sábado, 23 de janeiro de 2010

A nova Constituição angolana

A nova Constituição angolana não é democrática

Esta semana, a Assembleia Constituinte de Angola prepara-se para ratificar uma nova Constituição que acaba com a eleição directa do Presidente, instituindo um regime em que esta figura, que acumula as funções de chefe de Estado e de chefe do governo é simplesmente o líder do partido mais votado nas legislativas.
Em Angola, figuras da oposição ao regime de José Eduardo dos Santos têm-se oposto a esta nova Constituição, aprovada em tempo recorde no meio do campeonato de futebol "Taça Africana das Nações" que está a decorrer naquele país entre 10 e 31 de Janeiro.
As várias mudanças propostas conjugam-se para apontar no sentido de uma continuidade na falta de democraticidade do regime. O objectivo do MPLA parecia ser não apenas perpetuar-se no poder, como também adquirir um verniz de respeitabilidade democrática para exibir perante os parceiros internacionais. Um olhar atento ao novo texto constitucional sugere que o primeiro objectivo parece completamente assegurado, mas o segundo poderá ser difícil de alcançar.
A nova Constituição institui um regime em que o Presidente acumulará tanto as funções de chefe de governo como de chefe de Estado, ou seja congrega todo o poder executivo. Além de deter todos os poderes de governação que normalmente cabem a um primeiro-ministro, o Presidente terá a seu cargo a representação do país, a liderança das forças armadas, a marcação da data das eleições, as nomeações de altos cargos administrativos e políticos, a convocação de referendos, o veto, e o envio de diplomas para verificação da constitucionalidade ao Tribunal Constitucional.
A concentração do poder executivo por si só não é excepcional. Por exemplo é o que acontece na maior parte dos regimes políticos da América Latina. Especialmente nos países mais pobres, e dada a fraqueza das instituições, existem hiper-presidentes. Mas Angola ainda consegue distinguir-se de países como a Venezuela, o Equador, as Honduras. É que a par desta concentração de poderes, também se acabou com a eleição directa do Presidente. As democracias onde o poder executivo está concentrado numa única figura do Estado tendem a sufragá-la de forma directa para que o eleitorado possa responsabilizar o Presidente pelos seus actos.
Se o novo Presidente tem muitos poderes, e deixa de ser eleito de forma directa, talvez isso não o distinga muito de primeiros-ministros com maiorias absolutas, pense-se por exemplo em Thatcher ou Blair, lideres fortes que não foram eleitos directamente. A legitimidade do executivo nestes países, isto é nos regimes parlamentares, é assegurada pelo facto do chefe de governo exercer as suas funções apenas e só enquanto tiver o apoio do Parlamento.
Pois bem, neste critério e segundo a nova Constituição angolana, só será possível destituir o Presidente num processo de "impeachment" em que dois terços dos deputados em efectividade de funções votarem a favor da sua perda de mandato. Não existe na nova Constituição qualquer menção à possibilidade do Parlamento votar uma moção de censura ao Presidente. Está por isso o Presidente completamente blindado nas suas funções, e o Parlamento de mãos atadas.
Na África do Sul, por exemplo, país onde o Presidente também não é eleito de forma directa, sendo antes o líder do partido mais votado, existe, claro, a possibilidade do Parlamento votar uma moção de censura ao Presidente e ao seu governo que, se for aprovada por maioria simples, implica a queda do Presidente.
Podemos pois começar a compreender a gravidade do sentido desta mudança constitucional. Resta agora juntar a informação sobre o panorama partidário angolano: neste momento, e desde 2008, o partido do Presidente José Eduardo dos Santos controla mais de dois terços do Parlamento. Com este total predomínio do partido único sobre as instituições qualquer revisão constitucional faria pouca diferença no avanço da democraticidade do regime. Mas esta nova Constituição angolana elimina a réstia de legitimidade que a Constituição anterior emprestava ao regime, ao acabar com a eleição directa do Presidente sem o responsabilizar perante o Parlamento. Oremos.
Marina Costa Lobo
Politóloga

Assina quinzenalmente à quinta-feira uma coluna de Opinião no "Jornal de Negócios". Este artigo foi publicado nesse Jornal, em 21 de Janeiro de 2010.

1 comentário:

  1. Que desastre um retrocesso quando se avistava um novo impulso no evoluir deste país. A tentação hegemónica de quem governa durante muto tempo é muito forte em qualquer país, mas ainda maior nestes novos países africanos.
    Que Angola reconsidere e caminhe no rumo democrático.

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