Por Baptista Bastos
Conheço, no nosso país, pouca gente viva que tenha tantos inimigos dissimulados ou manifestos, tantos adversários furiosos ou larvares, tantos opositores ressentidos ou cheios de verdete - como José Sócrates. O homem é, de certeza, um mau primeiro-ministro, mas possui uma pele de crocodilo e uma alma coriácea. Jornais, rádios, televisões, comissões disto e daquilo, comentadores do óbvio e articulistas assanhados, gente de meia-tijela e intelectuais briosos, todos, sem excepção, têm molhado a sopa no primeiro-ministro.
É claro que ele dá o flanco: é arrogante; diz uma coisa para alinhar outra, logo a seguir; não escuta ninguém; ignora conselhos; não cede às evidências; tem dado cabo, sistematicamente, do PS, e não esconde o furor quando se lhe opõem. O caso Manuel Alegre é um clássico, apenas um entre muitos.
Por vezes, Sócrates assemelha-se a José Mourinho. Este proclama-se o Número Um, irrita toda a gente, às vezes merecia um par de estalos - é tudo verdade; porém, onde toca, como Midas, faz ouro. Ganha campeonatos, tira clubes da desgraça, forja vencedores, enfrenta as armadilhas e a Imprensa lá de fora (cujas garras e métodos fazem com que a nossa pareça uma litografia pastoril) - mas não aldraba, não omite, dispõe de uma dignidade sem par.
Sócrates é o que se sabe, o que se vê, o que se lê e o que se ouve. O produto típico de uma era de vazio. Fala e não diz nada, à maneira dos antigos tribunos, sem ideias de seu, sem convicções, mas com um discurso fluido e escorreito, por alguns tido como produto de um bom utente da língua. O vocabulário é muito pobre, a estrutura verbal escassa de nuances, alguns conflitos com a preposição. Nada de mal adviria ao mundo, caso o palavreado de Sócrates não fosse, como é, um emaranhado de vícios semânticos e uma floresta de enganos que a todos nós atinge.
Provou-o, uma vez mais, na última entrevista à RTP. A habilidade retórica sobrepôs-se, de novo, à razão e à coerência. Judite de Sousa (de longe a maior entrevistadora portuguesa, homens e mulheres incluídos) e José Alberto Carvalho, digno e decente jornalista, não conseguiram enfrentar aquele turbilhão de frases. Eles bem tentaram abrir uma brecha no muro. Impossível.
Sobressaiu a descortesia para com Pedro Passos Coelho, com aquela de não ter de pedir desculpa, por estar a realizar a sua tarefa; mas devia pedi-la, exactamente por não a ter cumprido e haver mentido aos seus compatriotas. Acrescente-se a insana afirmação de que Portugal, e não ele, José Sócrates, está devedor ao PSD. Independentemente das grosserias, da fúria incontida nas expressões do rosto, o primeiro-ministro destina-se a si mesmo um futuro único, grandioso e exemplar.
Nesta fase de Sócrates chego a sentir compaixão pela notória desorientação mental, porque da moral já nem sequer aludo. Este homem presume-se o Mourinho da política; porém, faltam-lhe as vitórias e, sobretudo, faltam-lhe a majestade, a nobreza de carácter - para lhe sobrar a soberba sem sentido, a vaidade quase esquizofrénica, a egolatria desmesurada.
Ele sabe que não possui armas nem trunfos para governar sozinho. Devia saber que, para estabelecer coligações (sejam elas ou não criticáveis e absurdas) tem de proceder a cedências, de realizar compromissos. Ninguém conhece o teor dos compromissos; mas alguns devem ser - e provavelmente, com maiores transigências de Sócrates do que temporizações de Passos Coelho.
Tudo isto é muito triste porque tudo isto é muito pequeno, minúsculo, com a ausência de magnitude, desprovido de dimensão. Pode José Sócrates dizer o que disser, expor as máscaras que desejar, mas as conclusões serão dramáticas para a pessoa, para o político. Sobretudo, para o País, que tem sido posto à prova com uma violência arrepiante. Temos pago os erros, os despautérios, as malandrices, as incompetências e os disparates de uma "classe" política que nos despreza, embora seja ela que merece o nosso mais absoluto desdém.
Claro que esta coligação entre o PS e o PSD não leva a coisíssima nenhuma. É histórico. E a circunstância de Sócrates e os seus desígnios serem objecto da execração de múltiplos sectores da sociedade portuguesa, indicam que as coisas não são e não serão tão bondosas como seria desejável.
Conheço, no nosso país, pouca gente viva que tenha tantos inimigos dissimulados ou manifestos, tantos adversários furiosos ou larvares, tantos opositores ressentidos ou cheios de verdete - como José Sócrates. O homem é, de certeza, um mau primeiro-ministro, mas possui uma pele de crocodilo e uma alma coriácea. Jornais, rádios, televisões, comissões disto e daquilo, comentadores do óbvio e articulistas assanhados, gente de meia-tijela e intelectuais briosos, todos, sem excepção, têm molhado a sopa no primeiro-ministro.
É claro que ele dá o flanco: é arrogante; diz uma coisa para alinhar outra, logo a seguir; não escuta ninguém; ignora conselhos; não cede às evidências; tem dado cabo, sistematicamente, do PS, e não esconde o furor quando se lhe opõem. O caso Manuel Alegre é um clássico, apenas um entre muitos.
Por vezes, Sócrates assemelha-se a José Mourinho. Este proclama-se o Número Um, irrita toda a gente, às vezes merecia um par de estalos - é tudo verdade; porém, onde toca, como Midas, faz ouro. Ganha campeonatos, tira clubes da desgraça, forja vencedores, enfrenta as armadilhas e a Imprensa lá de fora (cujas garras e métodos fazem com que a nossa pareça uma litografia pastoril) - mas não aldraba, não omite, dispõe de uma dignidade sem par.
Sócrates é o que se sabe, o que se vê, o que se lê e o que se ouve. O produto típico de uma era de vazio. Fala e não diz nada, à maneira dos antigos tribunos, sem ideias de seu, sem convicções, mas com um discurso fluido e escorreito, por alguns tido como produto de um bom utente da língua. O vocabulário é muito pobre, a estrutura verbal escassa de nuances, alguns conflitos com a preposição. Nada de mal adviria ao mundo, caso o palavreado de Sócrates não fosse, como é, um emaranhado de vícios semânticos e uma floresta de enganos que a todos nós atinge.
Provou-o, uma vez mais, na última entrevista à RTP. A habilidade retórica sobrepôs-se, de novo, à razão e à coerência. Judite de Sousa (de longe a maior entrevistadora portuguesa, homens e mulheres incluídos) e José Alberto Carvalho, digno e decente jornalista, não conseguiram enfrentar aquele turbilhão de frases. Eles bem tentaram abrir uma brecha no muro. Impossível.
Sobressaiu a descortesia para com Pedro Passos Coelho, com aquela de não ter de pedir desculpa, por estar a realizar a sua tarefa; mas devia pedi-la, exactamente por não a ter cumprido e haver mentido aos seus compatriotas. Acrescente-se a insana afirmação de que Portugal, e não ele, José Sócrates, está devedor ao PSD. Independentemente das grosserias, da fúria incontida nas expressões do rosto, o primeiro-ministro destina-se a si mesmo um futuro único, grandioso e exemplar.
Nesta fase de Sócrates chego a sentir compaixão pela notória desorientação mental, porque da moral já nem sequer aludo. Este homem presume-se o Mourinho da política; porém, faltam-lhe as vitórias e, sobretudo, faltam-lhe a majestade, a nobreza de carácter - para lhe sobrar a soberba sem sentido, a vaidade quase esquizofrénica, a egolatria desmesurada.
Ele sabe que não possui armas nem trunfos para governar sozinho. Devia saber que, para estabelecer coligações (sejam elas ou não criticáveis e absurdas) tem de proceder a cedências, de realizar compromissos. Ninguém conhece o teor dos compromissos; mas alguns devem ser - e provavelmente, com maiores transigências de Sócrates do que temporizações de Passos Coelho.
Tudo isto é muito triste porque tudo isto é muito pequeno, minúsculo, com a ausência de magnitude, desprovido de dimensão. Pode José Sócrates dizer o que disser, expor as máscaras que desejar, mas as conclusões serão dramáticas para a pessoa, para o político. Sobretudo, para o País, que tem sido posto à prova com uma violência arrepiante. Temos pago os erros, os despautérios, as malandrices, as incompetências e os disparates de uma "classe" política que nos despreza, embora seja ela que merece o nosso mais absoluto desdém.
Claro que esta coligação entre o PS e o PSD não leva a coisíssima nenhuma. É histórico. E a circunstância de Sócrates e os seus desígnios serem objecto da execração de múltiplos sectores da sociedade portuguesa, indicam que as coisas não são e não serão tão bondosas como seria desejável.
Artigo de Opinião de Baptista Bastos publicado no "Jornal de Negócios " de 21 de Maio de 2010
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