... e o vento,
o vento dos altos a que me dei,
a ti me trouxe
a ti me entregou.
Se em mim já estavas!
Pela boca, pelos olhos e pelas mãos,
arreigado e voraz,
meu invasor enternecido.
Cinco vidas, nada menos,
cinco vidas querias ter.
Cinco vidas...
Mas uma, apenas, ardente, violenta e dissipada,
uma só não te bastaria?
Uma,
quintuplicada, centuplicada na hora inefável,
no momento embriagado...
Uma, para me dares, para eu de ti receber,
vergada, sucumbida?
É primavera! saíu-me da boca.
E tu sorriste.
Sorriste, creio.
Primavera e todas as estações…
Chuva e sol, tempo sem idade.
Aqueles suaves, langues verdes, tão cariciosos;
os redondos troncos
e os musgos fofos;
os melros agrestes
e as campainhas roxas daquelas flores da minha infância,
de que me ensinaste o nome tão doce, tão estranho…
E as loucas nuvens corredias
e as pedras hieráticas
e as veredas amáveis,
como se os ofereciam!
Amavam-nos,
Não o viste?
No passo certo em que ambos íamos
tudo, tudo nos prendia
e nós tudo deixávamos.
Mas o vento…
o vento dos altos a que me dei,
mais do que o resto a ti me trouxe,
a ti me entregou.
Como se eu te esperasse
e te pudesse fugir,
sôfrego quiseste-me prender.
Eu presa já estava...
E assim continuámos.
Aquela hora não esquece.
Não pode esquecer,
nem se repete.
Mudarás tu ou mudarei eu.
O mundo acena-te.
E não se é nada...
Mas a hora, a hora, a hora tão cobiçada,
a hora que chegou,
passando, não passa…
morrendo, ficou...
Nos ramos,
nas heras luzentes,
na chuvinha suspensa,
nas voltas do caminho,
na frescura aspirada,
na solidão alegríssima e confidente,
em ti e em mim.
Ficou.
Está.
Mas a ninguém o confesses
nem disso te convenças.
Permanece,
está naquelas flores rosadas,
quase sem cor, dos lindos arbustos…
Tornaremos jamais a vê-los sem nos lembrarmos?
Eles… somos nós passando,
Tu, silencioso;
eu, aconchegada.
Na tua mão quente,
a minha, presa e enraizada,
tão segura e tão confiante,
era uma dádiva.
Naquele breve momento
tu a recebias e guardavas.
Assim, inteira, a mim me guardasses!
Ou, sequer, a lembrança inconfundível
do repente doce e acre
em que me beijaste,
como se eu fosse uma folha,
uma baga de árvore
e tu uma rajada.
Em que me aspiraste
ou em que me sorveste...
Não me ficaria a boca em sangue?
Deixaste-me,
deixaste a tua escrava um pouco atemorizada,
meu senhor.
Se eu pudesse voar,
soltar-me dos teus braços,
iria como um pássaro, receoso e deslumbrado,
de árvore em árvore, de ramo em ramo,
sem nada ver, tonto, tonto,
até que de novo o chamasses.
Mas a longa,
a magnânima tarde
não me concedeu asas...
Por isso a minha mão dentro da tua,
sensível e cativa,
te disse, te repetiu longamente, à saciedade,
o que bem querias saber
e até o que sentias.
Te confessou quanto lhe pediste.