Retrocedendo sobre todo o processo que conduziu à (quase) implantação do "Acordo Ortográfico" de 1990, deparamo-nos com muitas reflexões, artigos, encontros, polémicas e até com a Petição contra o mesmo que nos consciencializam de que esta falsa uniformização não foi, nem será apropriada pela totalidade da população que compõe este universo linguístico. Faltam ainda muitas respostas para que a necessidade de uniformizar a Língua Portuguesa seja compreendida e consequentemente aprovada por cada um e por todos. Em jeito de retrospectiva, transcrevemos um artigo dos editores brasileiros da revista "Autor" que, curiosamente, termina com uma interrogação.
"A língua não deve ceder à tendência para o nivelamento por baixo a que se assiste preocupantemente em diversas áreas da nossa sociedade. A língua e a linguagem são pilares do desenvolvimento no seu sentido mais amplo, não devem ser meros instrumentos do comércio e diplomacia. O acordo ortográfico de língua portuguesa de 1990 apresenta uma dubiedade sem critério, dificulta a aprendizagem da língua e empobrece o património linguístico da comunidade de países de língua portuguesa.
Esta, como muitas outras questões, tem sido instrumentalizada para responder às necessidades imediatas e contingentes à realidade actual. No entanto, deve ser contextualizada numa perspectiva mais ampla. A língua não é, nunca foi, nunca será um elemento estático da nossa sociedade, contudo, temos obrigação de zelar que as alterações à língua não nos empobreçam cognitiva, cultural e socialmente. Uma das maiores riquezas e mais bonitos legados que nos ficaram da história é a diversidade que caracteriza as formas de expressão oral e escrita da língua portuguesa. Desta diferença e do saber viver com ela, respeitá-la, apreciá-la, enquanto característica que espelha hábitos, cultura, história, percepções e sentimentos, nasce a tolerância e a oportunidade de ver de forma diferente. Nesta revista, um dos mais ricos exercícios tem sido a leitura indiscriminada do português do Brasil e do português de Portugal sem as restrições impostas pelo acordo (ver http://www.necco.ca/faq_acordo_ortografico.htm).Porque não há uma forma do português que possamos dizer que está mais correcta do que outra, deixemos a diversidade regular o desenvolvimento da língua e da linguagem. Não há razão para esta ingerência.Diversos factores tornam muito difícil ir além daquilo que foi atingido neste acordo: diferenças óbvias na oralidade do português de Portugal para o português falado no Brasil, caracterizado por vogais abertas, logo, também um sistema de acentuação distinto; as influências muito maiores, por parte de outras línguas, mais recentes e em maior número de que o português falado no Brasil foi e é alvo; um país com 190 milhões de habitantes, espalhados por 27 estados, cada um com história(s) e influências muito distintas, tem naturalmente, espaço para desenvolver por si próprio uma diversidade linguística imensa, difícil (sequer desejável…) de harmonizar, com consequências para a oralidade difíceis de imaginar em Portugal. E o mesmo se aplica aos restantes países de língua oficial portuguesa: as suas especificidades sociais, culturais e históricas não cabem nesta tentativa de acordo.
Propostas como eliminar as consoantes mudas, por exemplo, os “c” e “p”, trazem consequências diferentes para países que na sua oralidade não usam as vogais naturalmente abertas (a maioria dos PALOP, por exemplo). Além disso, esta eliminação ignora a etimologia, quando em outros casos, como em palavras diversas com o “h” mudo, se evoca a etimologia para a sua manutenção. No entanto, manter-se-ão diferenças consideráveis na acentuação e na escrita de muitas palavras que foram consideradas irreconciliáveis. O que traz de bom este acordo afinal?"
Editorial da Revista “Autor” escrito pelos Editores, Junho de 2008
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