quarta-feira, 27 de abril de 2011

Vitorino Magalhães Godinho morreu aos 92 anos


"Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011) morreu ao princípio da noite de terça para quarta-feira. Figura ímpar de historiador e de democrata, o seu nome e a sua obra passarão à história e ficarão inscritos no panteão da nossa memória colectiva, numa genealogia onde só cabem, antes dele, Oliveira Martins e Jaime Cortesão. Nasceu em Lisboa, de família republicana, com raízes na região de Ovar.
Nele se manifestaram, desde muito cedo, o interesse pela história e pelas questões de lógica aplicadas às ciências humanas e sociais. Em 1940, licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas, tendo sido nomeado professor extraordinário da Faculdade de Letras de Lisboa (1941-44).
Em 1959, enquanto investigador do Centre National de Recherche Scientifique e após longa integração na chamada École Pratique des Hautes Études, associada à célebre revista "Annales", defendeu o seu doutoramento de Estado na Sorbonne. Regressou, então, a Portugal como professor catedrático do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (1960-62). Duas vezes nomeado professor em universidades portuguesas foi, em ambos os casos, demitido por razões políticas. A sua inquebrável defesa dos valores da cidadania democrática e a sua lúcida adesão aos valores republicanos forçaram-no ao exílio. O pior dos quais terá sido o que viveu no desemprego, mas envolvido em intenso trabalho intelectual e editorial, ao longo dos oito anos que se seguiram à greve académica e ao rebentar da Guerra Colonial.
Em 1970 voltou a França para integrar o corpo docente da Universidade de Clermont-Ferrand. Após o 25 de Abril, regressou a Portugal, tendo sido Ministro da Educação e Cultura (1974) e Director da Biblioteca Nacional (1984), cargos dos quais se demitiu por discordâncias políticas que sempre tornou públicas. Foi professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa, desde 1975. O seu projecto de criação de uma verdadeira faculdade de ciências sociais e humanas, organizava-se em torno de uma maneira de pensar historicamente, mas foi desvirtuado e infelizmente mal compreendido.
Um modo global e interdisciplinar de pensar historicamente os problemas do presente, como era a sua proposta, foi substituído por uma concepção entrincheirada da história e das ciências sociais. O Prémio Balzan, espécie de Nobel para as Humanidades e Ciências Sociais, que lhe foi conferido em 1991, constituiu o reconhecimento internacional por uma obra e o modo como sempre soube excercer o seu ofício de historiador.
Entre os seus principais livros contam-se: "Razão e História - Introdução a um problema" (1940); "Documentos para a História da Expansão Portuguesa" (1943-1956); "A Expansão Quatrocentista Portuguesa" (1944); "Prix et monnaies au Portugal, 1750-1850" (1955); "A economia dos descobrimentos henriquinos" (1962); "Os Descobrimentos e a Economia Mundial" (1963-1971; edição francesa, 1966; edição revista, 1983-1984); "A Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa" (1971), "Mito e Mercadoria, Utopia e Prática de Navegar, Séculos XIII-XVIII" (1990). A este vasto elenco, acrescentam-se diversos volumes de ensaios, a direcção da enciclopédia Focus e da Revista de história económica e social, pela Sá da Costa; e a direcção de várias colecções na Cosmos.
O funeral realiza-se amanhã, da capela da Praça de Londres para o cemitério do Alto de São João."Elogio fúnebre do historiador Diogo Ramada Curto, in jornal “Expresso “, 27/04/2011

Entretanto, em declarações à Agência Lusa, Manuela Mendonça, presidente da Academia Portuguesa da História, afirmou que Magalhães Godinho é “o último de uma geração de ouro da historiografia portuguesa” destacando os “novos contributos dados pelo investigador no estudo da História, quer na conceptualização quer na metodologia, fortemente influenciados pela École des Annales, de que foi membro”.
O Presidente da República, Cavaco Silva, considerou Vitorino Magalhães Godinho como “um dos mais notáveis historiadores do século XX, declarando que, com a sua morte, Portugal perdeu “um grande homem de cultura”.
Mário Soares, antigo presidente da República e também perseguido pelo Estado Novo, preso e exilado antes do 25 de Abril, já o tinha referido comoum cidadão exemplar. Um homem probo, de uma inteireza de carácter excepcional e de uma honestidade moral e intelectual invulgar. Tem uma obra que o classifica entre os maiores historiadores portugueses.

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