muito cedo (1927), desde Rangoon , na Birmânia, Singapura, Java, Barcelona, Madrid, Paris a outras capitais que lhe possibilitaram um conhecimento diverso de gentes e de civilizações. Conviveu com muitos intelectuais e com vários poetas, estabelecendo relações de grande amizade com alguns, tais como Garcia Lorca, Cesar Vallejo, Gabriela Mistral .
O mar, a natureza, o compromisso político, o amor , a amizade são os temas centrais da sua poesia. Poeta maior , um dos mais importantes poetas da língua espanhola do século XX, a sua poesia reflecte o seu percurso ideológico e vivencial. Uma poesia de cariz social, interventiva , telúrica e passional.
Pablo Neruda já era considerado em vida o mais fecundo entre os grandes poetas contemporâneos de todas as línguas. A variedade e a fecundidade da sua produção literária era tão grande que ele próprio declarou "Yo cambié tantas veces de sol y de arte poética..."
Foi galardoado com  o Prémio Nobel da Literatura, em 1971. No acto da entrega do galardão proferiu um Discurso que se tornou um belo e extraordinário documento literário. Marxista e revolucionário, Pablo Neruda fora destituido do cargo de Senador pelo governo de González Videla e condenado a prisão, em 1947. Obrigado a viver escondido para não ser preso, resolveu abandonar o Chile e fugiu a cavalo pela Cordilheira dos Andes em 1949, coadjuvado por vaqueiros experientes e solidários.
Na primeira parte desse discurso evoca essa viagem da fuga ( "esse eclipse da minha pátria"). E porque “ Sobre a Poesia” é o tema da segunda parte , esta XIª edição pertence-lhe. Escutemo-lo:
"(...) Senhoras e Senhores:
Não aprendi nos livros nenhuma receita para a composição de um poema; e também não deixarei impresso nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria.
Se narrei neste discurso certos factos do passado, se revivi um relato nunca esquecido nesta ocasião e neste lugar tão dife­rentes daqueles, foi porque no decurso de minha vida tenho encontrado sempre em alguma parte a asseveração necessária, a fórmula que me aguardava, não para endurecer as minhas palavras, mas para explicar-me a mim mesmo.
Naquela longa jornada, encontrei as doses necessárias para a formação do poema. Ali, me foram dadas as dádivas solenes da terra e da alma. E penso que a poesia é uma acção passageira ou solene na qual entram em igual medida a solidão e a solidariedade, o sentimento e a acção, a intimidade de si mesmo, a in­timidade do homem e a revelação secreta da natureza. E penso com não menor fé que tudo está sustentado – o homem e a sua sombra, o homem e a sua atitude, o homem e a sua poesia – numa comunidade cada vez mais extensa, num exercício que integrará para sempre em nós a realidade e os sonhos porque de tal ma­neira os une e confunde. E digo igualmente que não sei, depois de tantos anos, se aquelas lições que recebi ao atravessar um rio vertiginoso, ao dançar em torno do crânio duma vaca, ao ba­nhar a minha pele na água purificadora das mais altas regiões, digo que não sei se aquilo saía de mim mesmo para comunicar-se depois com muitos outros seres, ou se era a mensagem que os outros homens me enviavam como exigência ou desafio. Não sei se vivi aquilo ou se o escrevi, não sei se foram verdade ou poesia, transição ou eternidade, os versos que experimentei na­quele momento, as experiências que cantei mais tarde.
De tudo isso, amigos, surge uma lição que o poeta deve aprender dos outros homens. Não há solidão inexpugnável. To­dos os caminhos levam ao mesmo ponto: a comunicação daquilo que somos. E é preciso atravessar a solidão e a aspereza, a incomunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico no qual podemos dançar torpemente ou cantar com melancolia: mas nesta dança ou nesta canção estão consumados os mais antigos ritos da consciência, da consciência de ser homens e de crer num destino comum.
Na realidade, embora alguma ou muita gente me tenha considerado um sectário, sem possível participação na mesa comum da amizade e da responsabilidade, não quero me justi­ficar, não acredito que as acusações nem as justificações façam parte dos deveres do poeta. De qualquer forma, nenhum poeta administrou a poesia, e se algum deles se dedicou a acusar os seus semelhantes, ou se outro pensou que poderia gastar a vida defendendo-se de recriminações razoáveis ou absurdas, tenho a convicção de que somente a vaidade é capaz de desviar-nos a tais extremos. Digo que os inimigos da poesia não estão entre os que a professam ou resguardam, mas na falta de concordância do poeta. Por esta razão, nenhum poeta tem um inimigo mais essencial do que a sua própria incapacidade para entender-se com os mais ignorados e explorados dos seus contemporâneos; e isso acontece em todas as épocas e em todas as terras.
O poeta não é um pequeno deus. Não, não é um pequeno deus. Não está marcado por um destino cabalístico superior ao daqueles que exercem outros misteres e ofícios. Tenho expres­sado frequentemente que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não pen­sa que é deus. Ele realiza a sua majestosa e humilde tarefa de amassar, colocar no forno, dourar e entregar o pão cada dia, com uma obrigação comunitária. E se o poeta chegar a al­cançar esta consciência simples, poderá também a cons­ciência simples converter-se em parte de um colossal arte­sanato, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega de uma mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos. Se o poeta se incorpo­rar nesta luta nunca gasta a fim de consignar cada qual nas mãos do outro a sua ração de compromisso, a sua dedicação e a sua ternura pelo trabalho comum de cada dia e de todos os homens, o poeta tomará parte no suor, no pão, no vinho, no sonho da Humanida­de inteira. Somente por este caminho inalienável de ser homens comuns chegaremos a restituir à poesia o amplo espaço que lhe é recortado em cada época, que nós mesmos lhe recortamos em cada época.
Os erros que me levaram a uma relativa verdade, e as ver­dades que repetidas vezes me conduziram ao erro, ambos não me permitiram – nem eu nunca pretendi isso – orientar, dirigir, ensinar o que é chamado de processo criador, de caminhos da li­teratura. Mas pude verificar uma coisa: que nós mesmos vamos criando os fantasmas da nossa própria mitificação. Da argamassa do que nós fazemos, ou queremos fazer, surgem mais tarde os impedimentos do nosso próprio e futuro desenvolvi­mento. Vemo-nos indefectivelmente conduzidos à realidade e ao realismo, isto é,a tomar uma consciência directa daquilo que nos rodeia e dos caminhos da transformação, e depois compreen­demos, quando parece tarde, que construímos uma limitação tão exagerada que matamos o que vive, em vez de fazer a vida desenvolver-se e florescer. Impomo-nos um realismo que poste­riormente nos resulta mais pesado que o tijolo das construções, sem que por isso tenhamos levantado o edifício que contemplávamos como parte integral do nosso dever. E, em sentido con­trário, se conseguimos criar o fetiche do incompreensível (ou daquilo que é compreensível para poucos), o fetiche do selecto e do secreto, se suprimimos a realidade e suas degenerações rea­listas, nos veremos de repente rodeados por um terreno impos­sível, por um pântano de folhas, de barro, de nuvens, no qual afundam os nossos pés e somos afogados por uma incomunicação opressiva.
Quanto a nós em particular, escritores da vasta extensão americana, escutamos sem trégua a chamada para encher esse espaço enorme com seres de carne e osso. Somos conscientes da nossa obrigação de povoadores e – ao mesmo tempo que nos re­sulta essencial o dever de uma comunicação crítica num mundo desabitado, porém, não por desabitado, menos cheio de injusti­ças, castigos e dores – sentimos também o compromisso de recu­perar os antigos sonhos que dormem nas estátuas de pedra, nos antigos monumentos destruídos, nos largos silêncios de pampas plantários, de selvas espessas, de rios que cantam como tro­vões. Necessitamos colmar de palavras os confins de um conti­nente mudo, e nos embriaga esta tarefa de fabular e de nomear. Talvez essa seja a razão determinante do meu humilde caso in­dividual: e, nessa circunstância, os meus excessos, a minha abundância ou a minha retórica, não seriam nada mais que atos, os mais simples, do mister americano de cada dia. Cada um dos meus versos quis se instalar como um objeto palpável; cada um dos meus poemas pretendeu ser um instrumento útil de traba­lho; cada um dos meus cantos aspirou a servir no espaço como signo de reunião onde os caminhos se cruzaram, ou como frag­mento de pedra ou de madeira em que alguém, outros, os que virão, pudessem depositar os novos signos.
Ampliando estes deveres do poeta, na verdade ou no erro, até as suas últimas consequências, decidi que a minha atitude dentro da sociedade e perante a vida devia ser também humil­demente partidária. Decidi isso vendo gloriosos fracassos, soli­tárias vitórias, derrotas deslumbrantes. Compreendi, imerso no cenário das lutas da América, que minha missão humana era a de unir-me à extensa força do povo organizado, unir-me com sangue e alma, com paixão e esperança, porque somente desta torrente impetuosa podem nascer as mudanças necessárias para os escritores e para os povos. E embora minha posição tenha causado e cause objecções amargas ou amáveis, o certo é que não encontro outro caminho para o escritor dos nossos amplos e cruéis países, se não queremos que a escuridão floresça, se pre­tendemos que os milhões de homens que ainda não aprenderam a ler-nos nem a ler, que ainda não sabem escrever nem escre­ver-nos, se estabeleçam no terreno da dignidade sem a qual não é possível serem homens integrais.
Herdamos a vida dilacerada dos povos que arrastam um castigo de séculos, os povos mais edénicos, os mais puros, aqueles que construíram com pedras e metais torres milagro­sas, jóias de fulgor deslumbrante; povos que de repente foram arrasados e emudecidos pelas épocas terríveis do colonialismo que ainda existe.
Nossas estrelas primordiais são a luta e a esperança. Mas não há luta nem esperança solitárias. Em todo homem se jun­tam as épocas remotas, a inércia, os erros, as paixões, as urgên­cias do nosso tempo, a velocidade da História. Mas o que seria de mim se eu, por exemplo, tivesse contribuído de alguma ma­neira com o passado feudal do grande continente americano? Como poderia eu levantar a cabeça, iluminada pela honra que a Suécia me outorgou, se não me sentisse orgulhoso de ter toma­do uma mínima parte na transformação actual do meu país? É preciso olhar o mapa da América, encarar a grandiosa diversi­dade, a generosidade cósmica do espaço que nos rodeia, para entender que muitos escritores se negam a compartilhar o passado de opróbrio e de pilhagem que obscuros deuses destinaram aos povos americanos.
Escolhi o difícil caminho de uma responsabilidade partilhada e, em vez de reiterar a adoração ao indivíduo como sol cen­tral do sistema, preferi entregar com humildade o meu serviço a um considerável exército que pode errar às vezes, mas que ca­minha sem descanso e avança cada dia, enfrentando tanto anacrónicos recalcitrantes, quanto enfatuados impacientes. Porque acredito que meus deveres de poeta não me indicavam somente a fraternidade com a rosa e a simetria, com o exaltado amor e a nostalgia infinita, mas também com as ásperas tarefas humanas que incorporei à minha poesia.
Há exactamente cem anos, um pobre e esplêndido poeta, o mais atroz dos desesperados, escreveu esta profecia: “À l’aurore, armes d’une ardente patiente, nous entrerons aux splendides Villes” (Ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades).
Acredito nesta profecia de Rimbaud, o vidente. Venho de uma obscura província, de um país separado de todos os outros pela sua talhante geografia. Fui o mais abandonado dos poetas e minha poesia foi regional, dolorosa e chuvosa. Mas sempre ti­ve confiança no homem. Jamais perdi a esperança. Por isso talvez tenha chegado até aqui com a minha poesia, e também com a minha bandeira.
Em conclusão, devo dizer aos homens de boa vontade, aos trabalhadores, aos poetas, que todo o futuro foi expressado nes­sa frase de Rimbaud: só com uma ardente paciência conquista­remos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os homens.
Assim a poesia não terá cantado em vão." Pablo Neruda, in Discurso na entrega do Prémio Nobel, 1971

Se cada dia cai

Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda, in “Últimos Poemas”

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sobre os homens


"Os homens que têm a mania das mulheres dividem-se facilmente em duas categorias. Uns procuram em todas as mulheres a ideia que eles próprios têm da mulher como ela lhes aparece em sonhos o que é algo de subjectivo e sempre igual. Aos outros, move-os o desejo de se apoderarem da infinita diversidade do mundo feminino objectivo. A obsessão dos primeiros é uma obsessão lírica; o que procuram nas mulheres não é senão eles próprios, não é senão o seu próprio ideal, mas, ao fim e ao cabo, apanham sempre uma grande desilusão, porque, como sabemos, o ideal é precisamente o que nunca se encontra. Como a desilusão que os faz andar de mulher em mulher dá, ao mesmo tempo, uma espécie de desculpa melodramática à sua inconstância, não poucos corações sensíveis acham comovente a sua perseverante poligamia. A outra obsessão é uma obsessão épica e as mulheres não vêem nela nada de comovente: como o homem não projecta nas mulheres um ideal subjectivo, tudo tem interesse e nada pode desiludi-lo. E esta impossibilidade de desilusão encerra em si algo de escandaloso. Aos olhos do mundo, a obsessão do femeeiro épico não tem remissão (porque não é resgatada pela desilusão). (...) Na sua caça ao conhecimento, os femeeiros épicos (...) afastam-se cada vez mais da beleza feminina convencional (de que depressa se cansam) e acabam infalivelmente como coleccionadores de curiosidades." Milan Kundera, in “A Insustentável Leveza Do Ser”, Ed.D. Quixote

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tomás Segovia e Rubens Figueiredo

Enquanto
Enquanto não queira o tempo
Soltar a minha mão
Sairei cada manhã
A buscar com a mesma reverência
Minha diária salvação pela palavra
                                    Tomás Segovia


México - "O poeta espanhol Tomás Segovia, que chegou exilado ao México em 1940, faleceu na segunda-feira, aos 84 anos, na capital mexicana vítima de cancro, informou o Instituto Nacional de Belas Artes (INBA).
"Segovia é um dos poetas mais importantes das letras em língua espanhola. O seu talento, sabedoria e grande humanismo enriqueceram a vida cultural de nosso país desde que chegou, expulso pela guerra civil espanhola", afirmou Teresa Vicencio Álvarez, directora geral do INBA.
Nascido em Valencia, Tomás Segovia desembarcou no México em 1940 e  tornou-se uma importante figura da vida intelectual mexicana." Lusa


Prémio Portugal Telecom Literatura
O livro "Passageiro do Fim do Dia" de Rubens Figueiredo foi o vencedor da edição deste ano do Prémio Portugal Telecom de Literatura, em cerimónia realizada esta terça-feira em São Paulo.
Rubens Figueiredo ,escritor e tradutor brasileiro, é um autor galardoado com vários prémios ,incluindo dois Prémios Jabuti de Literatura e já tinha recebido este ano o Prémio São Paulo de Literatura.
O "Passageiro do Fim do Dia" conta o que os olhos de Pedro vêem enquanto atravessa a cidade do Rio de Janeiro até chegar ao bairro onde vive. Com um livro velho nas mãos, que vai lendo, a personagem criada por Rubens Figueiredo vai observando as relações e as desigualdades sociais no Brasil.
«Tentei concentrar-me em pequenos factos ou situações, às vezes detalhes mesmo pequeninos», contou o escritor, referindo ainda que abordou a «distância entre as pessoas» e «a dificuldade de ver os outros como iguais a nós mesmos».
O vencedor do prémio Portugal Telecom de Literatura escreveu o primeiro romance aos 23 anos. Nasceu em 1956, no Rio de Janeiro e vive nessa cidade. Foi professor e actualmente é tradutor, tendo mais de 40 traduções publicadas.
Mesmo com todo um currículo marcado pelo envolvimento com a língua, o autor diz não ser movido apenas pela palavra. "Eu só começo a escrever quando tenho alguma coisa para dizer".
Os dez finalistas do prémio deste ano foram Rubens Figueiredo, com "Passageiro do fim do dia" (Editora Companhia das Letras), João Tordo, com "As três vidas" (Editora Língua Geral), Gonçalo M. Tavares, com "Uma viagem à Índia" (Editora Leya), José Castello, com "Ribamar" (Editora Bertrand), João Almino, com "Cidade Livre" (Editora Record), Marina Colassanti, com "Minha guerra alheia" (Editora Record), Alberto Martins, com "Em Trânsito" (Editora Cia das Letras), Elvira Vigna, com "Nada a dizer" (Editora Cia das Letras), Ricardo Aleixo, com "Modelos Vivos" (Editora Crisálida) e Donizete Galvão, com "O homem inacabado" (Portal/Dobra Editorial). Notícia  da Comunicação social

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Fernando Pessoa em “ O Devir -Eu "

"Aos estudiosos ( e também, por que não, aos simples curiosos) da obra de Fernando Pessoa, este pequeno volume de José Gil que nos tem habituado a leituras sóbrias, aparentemente simples mas sempre incisivas da criação em Fernando Pessoa.
Este devir-eu, esta forma de nos dizer de que modo, entre outros, Pessoa se foi encontrando a si mesmo - pelos caminhos múltiplos da sua própria obra - recolhe um conjunto de reflexões feitas a partir do Livro do Desassossego, da Correspondência de Ofélia-Pessoa, e da função do inconsciente da Sensação no poema Passagem das Horas.
Três ensaios, três leituras obrigatórias.
No meu caso, que sempre me apercebi da estruturação, da função e do peso do inconsciente na obra de Pessoa, é-me especialmente agradável, dezenas de anos depois, encontrar uma leitura que não é igual (nunca o poderia ser ) mas devolve a essa função da nossa psique o seu lugar na obra de um dos nossos maiores poetas.
Faltaria, mas não foi intenção do autor e a sua liberdade tem de ser respeitada, a referência ao papel que a paixão pelos conhecimentos esotéricos, iniciáticos, desempenhou, tanto na produção poética como na relação, que se viria a quebrar, com a sua namorada. Ofélia queria um casamento tradicional, filhos, família; Pessoa queria atingir, na Iniciação, o ponto mais elevado. Se o atingiu é segredo bem guardado - mas sabe-se que sonhou, sabe-se que estudou, aguardando um sinal..
Relembro, pois tem sido um trabalho de cuidadosa investigação, recolha e transcrição de inéditos do espólio, o volume X da edição crítica de Fernando Pessoa, sobre o Sensacionismo e outros ismos. (Mantenho, na citação, a escrita do original)
Num apontamento de 1914 declara o poeta que tomou a decisão de ser ele mesmo:
"Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver á altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a idéa do reclame, e plebêa sociabilização de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Genio e na divina consciência da minha Missão. Hoje só me quero tal qual meu caracter nato quer que eu seja, e meu Genio, com elle nascido, me impõe que eu não deixe de ser.
Attitude por attitude, escolher a mais nobre, a mais alta e a mais calma.Pose por pose, a pose de ser o que sou.
Nada de desafios á plebe, nada de girândolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade não se mascara de palahaço; é de renuncia e de silencio que se veste
(...) Recobrei - ao sentir que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de 'lançar o interseccionismo' - a tranquila posse de mim.
Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci.
(...)
D'oravante vêr se estudo, trabalho, elaboro. As minhas angustias espirituais continuarão em muitos pontos; mas n'um cessaram, na busca de mim que, no amago de tudo, me trazia irrequieto porque não me encontrára.
Marinetti, tudo isso - o grau superior de clown, mais nada.
Associar-me menos com os outros.
Deus esteja comigo".

Mas não esqueçamos que se trata aqui de recolha de fragmentos soltos, ordenados, quando possível, por datas, e que logo noutros momentos a decisão que parecia definitiva é contrariada por outras propostas e reflexões filosóficas e estéticas que recuperam, com minúcia, o caminho aparentemente antes recusado.
Na sua ânsia de extrema liberdade tudo afinal deseja experimentar.
O poeta é de pensamento irrequieto, como ele próprio reconhece, e o seu desejo de tudo abarcar, tudo pensar, sentir e sistematizar, mais para si do que para os outros, cai em contradições que, embora despoletem momentos de genial criação, não lhe permitem levar até ao fim um modelo que se pudesse dizer coerente, completo e disponível na sua universalidade.
Os modelos teóricos de Pessoa são, no fundo, para uso próprio, exclusivo, - não terá nem poderia ter seguidores, e é isso que faz dele, entre outras coisas, o ser múltiplo e único que ele é."  Yvette Centeno , in “Literatura e Arte”

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Noventa e dois anos de Sophia

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu a 6 de Novembro de 1919 (1919-2004). Completaram-se , ontem , 92 anos do seu nascimento. A poesia que nos deixou tem sido constantemente aplaudida e relembrada em todo o mundo. Hoje, também a recordamos.


As rosas

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.


Sophia de Mello Breyner,  in "Dia do Mar" (1º ed. Ática 1947, incluído no vol. I da "Obra Poética", ed. Caminho)

A anémona dos dias

Aquele que profanou o mar
E que traiu o arco azul do tempo
Falou da sua vitória
Disse que tinha ultrapassado a lei
Falou da sua liberdade
Falou de si próprio como de um Messias
Porém eu vi no chão suja e calcada
A transparente anêmona dos dias.

Sophia de Mello Breyner, in “No Tempo Dividido e Mar Novo”, Edições Salamandra, 1985, p. 67

domingo, 6 de novembro de 2011

Há Música ao Domingo

 "Como sabemos, todo Estado é uma sociedade, a esperança de um bem, seu princípio, assim como de toda associação, pois todas as acções dos homens tem por fim aquilo que consideram um bem." Aristóteles, in "A Política"
“A decisão é, na verdade, o que de mais próprio concerne a excelência e é melhor do que as próprias acções no que respeita à avaliação dos carácteres humanos.
(…)Um desejo pode opor-se a uma decisão, mas já não poderá opor-se a um outro desejo. O desejo tem em vista o que é agradável e o que é desagradável. A decisão, contudo, não é feita em vista do desagradável nem do agradável.”Aristóteles, in “Ética a Nicómaco “
Assim pensou e escreveu Aristóteles (384 - 322 a.C.) um dos maiores filósofos gregos da Antiguidade. Hoje a Grécia de Platão, de Aristóteles e de tantos outros gloriosos sábios debate-se com problemas de sobrevivência, onde as grandes decisões têm de prevalecer sob o bem de um povo que foi pioneiro na história da Democracia.
Vangelis Papathanasiou , compositor grego, é um dos grandes vultos da música mundial.  Em 1997, no Panathenean Stadium, em Atenas  produziu e dirigiu um espectáculo perante noventa mil espectadores.   Montserrat Caballe e Montserrat Marti, mãe e filha, cantaram  "The Pray of the World" uma das muitas composições aí apresentadas. E porque na Grécia  a história se escreveu com o seu povo, celebrar o talento actual de um deles é acrescentar uma outra página nesse grande livro da memória grega.

sábado, 5 de novembro de 2011

Um sorriso claro solar


"Mas insensivelmente os lábios foram-se separando um pouco. Um dente. Subtil iluminado de pacificação, serenidade alegria de ser - se te demorasses um pouco. E seres aí a vida rodeada de verdade por todos os lados. Um dente visível. Mas os lábios separaram-se mais e são agora um sorriso claro solar. E instintivamente deixei que se demorasse aí até eu poder reconhecer-lhe o esplendor. É um riso, não vou cometer a imprudência de o perder. Está na linha do céu e do mar, não vou. A juventude sem uma força excessiva de o ser. A confiança - não vou. O futuro dos séculos a quererem vir. A segurança contra o medo a vileza a degradação. A morte. Nem na realidade há nele futuro algum. Porque todos os séculos do futuro e do passado se conglomeram ali no instantâneo presente. O riso. Sem olhos nem face. Nem cabelos. Porque toda a sua ausência está lá. São olhos iluminados de uma festa terrível, cabelos de ar. Fixar-te para sempre, riso da minha pacificação."
Vergílio Ferreira, in "Na Tua Face", Bertrand Editores, 1993 *

*"Na Tua Face" é um dos últimos romances de Vergílio Ferreira e aquele que mais traduz uma aspiração do próprio autor.Ser pintor tal como Daniel,a personagem deste romance. Em "Conta-Corrente", obra diaristica, Vergílio Ferreira anotou: «Não preferi a minha arte. Calhou-me. Ou talvez seja essa a sorte de todas as preferências: escolhe-se sempre o que nos coube, ou seja o que se é. Mas a verdade é que, se na escolha se escolhesse, escolheria a pintura».

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Como comunicamos uns com os outros?

Estudo revela que as pessoas utilizam um ritmo à base de "descargas"
"Um estudo espanhol, que analisou nove mil milhões de chamadas durante quase um ano, é o primeiro a identificar as características do processo de comunicação e a quantificar o impacto sobre a divulgação de informações.
Isto é muito importante em processos como a difusão de informações comerciais, mas também em situações como espalhar boatos, opiniões, políticas, etc.”, explica um dos autores da investigação, Esteban Moro, da
Universidade Carlos III de Madrid.
A principal conclusão do estudo, publicado na revista Physical Review E, é que as pessoas comunicam em rajadas. Ou seja, o nosso comportamento não ocorre uniformemente ao longo do tempo mas em ritmo de "descargas".
Este aspecto da actividade humana, que também tem sido observado noutras actividades, tais como nos e-mails, visitas à internet ou em operações de mercado de acções, regulam a comunicação entre as pessoas”, concluem os cientistas.
O efeito das explosões é que retarda a disseminação de informações, já que os longos períodos de inactividade na comunicação entre duas pessoas são menos propensos a transferir informações de uma para a outra.
O estudo também destaca outro aspecto importante da comunicação humana: as discussões de grupo. Apesar destas acontecerem em rajadas, ocorrem ao mesmo tempo entre os membros do grupo social, o que acelera a difusão de informações dentro desses grupos.
O principal objectivo do estudo é tentar compreender o padrão temporal de comunicação entre pessoas numa rede social. “Diante da visão estática de uma rede social, o nosso estudo procura compreender quando, como e como essas relações sociais são produzidas”, diz o professor Stephen Moro. E com dois propósitos: o primeiro, ver se o ritmo da comunicação entre duas pessoas nos permite conhecer um pouco das características da relação (família, amigo, conhecido, colega, etc.); o segundo, para investigar o impacto desses ritmos na disseminação de informações em redes sociais, em processos de marketing, recomendação de produtos, etc."In Ciência Viva, 2011-09-06

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A actualidade em cartoon


Referendo grego
Ranson, Le parisien Fr.
Kroll, Le Soir


Elrich, El País



Elrich, El País
Rodrigo, Expresso


Rodrigo, Expresso


The daily cartoon, The Independent
The daily cartoon, The Independent

Ramon, El País

Elias o sem Abrigo,  de R.Reimão e Aníbal F, JN