quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Manoel de Andrade, o homem e o poeta


Manoel de Andrade tornou-se  alvo do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e teve de deixar o Brasil em 1969. A obra  poética  que produziu nessa época era  inédita  no Brasil .  Com uma publicação bilingue de "Poemas para a Liberdade" pela Editora Escrituras, em 2009, essa "poesia  política, carregada de emoção" foi divulgada no Brasil em língua materna, 40 anos mais tarde.  " Poemas para la libertad " que fora editado em espanhol tinha chegado à Bolívia, levado por contrabandistas equatorianos, ao Peru e à  Colômbia, e em 1971,  à Califórnia, EUA. 
"Os  seus poemas são algumas das pérolas da literatura brasileira condenadas ao ostracismo pelo AI-5". Para o poeta, “Não houve na história um ano com tantas barricadas como em 1968”
Publicámos já, neste espaço,  poemas desses tempos da  Resistência  que são o testemunho de uma vivência de Manoel de Andrade  em prol da justiça, da Liberdade ameaçada e coarctada pela tenebrosa Ditadura, época negra do Brasil.       
Hoje, transcrevemos  uma entrevista que concedeu à "Tarde" que nos permite conhecer  melhor este grande poeta brasileiro.
Saudamos, assim,  o poeta e o homem. Fica, porém,  a promessa de continuar a publicar as palavras que tão destramente lança .

" A Tarde – O senhor viveu os anos dourados de sua trajetória revolucionária fora do Brasil. É lamentável que tenha sido assim?
Manoel de Andrade - Pelo saldo sangrento que a Ditadura deixou na nossa história, minha saída foi o passaporte para a minha sobrevivência. Caso contrário,quem sabe não estivesse a responder esta entrevista, já que quando deixei o Brasil estava sendo procurado pelos agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Por outro lado, o importante era estar engajado na luta revolucionária, não importa em que país sua trincheira fosse aberta. O que tenho a lamentar foi o vazio em que caiu minha poesia naquela longa ausência e, posteriormente, pelo meu próprio desinteresse ante as dificuldades de expressão ideológica nos anos que antecederam a abertura democrática. Em 1968 meus versos começavam a ter notoriedade nacional, sobretudo pela sua publicação pela Revista Civilização Brasileira e o amplo destaque que vinha tendo na imprensa do Paraná. A partir da minha saída, em março de 1969, meus versos vieram à luz em outros berços fraternos, contudo não tiveram a insubstituível carícia da pátria, nem o leite materno da língua portuguesa.
A Tarde – Esta experiência foi capaz de gerar, consciente e gradativamente, um cidadão latino- americano?
MA - Sempre me senti um cidadão do mundo. Sentir-se latino-americano é uma postura natural quer pelas nossas origens latinas e ibéricas, quer pelo respeito à herança cultural pré-colombiana e a própria da história libertária do Continente. Esta consciência nos coloca, antes de tudo, diante de uma memória colonial de crimes e injustiças inomináveis. Diante de sua memória o ofício do escritor é sempre um compromisso de resgate, de testemunho, de acusação e de esperança e neste sentido minha experiência de caminhante ampliou minha consciência e, consequentemente, as dimensões dessa cidadania.
A Tarde  – No prefácio de seu livro Poemas para a liberdade o senhor diz que em 2008  sua geração “foi colocada no divã da história para fazer a psicanálise de suas ações e omissões”. Como o senhor se sente neste processo?
MA - Sinto-me muito solitário, a exemplo de outros tantos que ousaram preservar seus sonhos. A recente história política do país é um farto repositório de omissões e concessões. Mas depois de tantos escândalos é irrelevante explicitar exemplos. Os encantos do poder reuniram na pátria romanos e cartagineses e, diante das tantas benesses, as grandes bandeiras foram arriadas e os ideais emudeceram de vergonha. Foram tantas as sementes lançadas pelos nossos sonhos ao longo do país e do Continente. Muitas delas foram sacrificadas. Outras morreram quando mataram nossa utopia. Algumas, contudo, se preservaram no meio de tanto desencanto, resistiram às ilusões do poder e sobreviveram com suas cicatrizes, incorruptíveis na dor e ao silêncio. Algumas dessas sementes são hoje flores solitárias num mundo político com cartas marcadas. Sobrevivem porque ainda sonham. Sabem que no mundo não há mais lugar para heróis e muito menos para o homem novo. Estamos mesmificados pela globalização e, nesta ribalta, somente os mitos são iluminados. Penso que todos aqueles que empunharam suas bandeiras naquela década de lutas deveriam honrar ainda essa memória. Nunca tivemos na história do mundo um ano com tantas barricadas como o ano de 1968. Nesse contexto, meus poemas foram apenas uma solitária expressão daquela luta, porque, nos anais dessa memória, todos sabem que os verdadeiros poemas da bravura não foram escritos em versos.Contudo esse foi o principal motivo porque resolvi, quarenta anos depois, publicar no Brasil os meus Poemas para a liberdade.
AT - Que Manoel de Andrade nasceu daquele processo revolucionário?
MA - Nasceu um cidadão comprometido com todos os homens. Que já não acredita na violência revolucionária para mudar o mundo e que para isso todos devem dar as mãos para empunhar as bandeiras da educação e da paz. Que ainda acredita no sonho de um mundo socialista. Um homem iluminado pelo sol da liberdade e cujo coração é uma aldeia da solidariedade. Um homem despojado de interesses pessoais. Preocupado com a justiça, com o amor ao semelhante e a caridade para os excluídos. Um homem escravo da sua consciência e que busca nunca fazer a ninguém o que não gostaria para si mesmo. Que aprendeu a combater o bom combate, disposto a dar a outra face e perdoar as ofensas. Um homem que respeita o Criador e todas as criaturas,que vê o mundo como poeta e que acredita que a poesia e a música são as mais belas expressões da alma humana. Um homem preocupado com sua transformação moral e que luta para transformar seu egoísmo em amor e seu orgulho em humildade."

Entrevista retirada do site: “a tarde” .
Link: http://www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=1223417

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