O Viajante Sem Sono
Autor: José Tolentino Mendonça
Editora: Assírio & Alvim
N.º de páginas: 51
ISBN: 978-972-37-1440-1
Ano de publicação: 2009
Em 2006, José Tolentino Mendonça reuniu a sua poesia no volume A Noite Abre Meus Olhos (Assírio & Alvim), súmula dos seis primeiros livros. Regressa agora à publicação de originais com O Viajante Sem Sono, um precioso livrinho que prossegue, sem grandes mudanças de rumo, aquilo a que poderíamos talvez chamar uma investigação estética do mundo e dos seus mistérios.
Os quatro versos iniciais do primeiro poema (intitulado Para ler aos noviços) definem desde logo uma fronteira: «Deus não aparece no poema / apenas escutamos a sua voz de cinza / e assistimos sem compreender / a escuras perícias». Embora o poema seja o «acto espiritual por excelência», como recorda uma epígrafe de Levinas, Tolentino separa a experiência religiosa da experiência poética, aparta a luz da fé das «escuras perícias» a que a escrita o conduz. O horizonte de alguns destes textos até pode ser a revelação de uma verdade, o «infinito alcance», a epifania que ilumina, mas o poeta sabe que os trilhos para lá chegar são intransitáveis: há sempre um vento gelado que os apaga, ou declives e intervalos que os desviam para «aonde ninguém sabe».
Esta é uma poesia do espanto e do «louvor» diante da beleza mais pura das coisas, beleza sentida na pele – «por uma elipse, um rasgão, uma alteração cutânea» – mas impossível de nomear. Porque «o mundo é aquilo que nos separa do mundo» e estamos sempre à mercê da «ordem aleatória do tempo», sem o consolo sequer de uma «certeza culminante». A matéria do poema é mineral, feita de nácar e osso, húmus e folhas mortas, uma matéria que se inclina e «desliza», como as esculturas de José Pedro Croft. A transcendência não se procura, encontra-se. «Imaginamos lugares estritos / para o sublime que vem afinal / depositar-se à nossa soleira».
No poema, cabe tudo. A verdade e o erro, a perfeição e a trivialidade, «correntes marítimas em vez de correntes literárias», uma «paciência quase animal», uma resignada incerteza. As palavras que atribui a Lourdes Castro, Tolentino Mendonça podia tomá-las (e toma-as) para si mesmo: «A minha arte é uma espécie de pacto: / não distingo as áreas selvagens das cultivadas / e elas não distinguem a minha sombra / da minha luz».
Avaliação: 8/10
[Texto publicado no número 85 da revista Ler]
Os quatro versos iniciais do primeiro poema (intitulado Para ler aos noviços) definem desde logo uma fronteira: «Deus não aparece no poema / apenas escutamos a sua voz de cinza / e assistimos sem compreender / a escuras perícias». Embora o poema seja o «acto espiritual por excelência», como recorda uma epígrafe de Levinas, Tolentino separa a experiência religiosa da experiência poética, aparta a luz da fé das «escuras perícias» a que a escrita o conduz. O horizonte de alguns destes textos até pode ser a revelação de uma verdade, o «infinito alcance», a epifania que ilumina, mas o poeta sabe que os trilhos para lá chegar são intransitáveis: há sempre um vento gelado que os apaga, ou declives e intervalos que os desviam para «aonde ninguém sabe».
Esta é uma poesia do espanto e do «louvor» diante da beleza mais pura das coisas, beleza sentida na pele – «por uma elipse, um rasgão, uma alteração cutânea» – mas impossível de nomear. Porque «o mundo é aquilo que nos separa do mundo» e estamos sempre à mercê da «ordem aleatória do tempo», sem o consolo sequer de uma «certeza culminante». A matéria do poema é mineral, feita de nácar e osso, húmus e folhas mortas, uma matéria que se inclina e «desliza», como as esculturas de José Pedro Croft. A transcendência não se procura, encontra-se. «Imaginamos lugares estritos / para o sublime que vem afinal / depositar-se à nossa soleira».
No poema, cabe tudo. A verdade e o erro, a perfeição e a trivialidade, «correntes marítimas em vez de correntes literárias», uma «paciência quase animal», uma resignada incerteza. As palavras que atribui a Lourdes Castro, Tolentino Mendonça podia tomá-las (e toma-as) para si mesmo: «A minha arte é uma espécie de pacto: / não distingo as áreas selvagens das cultivadas / e elas não distinguem a minha sombra / da minha luz».
Avaliação: 8/10
[Texto publicado no número 85 da revista Ler]
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