Por Baptista Bastos
Nenhum dos dirigentes políticos portugueses faz o menor esforço intelectual para entender e decifrar os sinais do tempo. José Sócrates disse que o mundo mudara havia duas semanas. Não se sabe, mas parece, que foi a uma sexta-feira. O ridículo deixa de o ser para se transformar em tragédia. O desemprego subiu outra vez (10,8 por cento), os impostos são confiscos, a desorientação alastra como endemia. Numa passeata pelo Brasil e pela Venezuela, Sócrates quis conhecer Chico Buarque de Holanda, ídolo da sua juventude.
Nada de mal. O pior é que foi armada uma encenação de ópera-bufa. Noticiou-se ter sido o imenso criador poético a manifestar o desejo de conhecer tão admirável estadista. Mentira, facilmente provada e desmontada. Buarque, a solicitação de Lula da Silva, recebeu, no seu apartamento de Ipanema, o admirável estadista, ofereceu-lhe um cafezinho e, da conversa, nada transpirou. Faço uma pequena ideia do teor do espantoso diálogo. Fotografia, sorrisos, até sempre.
E andamos nestes quadros de revista, sem glória, nem altura nem grandeza. Nenhum político se nos dirige, olhos nos olhos, para revelar a verdadeira natureza do desastre português. Os habituais preopinantes dizem, nas televisões, que tudo vai de mal a pior, que o desemprego aumentará exponencialmente, que haverá "reajustamentos" mais pesados às decisões já tomadas, que são necessárias, imediatamente, regras de solução e de emergência, trezentas mil pessoas protestam nas ruas de Lisboa - e que acontece? Nada.
Não é bem assim. O povo quer é festas. E aí as tem, com o campeonato mundial de futebol (que não augura nada de favorável à curiosa selecção do "professor" Carlos Queirós); com as zaragatoas do Rio em Lisboa; com a transferência de Mourinho para o Real Madrid, que forneceu a medíocre dimensão do nosso jornalismo, particularmente o "televisivo", com todos os canais e mais alguns a transmitirem, em directo, durante imenso tempo, a conferência do "augusto" treinador.
O País está quase a pique e o pessoal quer sardinha assada. Medina Carreira é tido e havido como um "catastrofista", um "derrotista" sem remendo nem remédio. Apenas porque diz o que deve ser dito, e adverte-nos do que se nos dissimula ou oculta. Outros, mais ou menos preocupados com o rumo da caravela, são apontados como comunistas. Nada se critica que não seja apontado como manigância.
Como reage o Governo? Aumenta impostos e sorri ante a tempestade. As estatísticas marcam as evidências e projectam inquietantes indícios. Vem aquele secretário de Estado, que já foi da Educação, e agora é de não sei quê, aquele que ostenta uma testa curtíssima, e afirma, com inaudito descaramento, que as estatísticas não estão bem sopesadas, e que a pátria pode ir para a festa pois Sócrates vela e zela pelo nosso sossego.
A solução não consiste num "entendimento" entre o PSD e o PS, nada disso. Não duvido que Pedro Passos Coelho seja um homem sério, de mãos limpas e alma lavada. Não é isso que está em causa. O projecto do novo presidente social-democrata obedece a esse conceito de "social-democracia" que faz, dos políticos seus afins, hábeis gestores do capitalismo. Nada mais do que isso.
Ainda ninguém nos disse (a não ser Jerónimo e Louçã) como é que podemos sair da crise sem deixar um rasto de dor e de miséria no mundo dos mais desfavorecidos. Como não nos dizem que a democracia portuguesa corre perigo iminente devido às suas inúmeras fragilidades, e à indiferença como o povo em festa assiste a este desmoronar dos sonhos.
O caminho parece aberto para o aparecimento de um salvador mirífico e para o reforço das organizações de extrema-direita. Com uma subtileza que não disfarça a intenção, assiste-se, na comunicação social, ao reescrever da História, à defesa dos valores sem valor, ao "assear" dos crimes do salazarismo, e à ausência de críticas aos males do capitalismo. Há dias, "Le Monde", num texto estimulante pelas perspectivas que propunha, dizia que os novos empresários admitiam que o capitalismo terá de ser ético, ou não será. O vaticínio de que grandes e extensas convulsões sociais eram inevitáveis, se não fossem tomadas decisões rápidas, associavam-se às teses que começam a proliferar pela Imprensa europeia. Não esqueçamos que, na "União" (que raio de "união" é esta?), há já quinze milhões de desempregados, e que cresce a enunciação, tenazmente defendida pela Alemanha da senhora Merkel, de que é melhor o euro ser substituído pelas moedas que o antecederam.
Os bárbaros estão às portas de Bizâncio e discute-se o sexo dos anjos.
Artigo de opinião de Baptista Bastos, publicado no "Jornal de Negócios", em 4 de Junho de 2010
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