quarta-feira, 25 de maio de 2022

SONETO DO ÚLTIMO ANO

 
Quando se chega à idade que tenho,
o aniversário que se assinala
pode bem ser o último que venho
a fruir, antes de fechar a mala.
 
Fazer algo pela última vez
é uma experiência estranha:
mesmo que se trate só de talvez,
a coisa é estranha e não se entranha.
 
Beijar ou amar pela última vez,
não permitir dizer “mais uma vez”,
oferecer ao nada um ar cortês
 
é, digam o que disserem Vocês,
seja-se escocês ou mirandês,
fibra de guerreiro cartaginês!
                       25.05.2022
Eugénio Lisboa

Nota de Livres Pensantes
Vamos fazer uma pausa. Encerramos com a poesia de Eugénio Lisboa. A melhor  chave de ouro  para fechar uma porta. 
Regressaremos. Até lá.

Celebrar o 92º aniversário de Eugénio Lisboa

Eugénio Lisboa  a ser condecorado pelo Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, com a Ordem de Santiago de Espada,
em  Agosto de 2019.

Em vão procuro , exactas , as palavras de que preciso: não sei onde estão, não sei sequer se as conheço, se algum dia as vi e se , tendo-as visto, as reconhecerei quando voltar a encontrá-las. Também me é obscuro ou quase obscuro o motivo por que delas necessito. Conheço apenas a violência com que as desejo e o frenesi com que as procuro. É como se no dia em que as encontrasse, eu pudesse descobrir também o motivo de as procurar. Este meu desejo das palavras é um desejo – tem dele a cegueira, o desenvolvimento, a urgência e, contraditoriamente, o medo de as consumar.
                                                                         Eugénio Lisboa
 
São palavras exactas de Eugénio Lisboa que completa , hoje, noventa e dois anos. Retiradas de um magnífico livro de poesia, A matéria intensa, premiado em 1985, dão uma dimensão da longa e constante  procura realizada por este insigne escritor. Não seicom fidedigna informação, quando   terá realmente iniciado essa procura. Talvez a curiosidade, que sempre o impulsionou, o tenha levado a percursos iniciáticos que nos são ignotos. A primeira obra publicada “José Régio, uma Biografia, um Estudo Crítico, uma Antologia e um documentário gráfico”,  data de Fevereiro de 1957 . Fez, neste ano de 2022,  sessenta e cinco anos completos.  Livro  que resultou do  convite de José Régio ao jovem  em quem descortinou o talento, argúcia, sabedoria para analisar a sua obra com a largueza e abertura de pensamento que só os génios possuem. Numa das  entradas das Páginas do Diário Íntimo, José Régio confessa que conhecera, naquele ano, um alferes miliciano - Eugénio Lisboa -, que era um dos rapazes mais inteligentes que em toda a sua vida tinha conhecido. 
José Régio tinha razão.  A Antologia foi  escrita, com apurada dedicação  e sagaz espírito crítico por Eugénio Lisboa , a par do término da licenciatura em Engenharia Electrotécnica que frequentava.
Eugénio Lisboa  cumpriu o pedido que o conceituado escritor lhe tinha formulado. Uma nova voz nascia nas Letras Portuguesas . E, como todas as novas vozes,  fez tremer a segurança de algumas velhas e instaladas personalidades literárias que já se tinham assustado com  a escolha feita pelo poeta. Mas José Régio ficou satisfeito com o trabalho do jovem promissor. E, com ele, outros celebraram esta obra. David Mourão-Ferreira foi um deles.
Eugénio Lisboa inicia, assim,  a sua carreira de escritor. Só  dezasseis anos mais tarde, em 1973, publica um outro livro, o primeiro tomo da “ Crónica dos Anos da Peste” a que junta, em 1975, o segundo volume. Nestes dois tomos, reúne textos que escreveu desde 1956, data do regresso definitivo a Moçambique , até 1975. Todos estes textos tinham vindo a ser publicados na Imprensa moçambicana e na portuguesa continental.
Eugénio Lisboa iniciou uma carreira de escritor porque tinha talento. Não foi a clarividente selecção de José Régio que lho forneceu. O autor de Poemas de Deus e do Diabo apenas soube descortinar a luz que já iluminava a capacidade intelectual deste jovem curioso, culto e inteligente.
E nunca mais parou. Fez das palavras a sua  pauta , a sua voz , a sua arte ,  a eterna e sempre reinventada sinfonia que faz dele um autor celebrado.
" Mas vou pensando, por outro lado, para que a aventura possa recomeçar, que as palavras por fim encontradas não vão ser afinal aquelas, exactas , que eu procurava. O melhor da claridade conquistada é a certeza da treva  que se lhe segue e vai ser preciso percorrer de novo – até à nova claridade que pedirá nova escuridão. Assim se põe, perpetuamente, o motor em movimento.”,  continua Eugénio Lisboa, em A matéria intensa. E assim construiu uma obra monumental e diversificada. 
Detentor de uma oficina poética extraordinária, tem publicados três livros de poesia. Sagaz e renitentemente actuante, não permite a indefinição perante as tragédias ou acontecimentos que transformam o mundo. Durante a pandemia,  foi o grito poético desse retiro forçado do mundo, dando forma a um belíssimo conjunto de poemas, condensado no livro “Poemas em tempo de peste”.
Neste ano de 2022, perante a brutal e trágica invasão da Ucrânia, teceu um arsenal magnífico de poemas que foi sendo publicado diariamente  neste blog e terá compilação futura  em  livro.
De claridade em claridade, reformulou e continua a reformular um elevado número de  obras literárias. Tem sido, essencialmente, um crítico e ensaísta literário, embora com três belos livros de Poesia publicados e uma magnífica e volumosa obra memorialística e diarística.
Eugénio Lisboa afirmou, há alguns anos, numa entrevista, que tem praticado a crítica como um exercício criativo a partir da memória. Que faz uma busca contínua do saber quando aborda um livro. Não é apenas o conhecimento dessa obra,  é a memória de tudo o que o autor da obra escreveu e de tudo o que com ela se relaciona. Confessa o crítico Eugénio Lisboa que  é seduzido pela música fascinante dos sinos da memória. É ela  que prende a  sua atenção.
Uma definição exacta da capacidade intelectual deste escritor que detém  uma cultura inesgotável.
Entregou-se ao estudo dos outros escritores, preterindo a construção de uma outra obra própria ainda mais volumosa. Laborioso e consistente, não cessou de dedicar uma atenção profunda e meticulosa  a uma série interminável de obras e aos seus autores.
Perdemos muitas obras de grande fôlego literário, embora tenhamos aprendido e adquirido, com fruição inesgotável, o  imenso e imperdível conhecimento deste escritor maior.
Em 26.12.1993, no Boxing Day, em Londres, registou em entrada do seu Diário , Aperto Libro II, o seguinte:  “O que me apetecia hoje era começar a escrever um romance. O pior é que não irei ter, nos meses próximos, aquela contínua disponibilidade que um romance exige. Mas que romance iria eu escrever? Francamente, bastava-me escrever um. Mas, nesse, poria lá tudo. Acho que um bom romance chega. Um só: é quanto basta. Até porque nos arriscamos, depois, a escrever sempre o mesmo.”.
Esse romance seria certamente um outro magnum opus no tão profícuo acervo literário deste singular escritor.
Eugénio Lisboa enriqueceu a Universidade, a Escola e todos nós, leitores, com obras notáveis que se tornam obrigatórias para um bom conhecimento da Literatura Universal. Estudar um escritor passa pela leitura da sua obra de inexcedível garantia científica e modelar profundidade.
Dizia Gustave Flaubert “O estilo está nas palavras e dentro delas. É igualmente a alma e a carne de uma obra.” Eugénio Lisboa sabe e pratica, com mestria,  essa verdade. Tem uma escrita singular e sumptuosa que se revela em cada peça que nos apresenta.
Há escritores com quem os leitores fizeram um pacto invisível mas duradouro.  Eugénio Lisboa tem uma longa lista que  espera por cada novo livro com intensa curiosidade e prévio prazer. A fidelidade é uma regra tácita e irrevogável.
Faço parte integrante dessa lista. É com ufano e egoísta regozijo, que me afirmo leitora impune da sua obra e me confesso amante do seu requintado  saber  . Delicio-me, em festa antecipada, com as obras que virão e com o privilégio  de (re)aceder ao vislumbre da claridade que só a fina escrita deste extraordinário intelectual produz.
Ao Eugénio Lisboa,  figura maior do actual  universo literário português, apresento as minhas felicitações e a  minha sempre renovada gratidão.

terça-feira, 24 de maio de 2022

E queremos gritar

Transição

O amanhecer e o anoitecer
parece deixarem-me intacta.
Mas os meus olhos estão vendo
o que há de mim, de mesma e exata.

Uma tristeza e uma alegria
o meu pensamento entrelaça:
na que estou sendo a cada instante,
outra imagem se despedaça.

Este mistério me pertence:
que ninguém de fora repara
nos turvos rostos sucedidos
no tanque da memória clara.

Ninguém distingue a leve sombra
que o autêntico desenho mata.
E para os outros vou ficando
a mesma, continuada e exata.

(Chorai, olhos de mil figuras,
pelas mil figuras passadas.
e pelas mil que vão chegando,
noite e dia... -- não consentidas.
mas recebidas e esperadas!)
Cecília Meireles, in Mar absoluto ,Editora Global 

SILÊNCIO

Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios se emudecem.

Libertad bajo palabra, 1960
Octavio Paz,(1914 – 1998), in “Antologia Poética – Poesia Século XX”, Publicações Dom Quixote, 1984

A Santa Esperança

A Santa Esperança
por Anselmo Borges
"Uma reflexão aprofundada sobre a esperança, deverá começar por aquela tendência para o futuro que caracteriza todo o ser vivo e mesmo toda a realidade cósmica, uma vez que está em evolução, de tal modo que já é e ainda não é adequadamente - por isso, está a caminho.
O cosmos desde a sua origem é em processo (do latim procedo, avançar, ir para diante). A realidade material tem carácter "prodeunte" (do verbo latino prodeo, avançar), para utilizar uma palavra do filósofo Pedro Laín Entralgo, que estou a seguir.
Trata-se de uma propriedade genérica que se vai fazendo proto-estruturação - passagem das partículas elementares às complexas -, molecularização - dos átomos às moléculas -, vitalização - das moléculas aos primeiros seres vivos -, vegetalização, animalização - aparecimento e desenvolvimento da vida quisitiva da zoosfera - e hominização - transformação da tendência geral para o futuro em futurição humana, tanto no indivíduo como na espécie humana e na história, desde o Homo habilis até ao presente.
Nestes modos de existir na orientação do futuro, só quando se chega ao nível do ser vivo, que precisa de buscar para viver, é que se dirá que a tendência para o futuro se configura como espera, podendo chegar a ser esperança. Do nascimento à morte, entre a esperança e o temor, o animal vive permanentemente voltado para o futuro e orientando a sua espera na procura do que precisa para viver.
O animal e o Homem esperam, mas, enquanto a espera animal é instintiva, no quadro dos instintos e de estímulos, situada e fechada, a do Homem transcende os instintos, os estímulos e as situações, sendo, portanto, aberta, de tal modo que nunca se contenta com a realização de cada um dos projectos parciais em que a sua futurição constitutiva se concretiza.
Laín dá um exemplo. Numa "sala de espera" de uma estação de caminho de ferro, não me limito a aguardar a chegada do comboio que traz o meu amigo, pois, mesmo que não tenha consciência explícita disso, espero o que será a minha existência em todo o seu decurso posterior, para lá do reencontro. A espera humana está realmente aberta a possibilidades que transcendem a realização feliz ou frustrada de cada projecto.
Ora, tanto num caso como no outro, tanto na espera do concreto - aqui, a chegada do amigo - como, mesmo que não pense directamente nisso, na espera do que transcende o concreto e limitado - o que será de mim na minha vida depois da chegada do amigo -, são possíveis duas atitudes enquanto tonalidades afectivas: a confiança e a desconfiança.
Devido a uma multiplicidade de factores, do temperamento às circunstâncias biográficas de sorte ou desgraça, passando pela educação, estes dois estados de ânimo - confiança e desconfiança - "podem converter-se em hábito de segunda natureza: a esperança, quando é a confiança que domina, e a desesperança, quando prevalece a desconfiança".
O Homem, como o animal, não pode não esperar: vive orientado para o futuro e esperando o que projecta, isto é, a consecução de metas e objectivos concretos e também, quer se dê conta disso quer não, o que permanentemente transcende a obtenção dos seus projectos. A esperança tem, pois, dois modos complementares: a esperança do concreto (o hábito de confiar que os projectos parciais se irão realizando bem) e a esperança do fundamental (o hábito de confiar - a confiança não é certeza - em que a realização da existência pessoal será boa).
Esta esperança do fundamental é a "esperança genuína", que assume dois modos, que não se excluem: a esperança terrena e histórica e a esperança meta-terrena e trans-histórica. Esta é própria dos crentes numa religião que afirma confiadamente a vida para lá da morte em Deus.
Aí encontrará o Homem finalmente, como viu Santo Agostinho, aquela plenitude por que aspira na tensão constitutiva entre a sua radical finitude e a ânsia de Infinito: "o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti, ó Deus". "Santa esperança", dizia Péguy.
O ser humano é constitutivamente esperante. Porque é que os seres humanos, apesar de todos os fracassos, horrores, sofrimentos e cinismos, ainda não desistiram de lutar e de esperar? Porque é que continuamos a ter filhos? Porque é que, depois de terramotos devoradores e de guerras destruidoras, recomeçamos sempre de novo? Perguntava, com razão, o célebre teólogo Johann Baptist Metz: "Porque é que recomeçamos sempre de novo, apesar de todas as lembranças que temos do fracasso e das seduções enganadoras das nossas esperanças? Porque é que sonhamos sempre de novo com uma felicidade futura da liberdade?", embora saibamos que os mortos não participarão nela? Porque é que não renunciamos à luta pelo Homem novo? Porque é que o Homem se levanta sempre de novo, "numa rebelião impotente", contra o sofrimento que não pode ser sanado? "Porque é que o Homem institui sempre de novo novas medidas de justiça universal, apesar de saber que a morte as desautoriza outra vez" e que já na geração seguinte de novo a maioria não participará nelas? Donde é que vem ao Homem "o seu poder de resistência contra a apatia e o desespero? Porque é que o Homem se recusa a pactuar com o absurdo, presente na experiência de todo o sofrimento não reparado? Donde é que vem a força da revolta, da rebelião?"
Neste movimento incontível, ilimitado, do combate da esperança, pode ver-se um aceno do Infinito, um sinal de Deus. Como não se cansava de repetir o ateu Ernst Bloch: "Onde há esperança, há religião."
Anselmo Borges, Padre e professor de Filosofia, em artigo publicado no DN de  7 de Maio  de 2022. Escreve de acordo com a antiga ortografia

domingo, 22 de maio de 2022

Ao Domingo Há Música


"Vieram ter comigo dos lados do mar. Eram três, eram três mil. Vi que era pão que procuravam ou que não era pão que procuravam. Pus-me a distribuir por eles as minhas palavras: árvore , pássaro, mar, criança, rapariga, mulher. A cada palavra minha eu ia-me esvaziando. Era a vida, a minha vida que se me ia. Eles ficavam incendiados. Nunca tinham pensado que se pudesse comunicar assim coisas próprias. Vieram mais , muitos mais, dos lados do mar. Disse-lhes: morte, Deus.  E caí redondo no chão. Naquele dia ficou instituído o Serviço de abastecimento da palavra ao país. Ainda vieram ter comigo, dizendo para eu arranjar outra designação, que aquelas iniciais não podiam ser. Mas eu já habitava plenamente a minha morte, meu planeta desde tenra idade."
Ruy Belo, in Imagens vindas dos dias - Homem de Palavra(s),Publicações Dom Quixote, Janeiro de 1970,  p.10

Um texto e uma peça musical . Um poeta e um compositor. Palavras e música num  universo de magia . Uma transcendente ideia de completude,  apesar da diferença e distância entre os seus autores 
Sob a talentosa direcção do Maestro  Gustavo Dudamel,  LA Phil ( Los Angeles Philharmonic Orchestra)  interpreta o belíssimo Adagietto,   da Symphony Nº 5 de Gustav Mahler,(1860-1911).  A gravação foi realizada em 2020, em  tempo da pandemia. 
 

sábado, 21 de maio de 2022

Αντίο Βαγγέλη Παπαθανασίου - Adeus Vangelis

Vangelis Papathanasiou.

O compositor grego Vangelis Papathanasiou morreu aos 79 anos.  A notícia foi avançada pela agência de notícias grega Athens. Segundo a agência noticiosa, que cita os advogados do compositor, Vangelis morreu na terça-feira, 17 de Maio. A causa da morte não foi divulgada.
Kyriakos Mitsotakis, primeiro-ministro grego, reagiu à notícia na rede social Twitter: "Vangelis  já não está connosco. O mundo da música perdeu o artista internacional Vangelis".
O célebre compositor nasceu em Vólos (norte de Atenas), a 29 de Março de 1943. Autodidata iniciou a carreira - muito marcada pelo uso de sintetizadores - nos anos sessenta. Em 1968, Vangelis Papathanasiou fundou a banda de rock progressivo Aphrodite's Child juntamente com o músico Demis Roussos (vocalista), Loukas Sideras e Anargyros "Silver" Koulouris (guitarrista).
A estreia a solo foi em 1974 com o álbum "Earth". Vangelis chegou a participar nos ensaios da banda britânica de rock progressivo Yes, tornando-se amigo do vocalista daquele grupo, Jon Anderson.
Com Jon Anderson, o grego produziu os discos "Short Stories" (1980), "The Friends of Mr. Cairo" (1981), "Private Collection" (1983) e "Page of Life" (1991), bem como as colectâneas "The Best of Jon & Vangelis" (1984) e "Chronicles" (1994).
Celebrado continuamente pelo premiado  tema Chariots of Fire, Vangelis também foi contratado por órgãos desportivos para grandes eventos, incluindo os Jogos Olímpicos de 2000 em Sydney, a Copa do Mundo de 2002 no Japão e na Coreia do Sul e as Olimpíadas de 2004 em Atenas. Escreveu também partituras de ballet e música para produções teatrais como Medea, The Tempest e outras peças.

The Pray of the World , de  Vangelis,  interpretada por  Montserrat & Marti Caballe e Vangelis , com  90.000 espectadores. Esta  actuação faz parte da cerimónia de abertura do  6th IAAF World Championships in Athletics, de  1997, em  Atenas.  O conceito da cerimónia, a direcção , a supervisão artística e musical  foram  de  Vangelis Papathanasiou.

 
 Like A Dream, de Vangelis,  na voz de  Montserrat Caballe.

sexta-feira, 20 de maio de 2022

A moldura dos tempos


Cada dia é um devir inquietante,
um enredo que anuncia a tempestade
e a bonança...?
ah! a bonança é um barco num medonho temporal!
 
Uma egrégora maligna comanda o turbilhão,
é a frequência subliminar que domina o mundo,
a combustão da história,
o trágico espasmo da vida,
o tumulto e a fúria linchando as derradeiras utopias.
 
Na moldura dos tempos cada alma revela o seu retrato,
entre a incredulidade dos “sábios” e a fé de uma criança,
transita a expectativa dos homens...
São dias sem bandeiras,
quando a verdade se envergonha da “justiça”,
as togas e os mandatos acumpliciados na ambição,
os crimes lavados na corte dos “eleitos”
e os vilões absolvidos nesse palco de trapaças.
Até quando assistiremos a esse fatídico cenário?
Quem apagará as luzes dessa medonha ribalta?
Até quando, Senhor, suportaremos tanta ignomínia?
 
Nessa república de escândalos,
a corrupção gargalha da história.
Nos palanques da ilusão,
máfias partidárias e alianças promíscuas
maquiam seus patéticos contendores.
 
São dois bandos que disputam
contra a voz meiga e solitária da esperança.
É um ritual insuportável,
onde o poder trama as suas dinastias,
as ideologias são negociadas
e nas tribunas se mascara a hipocrisia.
Eis o reduto oficial dos futuros saqueadores,
festejando sua agenda eleitoral em sórdidos banquetes,
ante a súplica inconsolável no olhar dos miseráveis.
 
Não quero o esquecimento,
não aceito o silêncio,
sou a acusação e a profecia
vivo num tempo de iniquidades e presságios,
numa pátria humilhada pela impunidade,
comandada por homens sujos e soturnos
e eis porque hoje meu canto surge assim crispado,
testemunhando o impasse e esperando novos dias.
Sei que não se engana a posteridade,
que nessa nau dos insensatos toda perfídia será nominada,
todas as máscaras cairão.
 
Sei também que um lento alvorecer anunciará o amanhã,
e que a fé e a decência viverão muito além desse holocausto.
Mas até quando, Senhor, combateremos esse combate?
Há uma música sinistra e constante,
martelando, sem limites, em toda parte,
e eu e tantos outros não toleramos essa assuada.
Canto para os homens honrados e para os cultores da beleza
e vos peço perdão por tanto desencanto,
por vos dar meu verso sombrio e indignado,
e esse febril retrato da esperança.
                         Curitiba, 04 de julho de 2014
Manoel de Andrade, in As palavras no espelho, Escrituras Editora, São Paulo, 2018, pp.249, 250.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Francisco vai a Kiev?


Francisco vai a Kiev?
por Anselmo Borges
"1- Depois de uma invasão injustificável e uma uma guerra cruel, com milhões de deslocados e refugiados, crianças traumatizadas para sempre, prédios arrasados, o que fica para trás, após a retirada russa de perto de Kiev, nomeadamente em Butcha, é de uma atrocidade de pesadelo: corpos de civis com as mãos atadas e assassinados, valas com cadáveres ao abandono, mulheres violadas, num cenário de tragédia indescritível. Não há palavras. E alguém beneficia com estas atrocidades? Aqui, veio-me à mente um livrinho famoso. O seu autor: Carlo M. Cipolla (1922-2000), historiador da economia O seu título: As leis fundamentais da estupidez humana, de que fica aí uma resumo.
2 - Para estabelecer as leis fundamentais da estupidez, é preciso, primeiro, definir quem é o estúpido. Quando temos um indivíduo que faz algo que nos causa uma perda, mas lhe traz um ganho a ele, estamos a lidar com um bandido. Quando alguém age de tal maneira que todos os interessados são beneficiados, temos uma pessoa inteligente. Ora, o nosso quotidiano está cheio de incidentes que nos fazem "perder dinheiro, e/ou tempo, e/ou energia, e/ou o nosso apetite, a nossa alegria e a nossa saúde", por causa de uma criatura ridícula que "nada tem a ganhar e que realmente nada ganha em causar-nos embaraços, dificuldades e mal". Ninguém percebe por que razão alguém procede assim. "Na verdade, não há explicação ou, melhor, há só uma explicação: o indivíduo em questão é estúpido."
Cá está a primeira lei: "Cada um subestima sempre inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos que existem no mundo." Já a Bíblia constata: o seu número é infinito.
Os estúpidos estão em todos os grupos, pois "a probabilidade de tal indivíduo ser estúpido é independente de todas as outras características desse indivíduo": segunda lei.
A terceira lei corresponde à própria definição do estúpido: "É estúpido aquele que desencadeia uma perda para outro indivíduo ou para um grupo de outros indivíduos, embora não tire ele mesmo nenhum benefício e eventualmente até inflija perdas a si próprio." A maioria dos estúpidos persevera na sua vontade de causar males e perdas aos outros, sem tirar daí nenhum proveito. Mas há aqueles que não só não tiram ganho como, desse modo, se prejudicam a si próprios: são atingidos pela "super-estupidez".
É desastroso associar-se aos estúpidos. A quarta lei diz: "Os não estúpidos subestimam sempre o poder destruidor dos estúpidos. Em concreto, os não estúpidos esquecem incessantemente que em todos os tempos, em todos os lugares e em todas as circunstâncias tratar com e/ou associar-se com gente estúpida se revela inevitavelmente um erro custoso." A situação é perigosa e temível, porque quem é racional e razoável tem dificuldade em imaginar e compreender comportamentos irracionais como os do estúpido. Schiller escreveu: "Contra a estupidez mesmo os deuses lutam em vão."
Como consequência, temos a quinta lei: "O indivíduo estúpido é o tipo de indivíduo mais perigoso." O corolário desta lei é: "O indivíduo estúpido é mais perigoso do que o bandido." De facto, se a sociedade fosse constituída por bandidos, apenas estagnaria: a economia limitar-se-ia a enormes transferências de riquezas e de bem-estar a favor dos que assim agem, mas de tal modo que, se todos os membros da sociedade agissem dessa maneira, a sociedade no seu conjunto e os indivíduos encontrar-se-iam numa "situação perfeitamente estável, excluindo toda a mudança". Porém, quando entram em jogo os estúpidos, tudo muda: uma vez que causam perdas aos outros, sem ganhos pessoais, "a sociedade no seu conjunto empobrece".
A capacidade devastadora do estúpido está ligada, evidentemente, à posição de poder que ocupa. "Entre os burocratas, os generais, os políticos e os chefes de Estado, é fácil encontrar exemplos impressionantes de indivíduos fundamentalmente estúpidos, cuja capacidade de prejudicar é ou tornou-se muito mais temível devido à posição de poder que ocupam ou ocupavam. E também não se deve esquecer os altos dignitários da Igreja." É assim o mundo.
3 - Ao ler Igreja, lembrei-me do Papa Francisco, esse cristão que é uma bênção para a Igreja e para o mundo. Ele, atravessado pela angústia dos migrantes e da guerra "sacrílega", como a caracteriza, da Ucrânia, visitou no fim de semana passado a ilha de Malta, manifestando, mais uma vez, a sua predilecção pelas periferias - "é preciso ir à periferia para ver o mundo como é", diz.
Já na ida de Roma para Malta, tinha manifestado a sua disponibilidade para ir a Kiev: "Uma visita a Kiev está em cima da mesa". Já de regresso, na habitual conferência de imprensa, agradeceu as notícias sobre os horrores de Butcha, que desconhecia, e declarou: "A guerra é cruel, desumana. Estou disposto a fazer tudo o que possa ser feito. A Santa Sé está a fazer a sua parte diplomática: o Cardeal Parolin, Monsenhor Gallagher estão a fazer tudo. Por razões de prudência, não se pode publicar tudo, mas estamos a levar o nosso trabalho até ao limite. Entre as várias possibilidades, está a viagem. Digo com sinceridade: há sempre disponibilidade para partir. Está em cima da mesa. É uma das propostas, mas não sei se é possível e se será conveniente. Tudo está no ar. Há algum tempo que também pensei num encontro com o Patriarca Ortodoxo de Moscovo. Estamos a trabalhar no sentido de concretizá-lo."
Desgraçadamente, digo eu, o Patriarca Cirilo está ao lado de Putin."
Anselmo Borges, Padre e professor de Filosofia, em artigo publicado no DN de 9 de Abril de 2022. Escreve de acordo com a antiga ortografia

quarta-feira, 18 de maio de 2022

O Ideal Português como Ideal para o Mundo

Lisboa, Torre de Belém

O Ideal Português como Ideal para o Mundo
por Agostinho da Silva
"Três pontos, segundo Camões, sobre os quais temos que meditar, e ver como é. Ponto número 1: é preciso que os corpos se apaziguem para que a cabeça possa estar livre para entender o mundo à volta. Enquanto nós estamos perturbados com existir um corpo que temos que alimentar, temos que fartar, que temos de tratar o melhor possível, cometendo para isso muitas coisas extremamente difíceis, nessa altura, quando a nossa cabeça estiver inteiramente livre e límpida, nós podemos ouvir aquilo que Camões chama «a voz da deusa». E que faz a voz da deusa? Arranca àqueles marinheiros as limitações do tempo e as limitações do espaço. Arranca-os às limitações do tempo o que faz que eles saibam qual vai ser o futuro de Portugal. E arranca-os às limitações do espaço porque eles vêem todo o mundo ao longe, o universo que está ao longe, a deusa lho mostra, embora com o sistema errado, digamos assim, ou imperfeito, de Ptolomeu, e eles estão portanto inteiramente fora do espaço. Aquilo que foi o ideal dos gregos, e que os gregos nunca conseguiram realizar. Então o que é que aconteceu? Aconteceu que um dia houve outro português que tinha ido para o Brasil, ponto a que foram muitos portugueses porque lhes era insuportável aquilo que Portugal se tornara para poderem levar a Europa ao mundo, o menino António Vieira foi ao Brasil, cresceu no Brasil, abrasileirou-se, se assim quiser usar a expressão, e é possível que ele um dia tivesse lido o poema de Camões e tivesse lido a ilha dos amores, e dissesse: as três ideias do Camões são hoje fundamentais; o apaziguar do corpo, aquilo que é sano como corpo, termos a nossa cabeça bem aberta, bem livre do pesadelo que tantas vezes nos dá a nossa vida quotidiana, para que possamos ouvir a voz da deusa, dizia o Camões, mas o António Vieira, que se fizera jesuíta, diz que se trata de ouvir a voz de Deus. E então ele diz, para apaziguar o corpo eu tenho outros métodos, que eram naturalmente os métodos que se usavam na companhia, a meditação dos textos sagrados, os jejuns, a chibatada se era preciso chibatar-se a si próprio, etc, para que realmente da mesma maneira, a cabeça se torne limpa, e nós possamos ouvir, diz agora o Vieira, a voz de Deus, o qual me vai mostrar as coisas fundamentais do mundo, me vai fazer ultrapassar o tempo e o espaço, me vai provavelmente fazer ultrapassar esse problema de se há liberdade, se há destino, para ele chegar áquele ponto onde liberdade e destino estão inteiramente conjuntos e avançou sobre o Camões. Porque o grande defeito de Camões foi contar o que se passava na ilha dos amores mas não tira conclusão nenhuma. Nenhuma. Termina logo o poema. Ele não diz o que fizeram esses marinheiros depois de ter aquela experiência extraordinária de ter vivido na ilha dos amores. Chegaram a Lisboa e que é que fizeram? Não se sabe de nada, Camões estava cansado, já não podia cantar mais coisa nenhuma, não mais musa não mais, e ficamos por aí. Com o Vieira não aconteceu assim. Quando ele pensou à sua maneira uma ilha dos amores, ele disse agora aquilo que eu pensei e pus nos mesmos três pontos essenciais que pôs o Camões, agora isso deve servir para o mundo inteiro. Homem porque é homem, terá sempre como ideal apaziguar o corpo, ter a cabeça livre de pesadelos, para poder ouvir o quê? E já não se podia dizer a voz da deusa nem a voz de deus. A voz do universo. Entender o que o universo é na sua essência. Podemos nós pensar outra vez na ilha dos amores? Claro que sim. Podemos nós pensar, por exemplo, pedirmos a uma pessoa da rua, o que é que ela precisa para apaziguar o seu corpo, ela vai logo mexer num ponto da economia qualquer. É preciso, para que essa ilha dos amores possa existir, que o homem possa entender que o capitalismo existe, não para ficar continuamente, tendo mais lucro, contando mais juros, e pagando mais divídas pedindo mais dinheiro emprestado, mas terminar num ponto em que a economia desapareça completamente, em que haja tudo para todos. Primeiro ponto. Segundo ponto: que aí o homem possa passar à sua verdadeira vida, que é a de contemplar o mundo, ser poeta do mundo, e o mundo poeta para ele, de tal maneira que nunca mais ninguém se preocupe com fazer tal ou tal obra, mas por ser tal ou tal objecto no mundo, a identidade dele, a única. O ser único que existe no mundo entre os tais biliões de seres que pelo mundo existem. Então isso aí é alguma coisa que muita gente hoje pode ter como ideal. Muita gente tem como ideal e toda a gente, podemos dizer, tem como ideal. Com um feitio, com outro feitio, de uma maneira, ou de outra maneira, e que talvez realmente um dia tome conta de todo o mundo."
Agostinho da Silva, in 'Entrevista'

terça-feira, 17 de maio de 2022

Há três espécies de Portugal

Lisboa, Padrão dos Descobrimentos

Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal

"Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expansão numérica, trabalhando obscura e modestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também.
Outro é o português que o não é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo do Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e quase toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido.
Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas de El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-se embora em Alcácer Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aquele D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no símbolo do regresso de El-Rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial projectam a sua fé de que a família se não extinguisse.
Estes três tipos do português têm uma mentalidade comum, pois são todos portugueses mas o uso que fazem dessa mentalidade diferencia-os entre si. O português, no seu fundo psíquico, define-se, com razoável aproximação, por três característicos: (1) o predomínio da imaginação sobre a inteligência; (2) o predomínio da emoção sobre a paixão; (3) a adaptabilidade instintiva. Pelo primeiro característico distingue-se, por contraste, do ego antigo, com quem se parece muito na rapidez da adaptação e na consequente inconstância e mobilidade. Pelo segundo característico distingue-se, por contraste, do espanhol médio, com quem se parece na intensidade e tipo do sentimento. Pelo terceiro distingue-se do alemão médio; parece-se com ele na adaptabilidade, mas a do alemão é racional e firme, a do português instintiva e instável.
A cada um destes tipos de português corresponde um tipo de literatura.
O português do primeiro tipo é exactamente isto, pois é ele o português normal e típico. O português do tipo oficial é a mesma coisa com água; a imaginação continuará a predominar sobre a inteligência, mas não existe; a emoção continua a predominar sobre a paixão, mas não tem força para predominar sobre coisa nenhuma; a adaptabilidade mantém-se, mas é puramente superficial — de assimilador, o português, neste caso, torna-se simplesmente mimético.
O português do tipo imperial absorve a inteligência com a imaginação — a imaginação é tão forte que, por assim dizer, integra a inteligência em si, formando uma espécie de nova qualidade mental. Daí os Descobrimentos, que são um emprego intelectual, até prático, da imaginação. Daí a falta de grande literatura nesse tempo (pois Camões, conquanto grande, não está, nas letras, à altura em que estão nos feitos o Infante D. Henrique e o imperador Afonso de Albuquerque, criadores respectivamente do mundo moderno e do imperialismo moderno) (?). E esta nova espécie de mentalidade influi nas outras duas qualidades mentais do português: por influência dela a adaptabilidade torna-se activa, em vez de passiva, e o que era habilidade para fazer tudo torna-se habilidade para ser tudo."
Fernando Pessoa, in Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional.(Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979. - 6

domingo, 15 de maio de 2022

Ao Domingo Há Música

"Sim . Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar , rolar umas sobre as outras as palavras.  As palavras  são seixos que rolo na boca antes de as soltar."
Ruy Belo, Homem de Palavra(s)

As  vozes são portuguesas . Conhecem as palavras e  trazem  o canto na alma .  A peculiar  sonoridade tem o matiz  próprio do fado.

Marco Rodrigues , em  Orgulho Ou Cobardia . 
A Letra é  de Tiago Nogueira. A   Música de Tiago Nogueira e Ricardo Liz Almeida .  Acompanham-no à Guitarra Portuguesa,  José Manuel Neto ; à Guitarra Acústica,  Phelipe Ferreira ; no Baixo: Tiago Mourão; na  Bateria e Percussão,  Sertório Calado; no   Acordeão, Piano e Programações: Tiago  Machado.
 
Sara Correia, em  Antes Que Digas Adeus (Ao Vivo no Festival Internacional Cervantino / 2020)
Letra: Diogo Clemente Música: Armando Machado. Direcção Musical e Guitarra: Diogo Clemente. Viola Baixo: Marino Freitas. Guitarra Portuguesa: Ângelo Freire. Percussão: Vicky Marques.Piano: Rúben Alves
 
Ana Moura, em  Tens Os Olhos De Deus.
Letra e Música de Pedro Abrunhosa

sábado, 14 de maio de 2022

O cancro de Putine

 
Embora o cancro atire ao acaso,
a verdade é que ele às vezes acerta
em quem estava a pedi-las, por acaso,
e é assim que o mundo se conserta.
 
Desta vez, o alvo foi o Putine,
de uma bruxa, filho mal lambido:
a este, o cancro deu sua patine
pra que o bruxedo não fosse expandido.
 
Esperneia o filho de Belzebú,
por não ver sua tarefa cumprida:
escoicinha, em grande sururu,
 
porque se congela a ronha homicida.
Tudo tem fim e o Inferno também:
se o cancro faz justiça, sabe bem!
                            14.05.2022
Eugénio Lisboa

Gente dos Velhos Tempos

 
GENTE DOS VELHOS TEMPOS
por Fiódor Dostoiévski
"Este episódio sobre Belínski lembrou‑me a minha estreia na carreira literária, muitíssimos anos antes; eram tempos tristes e fatais para mim. Recordei precisamente o Belínski como ele era quando o conheci e como me recebeu. Hoje recordo muito as pessoas dos velhos tempos, isto porque me encontro com gente nova, é claro. Era o ser mais extasiado de todos os que vi na vida. Herzen era de um género muito diferente: fruto da nossa fidalguia, gentilhomme russe et citoyen du monde6, antes de mais — um tipo que apareceu somente na Rússia e é impossível em qualquer outra parte do mundo. Herzen não emigrou nem deu início à emigração russa; nada disso: ele era emigrado de nascença. Todas as pessoas semelhantes a ele já nasciam como emigradas, embora a maioria delas não fosse sair da Rússia. Nos últimos cento e cinquenta anos da existência da fidalguia russa, putrificaram‑se — com mínimas excepções — as suas últimas raízes, ficaram abaladas as suas últimas ligações com a terra russa e a verdade russa. Parece que a própria história predestinou Herzen a tornar‑se, na forma mais expressiva, uma manifestação desta ruptura com o povo por parte de uma grande maioria da nossa classe culta. Neste sentido, é um tipo histórico. Ao separarem‑se do povo, perderam também Deus, naturalmente. Entre eles, os mais desassossegados tornaram‑se ateus; os molengões e os acomodatícios tornaram‑se indiferentes. Não alimentavam senão desprezo pelo povo russo, imaginando e crendo, ao mesmo tempo, que o amavam e lhe desejavam o melhor. Amavam‑no pela negativa, imaginando em vez dele um qualquer povo ideal, o povo que deveria ser, pelos conceitos deles, o povo russo. Na imaginação de alguns representantes progressistas da maioria, o povo ideal transformava‑se, por vezes, na ralé parisiense do ano de 1793. Na época, era esse o mais sedutor ideal de um povo. É óbvio que Herzen devia tornar‑se socialista e fazê‑lo exactamente como o faz um fidalgote russo, ou seja, sem qualquer necessidade e objectivo, apenas em resultado da «sequência lógica das ideias» e do vazio espiritual que sentia na pátria. Rejeitou as bases da sociedade e a família, embora, ao que parece, fosse um bom pai e marido. Negava a propriedade privada, mas à espera da sua eliminação conseguiu organizar bem os seus negócios e viveu no estrangeiro, deliciando‑se com a sua abastança. Promovia revoluções e incitava os outros a realizá‑las, mas gostava do conforto e do sossego na família. Era um artista, um pensador, um brilhante escritor, homem de muitas leituras, de um grande sentido de humor, um interlocutor espantoso (falava ainda melhor do que escrevia), de reflexões magníficas. A reflexão, a capacidade de transformar o seu mais profundo sentimento num objecto, colocá‑lo diante de si, reverenciá‑lo e, talvez, ridicularizá‑lo logo a seguir, estavam altamente desenvolvidas nele. Era, sem dúvida, um homem extraordinário; mas em tudo, fosse o que fosse que empreendia — escrever cadernos, editar um jornal juntamente com Proudhon7, ir às barricadas em Paris (o que descreveu com muita comicidade nos seus apontamentos), sofrer, alegrar‑se, ter dúvidas, enviar à Rússia, em 1863, o seu apelo aos revolucionários russos a favor dos polacos8, sem acreditar, ao mesmo tempo, nos polacos, sabendo que estes o enganaram e sabendo que, com esse apelo, estava a levar à perdição centenas de jovens desgraçados, confessando‑o com uma inédita ingenuidade num dos seus artigos posteriores, sem qualquer consciência do aspecto com que se apresentava nesta confissão —, sempre, por todo o lado e durante toda a sua vida, continuava a ser, antes de mais, um gentilhomme russe et citoyen du monde, por outras palavras, não mais do que o fruto do antigo regime de servidão que ele tanto odiava e de que era originário, não só como filho do seu pai, mas antes porque rompera com a terra materna e os seus ideais. Belínski, pelo contrário, não era nenhum gentilhomme (sei lá de que origem era, parece que o seu era médico militar). Belínski não era, sobretudo, um homem muito dado às reflexões, e sim um exaltado sem reservas durante toda a vida. A minha primeira novela Gente Pobre causou‑lhe admiração (mais tarde, passado quase um ano, entrámos em divergência, por vários motivos, aliás insignificantes em todos os sentidos); ora, nos primeiros dias do nosso conhecimento, afeiçoado a mim de todo o coração, lançou‑se, com a mais ingénua sofreguidão, na tarefa de me converter à sua fé. Não estou a sobrestimar os seus calorosos sentimentos por mim, pelo menos nos primeiros meses do nosso conhecimento. Conheci‑o como um socialista fogoso, que, logo de início, começou a pregar‑me o ateísmo. Para mim, o mais significativo nele é precisamente isto: o seu faro espantoso e a sua capacidade extraordinária de se impregnar profundamente de uma ideia. A Internacional, num dos seus apelos de há dois anos, começou logo com uma notável declaração: «Somos, antes de mais, uma sociedade ateísta», ou seja, começou com a essência da questão; Belínski começou com a mesma coisa. Dando o mais alto valor à razão, à ciência e ao realismo, compreendia ao mesmo tempo, e de modo mais profundo do que todos, que a razão, a ciência e o realismo sozinhos podiam criar apenas um formigueiro, e não uma «harmonia» social em que seria possível viver para o homem. Sabia que na base de tudo estavam os princípios morais. Acreditava loucamente e sem qualquer reflexão, apenas com arrebatamento, nas novas bases morais do socialismo (que, no entanto, não indicou até hoje base nenhuma, além de perversões abomináveis da natureza e do senso comum). Contudo, sendo um socialista, devia antes de mais destronar o cristianismo; sabia que a revolução devia, sem falta, começar pelo ateísmo. Precisava de destronar aquela religião que gerou as bases morais da sociedade que rejeitava. Família, propriedade, responsabilidade moral do indivíduo — negava peremptoriamente tudo isso. (A propósito, também era bom marido e pai, tal como Herzen.) Compreendia sem dúvida que, ao rejeitar a responsabilidade moral do indivíduo, rejeitava com isso mesmo a sua liberdade; mas acreditava com todo o seu ser (com muito maior cegueira do que a de Herzen, que, ao que parece, acabou por duvidar) que o socialismo não só não destruía a liberdade do indivíduo, mas, pelo contrário, a restabelecia numa inédita grandeza, embora em fundamentos novos e diamantinos. Restava, contudo, a personalidade luminosa do próprio Cristo, a mais difícil de combater. Na sua condição de socialista, tinha necessidade de destruir a doutrina de Cristo, chamando‑lhe humanismo falso e ignorante, censurado pela ciência moderna e pelos princípios económicos; mesmo assim, restava a imagem preclara de Deus feito Homem, a sua inacessibilidade moral, a sua beleza divina e milagrosa. Mas Belínski, no seu entusiasmo permanente e inapagável, não parou sequer perante este obstáculo intransponível, ao contrário de Renan9, que proclamou no seu livro Vie de Jésus, cheio de descrença, que, fosse como fosse, Jesus era o ideal da beleza humana, um ideal inatingível, impossível de se repetir, mesmo no futuro. — Sabia o senhor — guinchava Belínski uma vez à noite (quando se esquentava, soltava guinchos), dirigindo‑se a mim —, sabia o senhor que não se pode imputar pecados ao homem e onerá‑lo com deveres e com as faces oferecidas às bofetadas quando a sociedade está organizada de modo tão vil que o homem não pode evitar cometer a perversidade, que é impelido a cometê‑la pelo sistema económico; sabia que é absurdo e cruel exigir ao homem o que é incapaz de cumprir, mesmo que o queira, pelas próprias leis da natureza… Naquela noite não estávamos a sós, estava presente um amigo de Belínski que este respeitava muito e a quem dava ouvidos, e ainda um literato jovem e principiante, que, mais tarde, ganharia fama na literatura. — Olho para ele e até me sinto comovido — interrompeu Belínski, de repente, as suas exclamações excitadas, dirigindo‑se ao amigo e apontando para mim. — De cada vez que menciono Cristo, a sua cara fica transtornada, parece que está prestes a chorar… Mas acredite, seu ingénuo — voltou a atirar‑se a mim —, acredite que o seu Cristo, se nascesse nos nossos tempos, seria o mais vulgar e insignificante dos homens, um acanhado perante a ciência moderna e as actuais forças motrizes da humanidade. — Não, não! — replicou o amigo de Belínski. (Lembro‑me que nós estávamos sentados e ele se passeava pela sala, de um lado para o outro.) — Não: se Cristo aparecesse hoje em dia, ia aderir ao movimento e encabeçá‑lo‑ia…”
Fiodor Dostoievski, in Diário do Escriitor,  Relógio D’Água Editores ,Março de 2022, pp.29,30,31

6 - Cavalheiro russo e cidadão do mundo (fr.)
7 - Herzen era colaborador do jornal La Voix du Peuple editado pelo publicista, sociólogo e teórico do anarquismo francês Pierre Joseph Proudhon (1809‑1865).
8 - O motivo disso foi a Insurreição Polaca, de 1863‑1864, pela independência da Polónia que estava sob o poder do Império Russo.
9
 - Joseph Ernest Renan (1823‑1892) — escritor e historiador francês. No seu livro Vie de Jésus apresentou Jesus Cristo como um homem ideal, e não como uma divindade.

SOBRE O LIVRO

«A ideia do Diário do Escritor nasceu durante a estada de Dostoiévski no estrangeiro em 1867-1871. Sempre atento aos acontecimentos da vida corrente, o escritor sabia captar nos factos aparentemente insignificantes os indícios de fenómenos históricos globais, sabia discernir o lugar desses factos no processo histórico de desenvolvimento dos países, dos povos e das religiões. Os textos do seu “Diário”, enquanto análise e interpretação dos acontecimentos da sua época do ponto de vista da eternidade histórica, mantêm o seu carácter actual ainda hoje, passado quase um século e meio desde a sua criação.» [Da Nota Introdutória de Nina Guerra]

SOBRE O AUTOR:
"Fiódor Dostoievski nasceu em Moscovo em Outubro de 1821, o segundo de sete filhos. A mãe morreu em 1837, de tuberculose, e o pai, médico, saído da nobreza provinciana, foi assassinado dois anos depois, quando se instalara já como proprietário rural. Dostoievski estudou num colégio interno em Moscovo e, entre 1838 e 1843, frequentou a Academia Militar de Engenharia, onde se interessou mais por Púchkin, Gógol e Lérmontov do que pelas disciplinas do curso. Nessa época, leu também Shakespeare, Byron e Balzac (traduziu Eugénie Grandet), Victor Hugo, Hoffmann, Goethe e Schiller. Publicou a sua primeira história, «Gente Pobre» (onde a influência de O Capote de Gógol é visível), aos vinte e cinco anos, obtendo um enorme sucesso. Em 1849, quando escrevera já uma dúzia de contos, foi preso e condenado à morte por participar no Círculo Petrashevski. A pena foi substituída à última hora por cinco anos de trabalhos forçados numa prisão siberiana.
Foi agrilhoado e a caminho da Sibéria que Dostoievski recebeu um exemplar do Novo Testamento das mãos de uma das mulheres dos Dezembristas. Não mais largou o livro, mas a sua relação com a religião foi sempre atormentada pela rejeição e a dúvida. Na década que se seguiu ao seu exílio, onde teve os primeiros ataques de epilepsia, escreveu Cadernos da Casa Morta (1860), baseado na sua experiência prisional, e Humilhados e Ofendidos. Em 1857, casou com uma viúva, Maria Isaieva, tendo criado uma relação de amizade com o seu jovem amante semelhante à descrita em Noites Brancas. Entre 1862 e 1863 fez várias viagens pela Europa, onde conheceu Paulina Suslova, que serviu de modelo para algumas das suas heroínas. Foi em Wiesbaden que se iniciou na paixão pelo jogo (O Jogador é a obra em que ficcionou a sua atração pela roleta).Em 1866 publicou Crime e Castigo, em capítulos, na revista O Mensageiro Russo.Em 1867 casou-se com Anna Grigorievna, a jovem estenógrafa a quem ditara  em vinte e seis dias. O casal viria a instalar-se em Genebra, onde teve uma primeira filha. Passado um ano, o casal viajou para Milão e Florença, antes de regressar a Dresden. Dostoievski só voltou à Rússia em 1871.Em 1880 proferiu um discurso memorável na inauguração do monumento a Púchkin em Moscovo. Morreu seis meses depois, em 1881. Algumas das suas obras mais importantes foram publicadas na década final da sua vida: Os Demónios (1872) e Os Irmãos Karamázov (1880).

sexta-feira, 13 de maio de 2022

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Novidades Literárias de Maio


Guerra & Paz Editora
Mês de Maio:
Os Mortos, James Joyce
Uma novela de Dublin. O baile anual das irmãs Morkan, entre Natal e o Ano Novo. Uma noite de evocação e de elegia: emergem e caem graciosamente, como flocos de neve, os vivos e os mortos.

O Esqueleto, Camilo Castelo Branco
Nicolau, homem de 40 anos, casa com a inocente prima de 16. Antes, abandonou a amante francesa, a quem logo volta. Mas talvez Beatriz, a prima, não seja tao inocente como Nicolau pensava. Esse é o adultério. O esqueleto aparece anos depois.

Enfermaria, Ana Paula Jardim
Uma perturbadora viagem poética. Cura e doença, morte e salvação, numa evocação desassombrada de improvável beleza que habita, também, na enfermidade e na dor.

A Decadência da Arte de Mentir, Mark Twain / A Decadência da Mentira, Oscar Wilde
Neste livro, que reúne dois curtos ensaios, Mark Twain e Oscar Wilde fazem o elogio da arte de mentir e da necessidade dessa arte. Um livro irreverente e imaginativo.

Marquês de Pombal, Réu Confesso, Camilo Castelo Branco
Camilo diz-nos quem foi o Marquês de Pombal. «Um homem feroz», garante o autor de O Amor de Perdição. Uma biografia implacável, que faz de Pombal um réu confesso

Um milhão de livros vendidos em todo o mundo. Chega agora, a Portugal, este romance inédito. Jakob, um judeu, mente aos seus compatriotas, no gueto. E se mente é para os salvar…

Guiomar, a heroína deste romance, tem três pretendentes: um homem de espírito, um tolo e um calculista. Qual deles escolherá? Nós, leitores, é que não nos enganamos ao escolher a genialidade de Machado de Assis.

Uma ferramenta para quem escreve, eis o que o leitor vai encontrar neste livro. Desarmadilha a língua, tira dúvidas. Melhore a sua leitura, melhore a sua escrita, melhor a sua fala.

Somo mesmo um povo e um país atrasado? E a que se deve o nosso atraso? O filósofo João Brás procura aqui fazer o elenco das razões mais profundas do nosso atraso estrutural.


Falso Amanhecer, Edith Wharton
Um jovem de Nova Iorque é mandado pelo pai à Europa para comprar boa pintura europeia. Lewis Rayce vai descobrir, no velho mundo, um mundo completamente novo. Mas poderão o pai e Nova Iorque entender a faísca da novidade?

Impressão Indelével, Camilo Castelo Branco
Foi um dos quatro livros que inaugurou, em 2006, a actividade da Guerra e Paz editores. Recuperamos essa história de amor macabro, que nega fisicamente a morte. Muito belo, o prefácio de João Bénard da Costa.

Revolver, Sérgio Almeida

A poesia de Sérgio Almeida tem a coragem da grande simplicidade, por vezes da humildade, mas é depois capaz de ser também satírica, nalguns versos roçando com desassombro o non-sense. Reflexão, lirismo, quotidiano, nada lhe é estranho.

Raul Caldeira – O Pioneiro da Gestão Pessoal, Myriam Gaspar
Em 1955, aos 28 anos já dirigia o departamento de pessoal da CUF. Foi um pioneiro na metodologia, criando provas de selecção de quadros. Queria ser médico de pessoas, acabou médico de empresas.

Planeamento Editorial da Relógio D’Água para o mês de Maio:

1 — Todas as Cartas, de Clarice Lispector (Prefácios de Carlos Mendes de Sousa e Paulo Gurgel Valente)
2 — Obras Escolhidas, de Ana Teresa Pereira
3 — Os Quatro Livros, de Yan Lianke
4 — Escritos Africanos, de Annemarie Schwarzenbach (Selecção e Prefácio de Gonçalo Vilas-Boas)
5 — Obra Completa, de António Gedeão (Reedição)
6 — Flow My Tears, the Policeman Said, de Philip K. Dick
7 Anotação do Mal, de Jaime Rocha
8 — Penelope Está de Partida, de José Gardeazabal
9 — Obra Poética, José Afonso
10 — Congenial Spirits, de Virginia Woolf
11 — Nove Histórias, de J. D. Salinger

Quetzal Editores
Novidades

Bruce Chatwin, Anatomia da Errância, Textos escolhidos 1969-1989
"Na vida de cada um há sempre o sonho de partir sem destino"
ISBN: 9789897228124
Edição/reimpressão: 04-2022
Editor: Quetzal Editores
Colecção: Terra Incógnita 
Preço: 14,40 E
Páginas: 240

Sinopse
“Bruce Chatwin mudou a forma de escrever sobre «os lugares onde não estamos» — mostrando o caminho, incitando-nos a partir e a descobrir o mapa da nossa vida. Antropólogo e arqueólogo, historiador da arte, ficcionista, crítico literário, jornalista, repórter à solta e escritor de viagens, Chatwin sabe que o nomadismo é uma condição do nosso destino. A história de todas as civilizações oscila entre o desejo de ambas as coisas: mudar de lugar ou manter-se em casa (um sítio «onde pendurar o chapéu»), mas o que o surpreende é perceber que a busca de conforto — o sentido da vida — tanto pode encontrar-se numa coisa como noutra. Estes textos (ensaios, artigos, pequenos contos, relatos de viagem), reunidos e publicados depois da sua morte, são tentativas de compreender por que razão o nomadismo e a errância são tão essenciais para a nossa felicidade e para entendermos o mundo. Quem nunca sentiu a tentação de, como Chatwin, deixar um recado a dizer «fui para a Patagónia» — e partir?”

Frederico Lourenço, PODE UM DESEJO IMENSO
Edição/reimpressão: 04-2022
Editor: Quetzal Editores
Páginas: 512
Tipo de Produto: Livro
Preço: 18,80 E

Sinopse
Pode Um Desejo Imenso conta a história de Nuno Galvão, professor universitário de Literatura, que pensa ter descoberto a chave para a compreensão da poesia lírica de Camões: a paixão do poeta pelo jovem D. António de Noronha, de quem Camões teria sido precetor. Nuno está ele próprio apaixonado por um estudante, em quem projeta a história de amor por si imaginada entre o poeta quinhentista e o seu aluno. Na parte central do livro, a narrativa volta atrás, aos tempos em que o próprio Nuno era estudante, já nessa altura ocupado com a poesia lírica de Camões e com a paixão não correspondida por um colega de curso. No final do romance, juntam-se os vários fios da história; e Nuno acaba por aprender como rumar «em direção à outra margem», onde se abre a hipótese possível de um amor feliz.
Vinte anos depois da primeira edição, esta é a versão definitiva de Pode Um Desejo Imenso, como é desejo do autor.”
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