A Ilha
Autor: Giani Stuparich
Título original: L’Isola
Tradutora: Margarida Periquito
Editora: Ahab
N.º de páginas: 79
ISBN: 978-989-96340-2-2
Ano de publicação: 2009
Com um perfil semelhante à Cavalo de Ferro dos primeiros tempos, a novíssima editora Ahab, implantada no Porto, promete apostar em autores inéditos em Portugal (ou pouco divulgados). Uma intenção que se confirma nos três primeiros títulos: Pergunta ao Pó, de John Fante; Pudor e Dignidade, do norueguês Dag Solstad; e A Ilha, de Giani Stuparich.
Comecemos por este último. Não se alongando por mais de cinquenta páginas, breves mas de uma intensidade quase sufocante, A Ilha é considerada a obra-prima de Gianni Stuparich (1891-1961), talvez menos conhecido do que outros grandes escritores de Trieste (Italo Svevo, Umberto Saba, Scipio Slataper ou Claudio Magris) por ter sobreposto os seus compromissos morais à expressão estética. Nas palavras de Magris, ele era «um mestre de rectidão civil e de empenhamento democrático», tendo de resto pago caro a recusa do fascismo, com uma passagem pelo campo de concentração de San Sabba (1945).
Em A Ilha (1942), Stuparich narra uma viagem final. Consciente do declínio físico, um homem convida o filho a viajar com ele até à ilha onde nasceu, para o que talvez sejam os seus últimos dias. Vindo das montanhas, o filho acede ao pedido e enfrenta a «luz crua» do mar, a «implacável cintilação do azul», procurando reaproximar-se desse pai que lhe abriu de vez os horizontes, aos dez anos, durante um périplo pela Dalmácia («onde antes imaginara apenas abismos ignotos e temerosos, descobrira chão firme e a alegria de por ele caminhar, desenvolto»), viagem iniciática cuja memória lhe provoca agora uma «sensação obscura, fisiológica; talvez idêntica à que deve sentir uma borboleta quando sai da crisálida».
O progenitor, que já foi como um deus para ele, «com o rosto luminoso, a voz sonora, modos de conquistador», envelheceu e tem um cancro no esófago, ameaça mortal que ergue, entre os dois, um silêncio em que o não-dito (a doença) apenas torna mais desesperado o afecto que os une. Na ilha há calor, mosquitos, insónias, uma paisagem deslumbrante e agreste. O pai vai à pesca, fuma, lê a Bíblia (O Livro de Job), recorda a «ilhota do amor» onde «os cachos oscilavam entre os lábios dos amantes», apagando-se numa espécie de resignação satisfeita. O filho mergulha no mar agitado, tortura-se com o sofrimento paterno (a tosse, os engasgos, os sinais da «fria lividez da morte») e tenta controlar as emoções. Ambos sabem que não há regresso depois do regresso. E é nesta matéria tão frágil – o amor indizível, a consciência do fim – que Stuparich esculpe a sua história. Uma história de uma simplicidade e beleza avassaladoras.
Avaliação: 9/10
[Texto publicado no suplemento Actual, do semanário Expresso]
Comecemos por este último. Não se alongando por mais de cinquenta páginas, breves mas de uma intensidade quase sufocante, A Ilha é considerada a obra-prima de Gianni Stuparich (1891-1961), talvez menos conhecido do que outros grandes escritores de Trieste (Italo Svevo, Umberto Saba, Scipio Slataper ou Claudio Magris) por ter sobreposto os seus compromissos morais à expressão estética. Nas palavras de Magris, ele era «um mestre de rectidão civil e de empenhamento democrático», tendo de resto pago caro a recusa do fascismo, com uma passagem pelo campo de concentração de San Sabba (1945).
Em A Ilha (1942), Stuparich narra uma viagem final. Consciente do declínio físico, um homem convida o filho a viajar com ele até à ilha onde nasceu, para o que talvez sejam os seus últimos dias. Vindo das montanhas, o filho acede ao pedido e enfrenta a «luz crua» do mar, a «implacável cintilação do azul», procurando reaproximar-se desse pai que lhe abriu de vez os horizontes, aos dez anos, durante um périplo pela Dalmácia («onde antes imaginara apenas abismos ignotos e temerosos, descobrira chão firme e a alegria de por ele caminhar, desenvolto»), viagem iniciática cuja memória lhe provoca agora uma «sensação obscura, fisiológica; talvez idêntica à que deve sentir uma borboleta quando sai da crisálida».
O progenitor, que já foi como um deus para ele, «com o rosto luminoso, a voz sonora, modos de conquistador», envelheceu e tem um cancro no esófago, ameaça mortal que ergue, entre os dois, um silêncio em que o não-dito (a doença) apenas torna mais desesperado o afecto que os une. Na ilha há calor, mosquitos, insónias, uma paisagem deslumbrante e agreste. O pai vai à pesca, fuma, lê a Bíblia (O Livro de Job), recorda a «ilhota do amor» onde «os cachos oscilavam entre os lábios dos amantes», apagando-se numa espécie de resignação satisfeita. O filho mergulha no mar agitado, tortura-se com o sofrimento paterno (a tosse, os engasgos, os sinais da «fria lividez da morte») e tenta controlar as emoções. Ambos sabem que não há regresso depois do regresso. E é nesta matéria tão frágil – o amor indizível, a consciência do fim – que Stuparich esculpe a sua história. Uma história de uma simplicidade e beleza avassaladoras.
Avaliação: 9/10
[Texto publicado no suplemento Actual, do semanário Expresso]
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