COLUNA DA REVISTA O GLOBO (25/09/2011)
Discursos
"Em pronunciamento na ONU, na semana passada, a presidente Dilma estreou, internacionalmente, uma palavra que vem usando insistentemente no Brasil: “malfeito”. “Meu governo não terá compromisso com o malfeito”, disse ela. Todo mundo sabe que, quando diz “malfeito”, a presidente está usando um eufemismo. Ela se refere à “corrupção”. Mas, aparentemente, Dilma não quer admitir, pelo menos publicamente, a possibilidade de que haja corrupção em seu governo.
A presidente vai me desculpar, mas malfeito e corrupção não significam a mesma coisa. De acordo com os dicionários, malfeito é “feito sem perfeição, mal executado, imerecido, injusto”. É uma definição suave para o que levou à demissão recente de alguns ministros de seu gabinete. Já o significado de corrupção justifica plenamente a saída da trupe ministerial: “Ato ou efeito de corromper, de fazer degenerar, depravação; ação de seduzir por dinheiro, presentes etc, levando alguém a afastar-se da retidão”.
O que há mais no poder de hoje no Brasil é alguém afastando-se da retidão. E não dá para confundir isso com malfeitos.
Um cafezinho pode ser malfeito, mas dificilmente será considerado corrupto. Um ministro pode ser corrupto, mas é pouco provável que seja malfeito (se bem que, em alguns casos, a natureza tenha até contribuído para que alguns sejam considerados assim, Mas todo mundo sabe que não é isso que Dilma quer dizer).
Dilma é mestre em fazer discursos com palavras da moda que supostamente dão mais valor ao que ela diz. Ela chama “rede social” de “ferramenta” e insiste no verbo “disponibilizar”.
No Brasil, políticos têm mania de não utilizar a palavra certa. O PT, por exemplo, prefere chamar de “regulação da mídia” o que é, na verdade, “censura à imprensa”.
Nesta questão, a gente não pode se queixar do presidente Lula. Ele fala exatamente o que quer dizer. No mesmo dia em que Dilma disponibilizava seu discurso na ONU, Lula dava declarações objetivas em Salvador. “O político tem que ter casco duro”, ensinou. “Ela vai passar a vassoura”, disse, referindo-se a Dilma, mesmo sabendo que ela não gosta de ser chamada de faxineira.
Há algo, porém, que irrita mais do que os malfeitos de Dilma ou os cascos duros de Lula. É uma expressão que atacou as autoridades do Rio e parece um mal sem cura. Quando um bondinho de Santa Teresa descarrila matando seus passageiros ou quando um paciente em estado grave passa oito horas seguidas batendo de porta em porta tentando entrar num hospital público, a declaração da autoridade é sempre a mesma: “Vou abrir uma sindicância para apurar os fatos”. É um eufemismo também. O que eles querem dizer é “não vai acontecer nada”. E fica tudo como antes até a próxima tragédia com os transportes públicos ou a próxima displicência revelada pelos hospitais da rede pública. Como diria a presidente Dilma: Isso é que é malfeito." Artur Xexéo, In Jornal Globo (26/09/2011)
A presidente vai me desculpar, mas malfeito e corrupção não significam a mesma coisa. De acordo com os dicionários, malfeito é “feito sem perfeição, mal executado, imerecido, injusto”. É uma definição suave para o que levou à demissão recente de alguns ministros de seu gabinete. Já o significado de corrupção justifica plenamente a saída da trupe ministerial: “Ato ou efeito de corromper, de fazer degenerar, depravação; ação de seduzir por dinheiro, presentes etc, levando alguém a afastar-se da retidão”.
O que há mais no poder de hoje no Brasil é alguém afastando-se da retidão. E não dá para confundir isso com malfeitos.
Um cafezinho pode ser malfeito, mas dificilmente será considerado corrupto. Um ministro pode ser corrupto, mas é pouco provável que seja malfeito (se bem que, em alguns casos, a natureza tenha até contribuído para que alguns sejam considerados assim, Mas todo mundo sabe que não é isso que Dilma quer dizer).
Dilma é mestre em fazer discursos com palavras da moda que supostamente dão mais valor ao que ela diz. Ela chama “rede social” de “ferramenta” e insiste no verbo “disponibilizar”.
No Brasil, políticos têm mania de não utilizar a palavra certa. O PT, por exemplo, prefere chamar de “regulação da mídia” o que é, na verdade, “censura à imprensa”.
Nesta questão, a gente não pode se queixar do presidente Lula. Ele fala exatamente o que quer dizer. No mesmo dia em que Dilma disponibilizava seu discurso na ONU, Lula dava declarações objetivas em Salvador. “O político tem que ter casco duro”, ensinou. “Ela vai passar a vassoura”, disse, referindo-se a Dilma, mesmo sabendo que ela não gosta de ser chamada de faxineira.
Há algo, porém, que irrita mais do que os malfeitos de Dilma ou os cascos duros de Lula. É uma expressão que atacou as autoridades do Rio e parece um mal sem cura. Quando um bondinho de Santa Teresa descarrila matando seus passageiros ou quando um paciente em estado grave passa oito horas seguidas batendo de porta em porta tentando entrar num hospital público, a declaração da autoridade é sempre a mesma: “Vou abrir uma sindicância para apurar os fatos”. É um eufemismo também. O que eles querem dizer é “não vai acontecer nada”. E fica tudo como antes até a próxima tragédia com os transportes públicos ou a próxima displicência revelada pelos hospitais da rede pública. Como diria a presidente Dilma: Isso é que é malfeito." Artur Xexéo, In Jornal Globo (26/09/2011)
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