Em 11 de Novembro de 2010, publicámos (ou postámos) um artigo sobre a palavra "Transparência" extraido de um pequeno Dicionário que integra o livro " A Arte do Romance" . Milan Kundera, o autor, refere como causa para a produção desse pequeno Dicionário o desafio feito pelo seu amigo Pierre Nora, Director da Revista " Le Débat", na época em que tomou conhecimento dos diversos erros cometidos pelos tradutores das suas obras . Nora, em jeito de aquietação, lançou-lhe o seguinte repto: "Esquece lá os teus tormentos e escreve qualquer coisinha para mim. As traduções obrigaram-te a reflectir sobre cada uma das tuas palavras. Escreve portanto o teu dicionário pessoal. O dicionário dos teus romances. As tuas palavras-chave, as tuas palavras-problema, as tuas palavras-amor..." E Milan Kundera assim fez.
Hoje, reabrimos o Dicionário e descobrimos a palavra EUROPA. Aqui fica o que lemos:
"EUROPA. Na idade Média , a unidade europeia repousava na religião comum. Nos Tempos modernos, ela cedeu o lugar à cultura (à criação cultural) que se tornou na realização dos valores supremos pelos quais os Europeus se reconhecem, se definem, se identificam. Ora, hoje, a cultura cede, por sua vez, o lugar. Mas, a quê e a quem? Qual é o domínio onde se realizaram valores supremos susceptíveis de unir a Europa? As conquistas técnicas? O mercado? A política com o ideal de democracia, com o príncípio da tolerância? Mas, essa tolerância, que já não protege nenhuma criação rica nem nenhum pensamento forte, não se tornará oca e inútil? Ou então, será que podemos entender a demissão da cultura como uma espécie de libertação à qual nos devemos abandonar com euforia? Não sei. A única coisa que julgo saber é que a cultura já cedeu o seu lugar. Assim, a imagem da identidade europeia afasta-se no passado. Europeu: aquele que tem a nostalgia da Europa."
Milan Kundera, in " A Arte do Romance", Editora Dom Quixote, 1988
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