tag:blogger.com,1999:blog-71109907742694219342024-03-18T18:47:03.084+00:00LIVRES PENSANTES"A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento" PlatãoLivres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.comBlogger5291125tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-65971082178505374482024-03-18T18:46:00.000+00:002024-03-18T18:46:03.081+00:00 Morreu o Nuno<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3JECa0oQ_WDL8QbN3AYFiwdwS2NbwRVIrlbKT_mUkPzgnCUP2qvbQ_xtEfVzUgOSww1F_x8DuOJ-FfKJodMW6__uhjj1CtVUNjNAm8Pz22XyQ6nlj3doeEbTmIfhldQ6XrNNQPo3HgyBC8NzVnNBz5_G6LUbNqjyQwTkPYD4LsO_aVjQTZZ4Ti7s00nFe/s244/images.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="244" data-original-width="206" height="365" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3JECa0oQ_WDL8QbN3AYFiwdwS2NbwRVIrlbKT_mUkPzgnCUP2qvbQ_xtEfVzUgOSww1F_x8DuOJ-FfKJodMW6__uhjj1CtVUNjNAm8Pz22XyQ6nlj3doeEbTmIfhldQ6XrNNQPo3HgyBC8NzVnNBz5_G6LUbNqjyQwTkPYD4LsO_aVjQTZZ4Ti7s00nFe/w333-h365/images.jpg" width="333" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Nuno Júdice,(1949-2024)</td></tr></tbody></table><span style="font-family: arial;">Morreu o Nuno Júdice, coitado,<br />prematuramente, o que é injusto.<br />Com aquele seu ar desactivado,<br />de tímido e esquivo mangusto,<br /><o:p> <br /></o:p>não era pessoa de grandes falas,<br />antes se recolhia ao silêncio,<br />deixando, sem muito custo, as galas<br />e brilhos, a quem fosse mais propêncio.<br /><o:p> <br /></o:p>Os versos que deixa terão destino,<br />quase de certeza, muito incerto,<br />como acontece, no desatino,<br /><o:p> <br /></o:p>de um futuro sempre encoberto.<br />Sublinhe-se a passagem de um poeta,<br />que foi, aqui, efémero cometa.<br /><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>18.03.2024<br /><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Eugénio Lisboa</b></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-43078263034978378002024-03-18T09:15:00.002+00:002024-03-18T09:21:28.237+00:00Morreu o poeta Nuno Júdice<div style="line-height: 106%; margin-bottom: 0cm;"><div style="text-align: center;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHlJC54sbEyIMQKwBPb6Vxmmuue0YLWlpGOh8cvqtGaTpkeN87KubjUx4_srsJOyX6cVBR3JlCV147lhipNDlY9jfYfMvt75z2ZU2XQnh86eff4B9LbylUkjqyxugwWBmrEuk0ThUUTb-pphhkCF6sf7rAmqEmKSsAO2ljTti51UQE370Tii71z0j87SKw/s569/NunoJudiceLUSA.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="569" data-original-width="400" height="349" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHlJC54sbEyIMQKwBPb6Vxmmuue0YLWlpGOh8cvqtGaTpkeN87KubjUx4_srsJOyX6cVBR3JlCV147lhipNDlY9jfYfMvt75z2ZU2XQnh86eff4B9LbylUkjqyxugwWBmrEuk0ThUUTb-pphhkCF6sf7rAmqEmKSsAO2ljTti51UQE370Tii71z0j87SKw/w285-h349/NunoJudiceLUSA.jpg" width="285" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Nuno Júdice , (1949-2024)</td></tr></tbody></table></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">“O poeta Nuno Júdice morreu este domingo aos 74 anos, vítima de doença. Estava internado no Hospital da Luz, em Lisboa.</div><div style="text-align: justify;">Nuno Júdice nasceu na Mexilhoeira Grande, Município de Portimão, no distrito de Faro, em 1949. Poeta, ensaísta e ficcionista, formou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa. Era Professor Jubilado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde se doutorou em 1989 com uma tese sobre Literatura Medieval <i>O espaço do conto no texto medieval </i>(Vega, 1991). Publicou antologias da Poesia do Futurismo português e da poesia de Guerra Junqueiro e fez as edições de <i>Novela despropositada de Frei Simão António de Santa Catarina</i> (Regra do Jogo, 1997), dos <i>Sonetos de Antero de Quental </i>(Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1994), do<i> Cancioneiro de D. Dinis </i>(Teorema, 1998) e dos <i>Infortúnios trágicos da Constante Florinda de Gaspar Pires Rebelo </i>(Teorema, 2005). Teve uma colaboração regular em jornais e revistas com crítica literária e crónicas. No campo do ensaio sobre temas de poesia, ficção e teoria literária publicou<i> A era do Orpheu </i>(Teorema, 1986), <i>O espaço do conto no texto medieval</i> (Vega, 1991), <i>O processo poético</i> (Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992), <i>Viagem por um século de literatura portuguesa</i> (Relógio d’Água, 1997), <i>As máscaras do poema</i> (Aríon, 1998),<i> A viagem das palavras </i>(Colibri, 2005), <i>O fenómeno narrativo</i> (Colibri, 2005), <i>A certidão das histórias </i>(Apenas Livros, 2006). Em Jjaneiro de 2009 assumiu as funções de director da revista Colóquio-Letras da Fundação Calouste Gulbenkian.</div><div style="text-align: justify;">Foi conselheiro cultural da Embaixada de Portugal em Paris (1997-2004) e director do Instituto Camões na capital francesa.</div><div style="text-align: justify;">Organizou a Semana Europeia da Poesia, no âmbito da Lisboa’94 – Capital Europeia da Cultura.</div><div style="text-align: justify;">Nuno Júdice foi um dos poetas portugueses mais publicados e traduzidos, tendo a sua obra merecido reconhecimento internacional com vários prémios, dos quais se destaca o Prémio Ibero-Americano Rainha Sofia atribuído em 2013. Em 2018, foi galardoado com o prémio PEN do Clube Galego e em 2021, foi distinguido com o Grande Prémio de Poesia Maria Amália Vaz de Carvalho da Associação Portuguesa de Escritores (APE) pela publicação do livro “Regresso a um cenário campestre”, editado em 2020. Foi finalista do Prémio Europeu de Literatura pela obra “Meditação sobre ruínas” que em 1994 já tinha sido distinguida também pela APE.</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Em 2022, foi publicado o volume “50 anos de poesia (1972-2022), que reúne o seu trabalho poético durante meio século.</span><o:p><span style="font-weight: bold;"><span style="font-family: arial;"> "</span></span></o:p></div></span><o:p><div style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirf3zhAJG0JvZm8_J-v3bw1awVO0pq00g47K-e2AwDzuvC_DVmjwvk_Au8PZl0JUDWsu54-Qxau6e-FlaM81sK3IHBUx0M2IuXu3I7dTUpjzObOEXzNCL0aED8IHye25Au2DdAwcfrHNnmM-PhUTDeiD0OOaQ2OZein713xpHeGNS56tZDzM7LU1mRrK2s/s4624/image%20(1).webp" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="4624" data-original-width="3468" height="378" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirf3zhAJG0JvZm8_J-v3bw1awVO0pq00g47K-e2AwDzuvC_DVmjwvk_Au8PZl0JUDWsu54-Qxau6e-FlaM81sK3IHBUx0M2IuXu3I7dTUpjzObOEXzNCL0aED8IHye25Au2DdAwcfrHNnmM-PhUTDeiD0OOaQ2OZein713xpHeGNS56tZDzM7LU1mRrK2s/w286-h378/image%20(1).webp" width="286" /></a></div></div></o:p></div><div style="line-height: 106%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: arial;"><b>A vida<br /></b><o:p> <br /></o:p>A vida, as suas perdas e os seus
ganhos, a sua<br />
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam<br />
quando não se espera, o atraso na preocupação<br />
dos teus olhos, e as nuvens que caíram<br />
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações<br />
a abrir-se para dentro e para fora<br />
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,<br />
quadrados, rectângulos, nas linhas<br />
rectas e paralelas que se cruzam com as<br />
linhas da mão;<br />
a vida que traz consigo as emoções e os acasos,<br />
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram<br />
e dos encontros que sempre se soube que<br />
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com<br />
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo<br />
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,<br />
sob a luz indecisa que apenas mostra<br />
as paredes nuas, de manchas húmidas<br />
no gesso da memória;<br />
a vida feita dos seus<br />
corpos obscuros e das suas palavras<br />
próximas.<b><br /></b><b>
Nuno Júdice</b>, in<b style="font-style: italic;"> Teoria Geral do Sentimento,</b> Quetzal Editores<br /><div style="text-align: center;"><b><i><o:p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjygcbDwOtNbjXa_Y1IlCz_0VDVcgbtjG8xJGVljBK7njrSbY_0cgHMmuvnv9YrcNvRoL20BJBagOs7bH-gPMJr3SsntvSxhBJtqI5qDHu4bw7eoO35OEMhdhYItNx36iwiit2gAWqeMqM41W6FLH3WiU9mdsDHKzlJkOlSg22wDpbVd2vOVr7cQ52jYKBZ/s640/640.webp" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="640" data-original-width="640" height="395" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjygcbDwOtNbjXa_Y1IlCz_0VDVcgbtjG8xJGVljBK7njrSbY_0cgHMmuvnv9YrcNvRoL20BJBagOs7bH-gPMJr3SsntvSxhBJtqI5qDHu4bw7eoO35OEMhdhYItNx36iwiit2gAWqeMqM41W6FLH3WiU9mdsDHKzlJkOlSg22wDpbVd2vOVr7cQ52jYKBZ/w364-h395/640.webp" width="364" /></a></div> </o:p></i></b></div><b>Fragmentos<br /></b>1<br />
Aceita o transitório; nada do que<br />
é definitivo, dura, te pode atingir<br />
2<br />
Algo de visível perpassa<br />
nos limites do ser.<br />
3<br />
De noite, o vento partiu<br />
um dos vidros das traseiras.<br />
4<br />
Só o ruído da noite sobrevive<br />
à luz e ao furor matinais.<br />
5<br />
(Se aquelas nuvens, no horizonte,<br />
chegassem até mim…)<br />
6<br />
O fragmento, porém, exprime<br />
o estilhaçar da intensidade.<br />
7<br />
No último fragmento, fixa<br />
o efémero e repousa.<br /><b>Nuno Júdice</b>, in <i style="font-weight: bold;">Meditação sobre Ruínas, </i>Quetzal Editores 1999<br /><div style="text-align: center;"> <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpTCTdLeYR-duAFhfVKdxaEtZPwfiSWkOduTOaT8znkBXPwTmoDxfD3QI-k5Y2mAN8wJO-xL-WShr_6GJdZi_Ty8TOhyphenhyphengm0y-gr9rsrJ__cbU2GQuLORIFPNln7Abi3628y3T4QR5zpjm85mKvD8ZlB54sXOeh11WUr8Z0Jcsn0hWQjYiZSS3oX755NIS-/s340/poesia-reunida-1967-2000.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="340" data-original-width="340" height="375" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpTCTdLeYR-duAFhfVKdxaEtZPwfiSWkOduTOaT8znkBXPwTmoDxfD3QI-k5Y2mAN8wJO-xL-WShr_6GJdZi_Ty8TOhyphenhyphengm0y-gr9rsrJ__cbU2GQuLORIFPNln7Abi3628y3T4QR5zpjm85mKvD8ZlB54sXOeh11WUr8Z0Jcsn0hWQjYiZSS3oX755NIS-/w342-h375/poesia-reunida-1967-2000.jpg" width="342" /></a></div><br /></div><b>Carta ( Esboço)<br /></b><o:p> <br /></o:p>Lembro-me agora que tenho de marcar um<br />encontro contigo, num sítio em que
ambos<br />nos possamos falar, de facto, sem que
nenhuma<br />das ocorrências da vida venha<br />interferir no que temos para nos
dizer. Muitas<br />vezes me lembrei de que esse sítio
podia<br />ser, até, um lugar sem nada de
especial,<br />como um canto de café, em frente de um
espelho<br />que poderia servir de pretexto<br />para reflectir a alma, a impressão da
tarde,<br />o último estertor do dia antes de nos
despedirmos,<br />quando é preciso encontrar uma fórmula
que<br />disfarce o que, afinal, não
conseguimos dizer. É<br />que o amor nem sempre é uma palavra de
uso,<br />aquela que permite a passagem à
comunicação ;<br />mais exacta de dois seres, a não ser
que nos fale,<br />de súbito, o sentido da despedida, e
que cada um de nós<br />leve, consigo, o outro, deixando atrás
de si o próprio<br />ser, como se uma troca de almas fosse
possível<br />neste mundo. Então, é natural que
voltes atrás e<br />me peças: «Vem comigo!», e devo
dizer-te que muitas<br />vezes pensei em fazer isso mesmo, mas
era tarde,<br />isto é, a porta tinha-se fechado até
outro<br />dia, que é aquele que acaba por nunca
chegar, e então<br />as palavras caem no vazio, como se
nunca tivessem<br />sido pensadas. No entanto, ao
escrever-te para marcar<br />um encontro contigo, sei que é
irremediável o que temos<br />para dizer um ao outro: a confissão
mais exacta, que<br />é também a mais absurda, de um
sentimento; e, por<br />trás disso, a certeza de que o mundo
há-de ser outro no dia<br />seguinte, como se o amor, de facto,
pudesse mudar as cores<br />do céu, do mar, da terra, e do próprio
dia em que nos vamos<br />encontrar, que há-de ser um dia azul,
de verão, em que<br />o vento poderá soprar do norte, como
se fosse daí<br />que viessem, nesta altura, as coisas
mais precisas,<br />que são as nossas: o verde das folhas
e o amarelo<br />das pétalas, o vermelho do sol e o
branco dos muros.<br /><b>Nuno Júdice</b>, in <b style="font-style: italic;">Poesia Reunida, </b>Dom Quixote 2000<br /><div style="text-align: center;"> <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7jhqrieUl2otLY4DiN3_M90692tTsXilHNNbNCcivfFOaxy7nfw19yUmVgsBUcmZXp-qRYPE2tQygev1M9IPYgWFUiCs9ATl0ymNrm2BJlOnb33_ZOD8E8rd81QUtdDCMuc0eWfMKlOVlmmmKul2-C_6y_VOX2OFD1RZn8xrtBOPAia2ITluSwFTHL2iK/s704/9789722032018_1594742595.webp" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="704" data-original-width="534" height="371" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7jhqrieUl2otLY4DiN3_M90692tTsXilHNNbNCcivfFOaxy7nfw19yUmVgsBUcmZXp-qRYPE2tQygev1M9IPYgWFUiCs9ATl0ymNrm2BJlOnb33_ZOD8E8rd81QUtdDCMuc0eWfMKlOVlmmmKul2-C_6y_VOX2OFD1RZn8xrtBOPAia2ITluSwFTHL2iK/w295-h371/9789722032018_1594742595.webp" width="295" /></a></div></div><b>A Terra do Nunca<br /></b><b><o:p> <br /></o:p></b>Se eu fosse para a terra do nunca,<br />
teria tudo o que quisesse numa cama de nada:<br />os sonhos que ninguém teve quando<br />
o sol se punha de manhã;<br />a rapariga que cantava num canteiro<br />
de flores vivas;<br />a água que sabia a vinho na boca<br />
de todos os bêbedos.<br />Iria de bicicleta sem ter de pedalar,<br />
numa estrada de nuvens.<br />E quando chegasse ao céu pisaria<br />
as estrelas caídas num chão de nebulosas.<br />A terra do nunca é onde nunca<br />
chegaria se eu fosse para a terra do nunca.<br />E é por isso que a apanho do chão,<br />
e a meto em sacos de terra do nunca.<br />Um dia, quando alguém me pedir a terra
do nunca,<br />
despejarei todos os sacos à sua porta.<br />E a rapariga que cantava sairá da
terra<br />
com um canteiro de flores vivas.<br />E os bêbedos encherão os copos<br />
com a água que sabia a vinho.<br />Na terra do nunca, com o sol a pôr-se<br />
quando nasce o dia.<br /><b>Nuno Júdice</b><i>, </i>in <b><i>Poemas</i> [de <i>As Coisas Mais Simples</i></b>],Dom Quixote , Outubro de 2006.<br /><div style="text-align: center;"><b><o:p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikz17aZ2aDDtcQeZHiqY6rw9iBT72ajdIHSUhSI1gfZvSb_4N6wGB6c_4ygY6Ei18wFQo1qnxpo5l_BNqer2oQ8jtLeSTCsemsSN1_L97qUIxaJ8wuCqWXEYFc5qp7KyN3mvH2sYxnuX2KqXdAyQ8oJSKIBBbePOe3fpgWH0aHxZf2JvKwbbdQhWW4Pt-2/s704/9789722036054_1605793313.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="704" data-original-width="536" height="380" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikz17aZ2aDDtcQeZHiqY6rw9iBT72ajdIHSUhSI1gfZvSb_4N6wGB6c_4ygY6Ei18wFQo1qnxpo5l_BNqer2oQ8jtLeSTCsemsSN1_L97qUIxaJ8wuCqWXEYFc5qp7KyN3mvH2sYxnuX2KqXdAyQ8oJSKIBBbePOe3fpgWH0aHxZf2JvKwbbdQhWW4Pt-2/w282-h380/9789722036054_1605793313.jpg" width="282" /></a></div></o:p></b></div><b>Silêncio<br /></b><b><o:p> <br /></o:p></b>Pego num pedaço de silêncio. Parto-o
ao meio,<br />
e vejo saírem de dentro dele as palavras que<br />
ficaram por dizer. Umas, meto-as num frasco<br />
com o álcool da memória, para que se<br />
transformem num licor de remorso; outras,<br />
guardo-as na cabeça para as dizer, um dia,<br />
a quem me perguntar o que significam.<br />
Mas o silêncio de onde as palavras sairam<br />
volta a espalhar-se sobre elas. Bebo o licor<br />
do remorso; e tiro da cabeça as outras palavras<br />
que lá ficaram, até o ruído desaparecer, e só<br />
o silêncio ficar, inteiro, sem nada por dentro.<br /><b>Nuno Júdice</b>, in <b><i>A matéria do poema</i></b>.
Dom Quixote. 2008<br /></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-41592055583743440932024-03-17T15:55:00.000+00:002024-03-17T15:55:36.503+00:00Aquela África não acabava<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><span style="font-family: arial;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizYp05Z6PXcy9RKBJOyLGUmIFi7mekBYTcDKKEK8FqI_waD333J54EUxgEBVXnQBYcDLZ2QpplgtVrVcgeeo9jSYnAx2HOq5X9PrhBf1hhDb86gu813XRHyVg5W4soW7XcxDIkw70rb4eh1qIVaHC-0juiHonRROFfYkPai0giuHWrltCEkDRNlyfpiQ2F/s1080/317464037_511671564322434_6135162244020894348_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="504" data-original-width="1080" height="252" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizYp05Z6PXcy9RKBJOyLGUmIFi7mekBYTcDKKEK8FqI_waD333J54EUxgEBVXnQBYcDLZ2QpplgtVrVcgeeo9jSYnAx2HOq5X9PrhBf1hhDb86gu813XRHyVg5W4soW7XcxDIkw70rb4eh1qIVaHC-0juiHonRROFfYkPai0giuHWrltCEkDRNlyfpiQ2F/w509-h252/317464037_511671564322434_6135162244020894348_n.jpg" width="509" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;">Ilha de Inhaca. Moçambique, Cidade de Maputo.</span></td></tr></tbody></table></span></div><span style="font-family: arial;">A África, onde nasci, sobrava.<br />Era África por todos os lados,<br />olhava-se e nunca mais acabava,<br />nasciam pra sempre laços sagrados.<br /><o:p> <br /></o:p>Nascer ali era ver o começo<br />de tudo: a areia da praia, o mar,<br />a chuva grossa, o sol quente, sem preço,<br />os mistérios do sexo a acenar.<br /><o:p> <br /></o:p>A grandeza prometia grandeza,<br />os sonhos em nós não eram mesquinhos!<br />Visávamos grande, com a certeza<br /><o:p> <br /></o:p>de irmos abrir bem novos caminhos!<br />Estar bem dentro daquele continente<br />não era dado a pequenina gente!<br /> <span style="mso-spacerun: yes;">
</span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>17.03.2024<br /><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Eugénio Lisboa</b></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-55501398785641639262024-03-17T09:27:00.003+00:002024-03-17T09:29:12.881+00:00Ao Domingo Há Música<div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9YAwpu3FOuG-jHWrs_B4MdECEstSxPkxNx1CD_yYDagoubl-SThmYFtqcJa1nLI7FgUD9Ohk4HrAjFuvQs6fliBy55BVSbaD0z419PUapm7bgAadlThbWqlnLL_VJS1izHoGJZaL7ytMKvWqtr26gHv1T_O0I1cl_BR21mQQbjRnc7-49cFFn9crrpSJj/s275/transferir.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="183" data-original-width="275" height="245" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9YAwpu3FOuG-jHWrs_B4MdECEstSxPkxNx1CD_yYDagoubl-SThmYFtqcJa1nLI7FgUD9Ohk4HrAjFuvQs6fliBy55BVSbaD0z419PUapm7bgAadlThbWqlnLL_VJS1izHoGJZaL7ytMKvWqtr26gHv1T_O0I1cl_BR21mQQbjRnc7-49cFFn9crrpSJj/w420-h245/transferir.jpg" width="420" /></a></div><i><br /></i></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><i>Uma das mais recuadas imagens dos meus dias é uma mulher a cantar. Com a sua voz antiquíssima e branca, aquela mulher , à distância de mais cinquenta anos, continua a embalar-me o coração. As palavras eram de um romance popular, sumarentas , cheias de sol, falavam de amor e de morte , de paz e de guerra, de coisas que não sabia exactamente o que fossem , mas que permanecem em mim como pequenos nós de sombra ou breves manchas luminosas. O tecido da vida deveria ter a transparência daquelas palavras , já que o pulsar do universo não podia deixar de ser idêntico àquele ritmo amplo e seguro, em perpétua expansão.<br /></i></span><span style="font-family: arial;"><b> Eugénio de Andrade</b><i>, Nascimento da Música</i></span></div><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Há vozes que podem embalar o coração Talvez a voz , que se apresenta, tenha o ritmo e a magia necessárias.</span></p><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><b>Cynthia Erivo</b> interpreta <b>Somewhere</b>, de West Side Story , acompanhada pela National Symphony Orchestra. Esta belíssima canção foi composta pelo grande maestro e compositor <b>Leonard Bernstein</b>, com letra de Stephen Sondheim.</div></span><div><div style="text-align: center;"><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="285" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/HQ32cIGqgdE?si=9I0ofTTVORLANME5" title="YouTube video player" width="420"></iframe></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><b>Cynthia Erivo</b>, em<b><i> Stand Up</i></b>,( Official Lyric Video), do filme <i>Harriet</i>. A canção original , "Stand up", foi composta por Joshuah Brian Campbell & Cynthia Erivo.</div></span><div style="text-align: center;">
<iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="285" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/sn19xvfoXvk?si=WIm3eiT4mIjOGRHB" title="YouTube video player" width="420"></iframe> </div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><b>Cynthia Erivo,</b> numa emocionante interpretação de<i><b> Imagine</b></i>, canção de John Lennon. A cantora presta uma homenagem às vítimas do tiroteio em Pulse, já considerado "o mais mortal tiroteio em massa da história dos Estados Unidos" e outras vítimas de violência.</div></span><div style="text-align: center;"><span style="text-align: left;">.
</span><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="285" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/B9EEWCGlbeQ?si=3GHE3HcYD8hwXaaF" title="YouTube video player" width="420"></iframe></div></div>Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-78715557252973229832024-03-15T09:38:00.001+00:002024-03-15T09:38:41.166+00:00De como uma ficção histórica popular pôde impregnar o imaginário de um grande escritor francês do século XX<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNHtAi65GqUTtmMg96lDmBkMyV_-C3JsFkn3Rej7hoo7SErGLnjQrKSpVR3zZii3agAzGpNXKlgUBxOHocdTXo1Xk8JFQ360HNKwVP4V1GdfxqcCuPU9ytWsaKpWXRvXxX0x7EES8TQWrdpLSW6OiDOPlFjtMISwqKpQwlCb5geDoiU4kpT-ZgFkE9ixeX/s349/quo-vadis-roman-de-henryk-sienkiewicz-peplum-antiquite-romaine.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="295" data-original-width="349" height="326" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNHtAi65GqUTtmMg96lDmBkMyV_-C3JsFkn3Rej7hoo7SErGLnjQrKSpVR3zZii3agAzGpNXKlgUBxOHocdTXo1Xk8JFQ360HNKwVP4V1GdfxqcCuPU9ytWsaKpWXRvXxX0x7EES8TQWrdpLSW6OiDOPlFjtMISwqKpQwlCb5geDoiU4kpT-ZgFkE9ixeX/w393-h326/quo-vadis-roman-de-henryk-sienkiewicz-peplum-antiquite-romaine.jpg" width="393" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: left;"><b style="text-align: justify;">De como uma ficção histórica
popular pôde impregnar o imaginário de um grande escritor francês do século XX</b></div></span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">por <b>Eugénio
Lisboa</b></div><div style="text-align: justify;">“A história e, para o caso que nos interessa hoje, a ficção histórica
podem ter os mais diversos usos – incluindo os mais surpreendentes. Não que a
história difira totalmente da ficção que nela se inspira: na congeminação do
texto histórico, a imaginação, entra como elemento fecundador e, mais do que
provavelmente, deturpador – “Apesar das suas ambições de verdade, a história
não é, no fim de contas”, observava Barbey D’Aurevilly, “senão palavra humana,
submetida à triste condição da palavra humana, que é a de poder enganar e poder
enganar-se.” A história propõe-nos não uma balda de factos desgarrados e
desarticulados, mas antes ambiciona construir uma narrativa coerente que os
articule – para isso se servindo da razão, da especulação e da imaginação. Por
isso, Anatole France, que nos deu um excepcional romance sobre o Terror – <i>Les Dieux Ont Soif </i>– dizia com
provocação sorridente: “A história não é uma ciência, é uma arte. Nela, nada se
consegue a não ser por intermédio da imaginação.” Assim vistas as coisas, poder-se-ia
pois admitir que a ficção histórica é apenas uma ficção sobre outra ficção,
ambas visando restituir-nos uma vida que ninguém ao certo sabe o que de facto
foi: “Escrever História”, dizia Philip Hope Wallace, “pode ser tão criativo
como fazê-la. São ambas uma interpretação da vida.” A História interpreta, como
pode, a vida. E a ficção histórica interpreta, como pode, essa outra
interpretação da vida que é a História, a qual é também uma espécie de vida.
Porém, com todas estas reservas e suspeitas, a realidade duplamente traída que
nos veicula o texto ficcional histórico pode ter sobre o imaginário do leitor
ainda jovem, um extraordinário poder de sedução e fermentação de padrões e
moldes que irão marcar de modo indelével a sua experiência emocional e
intelectual. Marcado a fogo, aos oito anos de idade ,para todo o resto da sua
vida pela leitura do romance polaco de Henryk Sienkiewicz, <i>Quo Vadis?</i>, o jovem Henry de Montherlant, futuro autor de algumas
das mais poderosas ficções (romances e peças de teatro) do século XX,
confessará em páginas escaldantes e inesquecíveis, os sulcos que para sempre
lhe deixou no espírito e na forja emocional o popular romance, em cujo
território, se passeiam, com aterradora vivacidade e desenvoltura, o Nero e o
Petrónio, que não são bem os da história, mas sim os que, em livre inspiração
bebida nos breves apontamentos de Tácito, nos deixou o notável romancista
polaco. Montherlant dirá mais tarde, num texto escrito aos 62 anos: “A vida e a
morte de Petrónio contêm-se numa trintena de linhas no meu Tácito (liv. XVI<i>, </i>cap. XVIII e XIX ). O Petrónio que
desempenha um papel nas nossas imaginações é o Petrónio de Sienkiewicz.” Como
dirá ainda o autor de <i>La Guerre Civile</i>,
“<i>Quo Vadis?</i> não é uma <i>grande obra</i>, nem mesmo um <i>grande romance</i>, mas é <i>um romance muito bom</i> que merece
inteiramente o imenso sucesso que o acolheu.”</div><o:p><div style="text-align: justify;"><i>Quo Vadis?</i> não é,
realmente, um grande romance mas é um romance inesquecível, uma daquelas obras
que, uma vez lidas, deixam marca. E é nosso propósito mostrar, com a claridade
e força que nos forem possíveis, como um romance que não é um grande romance,
mas antes uma obra vivaz e imensamente popular, isto é, uma obra, em princípio,
<i>suspeita</i>, pode fornecer sulcos
fundamentais e pistas de comportamento e de referência profundas, no imaginário
de um dos maiores escritores do século XX – Henry de Montherlant, o qual irá ao ponto de não
recear afirmar, num texto que escreveria já em plena maturidade: “Eu peso bem
as palavras antes de escrever o que se segue: foi, na verdade, no <i>Quo Vadis</i> que aprendi a escrever [...]
Entre os oito e os catorze anos. – e, repito-o, esses seis anos, nessa idade,
contam tanto como uma vida inteira, - vivi do estilo da tradução francesa de <i>Quo Vadis</i>, compreendido o que ele tinha
de bom e o que ele tinha de menos bom. Durante não somente a minha adolescência
mas também a minha primeira juventude, um grande número de frases dessa
tradução guardaram, para mim, um carácter como que encantatório, e durante
muito tempo, elas reapareceram, mais ou menos transpostas, ou mesmo
completamente cruas, nas obras que eu escrevia.”</div></o:p><o:p><div style="text-align: justify;">Montherlant leu o romance de Sienkiewicz em 1904 e, em 1905, a Academia
Sueca, com algum receio e munindo-se das justificações que conseguiu agenciar,
conferiu ao autor polaco o prémio Nobel. Sienkiewicz não era o autor apenas de <i>Quo Vadis?</i>. Outros romances históricos
de indiscutível fôlego épico – <i>A Ferro e
Fogo</i>, <i>O Dilúvio – </i>e contos
notáveis como “O Faroleiro” ou “Bartek, o Conquistador”, tinham-lhe dado mais
do que jus à fama que o aureolava. Mas a obra que indiscutivelmente lhe deu uma
quase instantânea reputação mundial foi o <i>Quo
Vadis?</i>, publicado em 1896, ano, curiosamente, do nascimento de Montherlant.
E foi esta quase excessiva popularidade mundial do romance polaco que foi fonte
de não pequeno desconforto para os jurados do prémio Nobel. Numa curiosa
“Pequena História da Atribuição do Prémio Nobel a Henryk Sienkiewicz”, da
autoria de Gunnard Ahlström, membro do Instituto Sueco, podemos ler a seguinte
instrutiva passagem: “Todos os Prémios Nobel foram sujeitos à crítica, de uma
forma ou de outra. Sienkiewicz não escaparia à regra. A tarefa dos censores foi
fácil, pois que a coroa de louros lhe tinha sida atribuída, na opinião de
todos, por causa de <i>Quo Vadis?</i>.
Tratava-se de um <i>best seller</i> ao
alcance de toda a gente e não de uma obra digna de figurar entre as
manifestações da grande literatura. Depois da sua publicação, em 1895<sup>*</sup>,
havia sido rapidamente traduzido para 30 línguas. Num só ano, 800.000
exemplares foram vendidos na Inglaterra e na América. O mundo das livrarias não
estava ainda habituado a estes êxitos livrescos, em avalanche. Numa época em
que se prestigiava ainda os génios que habitavam nas mansardas, a popularidade
tinha algo de suspeito. Havia ali, com certeza, qualquer coisa de mau gosto ou
de banal.” Os mais irritados de todos, no mercado literário e dos prémios,
foram os italianos que, nesse ano, queriam o troféu para o poeta Carducci. Na
sua divertida história, Gunnard Ahlström dá conta desta reacção: “Os
protestos”, diz ele “não se fizeram esperar. Os romanos modernos deram livre curso
ao ressentimento, num artigo veemente publicado no jornal <i>Italia</i>. <i>Quo Vadis?</i> era
apontado como um novo evangelho das cozinheiras, que haviam aprendido a
história da França lendo Dumas, pai. A história romana, adaptada às
necessidades da pia da cozinha, recheada de sentimentalismo barato e cortada em
fatias muito finas, tinha deslumbrado a multidão. A fim de atender às suas
piedosas leitoras, o polaco não vacilara em evocar o incêndio de Roma, em pôr
em cena Nero, o “Anticristo”, o inimigo dos cristãos. Acusavam-no de ter lido
bem demais e traduzido mal demais a obra de Renan. Bem poucos se apercebiam
[ainda segundo os italianos] de que <i>Quo
Vadis?</i> tinha tão pouco valor literário como <i>Os Últimos Dias de Pompeia</i>, de Bulwer Lytton.” Tratava-se,
parece-me evidente, de um exagero e de uma injustiça. Mas tudo isto deixa bem
claro que o sedutor romance polaco, que tem em grande parte, como cenário o
Palatino romano, no tempo de Nero, era um bom romance histórico mas, de modo
nenhum, uma obra de primeira grandeza, que pudesse pôr-se ao lado, por exemplo,
de uma <i>Guerra e Paz</i> (que aliás nunca
foi bafejada pelo peculiar galardão sueco). Um muito bom romance, com
qualidades que o tornaram imediatamente popular e que ainda hoje é lido e visto
no cinema e televisão (em péssima adaptação de Hollywood) – e é tudo. De modo
nenhum, um marco de grandeza na história literária universal. Já Montherlant,
em quem o livro de Sienkiewicz deixaria, como vamos ver, marcas tão profundas,
é um autor de indiscutível grandeza, embora nunca tenha sido bafejado pelo
Nobel que galardoou o romancista polaco. Vindo na grande linhagem de escritores
que começa em Bossuet e que, passando por Saint-Simon, vem desaguar em
Chateaubriand e, já no século XX, em Barrès, o autor de <i>La Ville dont le Prince Est un Enfant</i> e de <i>Le Chaos et la Nuit </i>foi reconhecido, entre os seus pares franceses,
como porventura a maior força literária da França no século XX (Romain Rolland,
Bernanos, Gide – que o admirava, detestando-o – Valéry, Jouhandeau, Daniel Rops
colocavam-no no topo da escala, reconhecendo-lhe um génio na escrita que só nos
maiores clássicos da língua encontrava equiparação). Jacques Chardonne, o mais
cristalino prosador da ficção francesa do século XX e um dos mais finos
prospectores das singularidades e escolhos da ligação amorosa, tinha
Montherlant por “o maior escritor deste século” (referia-se, é claro, ao século
XX). E tendo o filósofo, conde de
Keyserling, perguntado a Paul Valéry: “Qual é o vosso maior escritor de hoje?”
o grande poeta respondera sibilinamente: “É Montherlant. Mas não convém
dizê-lo.” É que o autor do <i>Cimetière
Marin</i> conhecia o “milieu” e já se tinha apercebido dos anticorpos que a
grandeza do autor de <i>Le Songe</i>, aliada
a um profundo desprezo pelos cordelinhos do mundo literário e por aquilo a que
chamava a “gló-glória”, tinham sido capazes de desencadear. Romain Rolland bem
declarara, em 1926, seduzido pelos primeiros escritos do jovem Montherlant:
“Você é a maior força que existe nas letras francesas. O mundo é mais rico para
mim, agora que o conheço.” O mundo ficava mais rico para quem quer que
mergulhasse naquele misto de fogo, altivez e insolência que se desprendia da
oficina literária do autor de <i>Les</i> <i>Olympiques</i>.</div></o:p><div style="text-align: justify;">A sondagem em profundidade das grandezas e misérias humanas, da força e
da fraqueza, do sublime e do monstruoso, da fome dos corpos e da saciedade dos
corpos, da crueldade e da doçura, este magnético “dizer sim à vida” veiculado
numa prosa inigualável de rigor, precisão e maldade felina, que levarão Gide a
considerar o seu detestado rival “um escritor de raça, um senhor das letras” –
tudo isto foi Montherlant bebê-lo, inicialmente, ao Sienkiewicz do <i>Quo Vadis?</i>, lido com paixão, aos oito
anos. “Eu era tão ignorante da história romana”, dirá Montherlant, no texto já
citado, “que, quando o autor de <i>Quo Vadis</i>
fala, ora de Nero, ora de César, eu comecei por pensar que Nero e César eram
dois personagens diferentes. Mas, muito cedo, comecei em casa o estudo do latim
com um professor de Janson. [...] esse universo do latim, no qual ia mergulhar,
que poderosamente me ajudou a viver, e, por vezes, mesmo na minha vida privada,
tinha-me anteriormente sido aberto por <i>Quo
Vadis</i>. Mas<i> Quo Vadis</i> tinha sido
para mim, aos oito anos, uma dupla revelação, mais importante ainda do que a do
mundo romano, e que tinha feito desse livro, posso dizê-lo sem ênfase, um dos
acontecimentos consideráveis da minha existência: a revelação da <i>arte de escrever</i>, e a revelação <i>daquilo que sou.</i> Aos doze anos, <i>Os Doze Césares</i> [de Suetónio] e o <i>Satyricon</i> [de Petrónio] vindos em linha
recta do <i>Quo Vadis </i>para se tornarem
os meus novos livros de mesa de cabeceira, vão-me familiarizar em espírito com
o que de melhor se pode achar como extravagâncias: instruem-me sobre elas, e de
todas as cores; estas obras, a título de serem «clássicas», existiam em todas
as livrarias. Aos dezasseis, aos dezoito anos, Séneca, Marco Aurélio vão
fazer-me amar e aceitar, vindos deles, os mesmos preceitos que eu não teria aceitado
vindos dos Evangelhos; eles irão contrabalançar as extravagâncias, do mesmo
modo que eu tinha comprado o meu Dionisios em mármore, ao sair da abadia de
Solesmes, para contrabalançar, parece-me, a influência de Solesmes. <i>Quo Vadis </i>tinha-me dado outra coisa:
aquilo que encontrara em mim, não aquilo que lá tinha posto.” Trata-se,
efectivamente, de um encontro, e de um encontro fulgurante e prenhe de
consequências, entre um jovem que virá a tornar-se um dos maiores escritores do
século XX e um romance popular mas não insignificante, que vai servir como
profundo revelador (auto revelador) do mais profundo que havia no fundo do seu
ser. No texto que já citámos, escrito já na casa dos sessenta, Montherlant
sublinha ainda: “Eu chamo revelação, revelação de mim a mim, a outra revelação
de <i>Quo Vadis</i>, <i>porque está fora de questão</i> falar-se de influência. Aos oito anos
eu banho-me no<i> Quo Vadis</i> como a chapa
fotográfica se banha no revelador químico: <i>Quo
Vadis</i>, faz aparecer a maior parte do que está em mim e aí estará para todo
o sempre.” E acrescenta: “Faz aparecer também, coisa mais estranha ainda,
acrescentando-se a essa revelação muito pessoal, a revelação de uma época da
história bastante semelhante àquela em que terei que viver (...)”.</div><div style="text-align: justify;">O mundo romano é um mundo que o fascina um pouco narcisicamente, como
quem nele se revê, como se num universo iluminado por uma lucidez que se não
detém diante de nada. Para Montherlant e para o seu amigo (e mais tarde
biógrafo, J:N: Faure-Biguet) o universo romano, isto é, o universo,
abre-se-lhes a uma luz quase cruel, quase insuportavelmente atraente. Falando
de Sienkiewcz, o autor de <i>Quo Vadis</i>,
Montherlant observa com uma espécie de estupefacção agradecida: “O autor
(Sienkiewicz) repete várias vezes que, a Nero, não lhe falta talento; que, até,
pela sua arte, chega a comover. Durante a orgia «nem a voz de César, ainda que
velada, nem os seus versos deixavam de ter encanto» Outra vez, «com óptima voz,
nesse dia, sentia que a música encantava os auditores». Erguido sobre os arcos
do aqueduto, enquanto Roma arde, ele canta, «e os senadores, os funcionários e
os augustanos tinham baixado a cabeça e escutavam, num encanto mudo». Quando
ele fala sobre arte, com Petrónio, toda a conversa é muito interessante e muito
fecundante para jovens espíritos que se vão dedicar à literatura. Como o
monstro se revela humilde diante da beleza! Não vai até ao ponto de dizer que,
por vezes, a arte o faz sentir-se «tão bom como uma criança de berço»? Que
ressonância estas páginas tinham em Faure-Biguet e em mim! No estado de moral
vaga que é, com frequência, o da infância e adolescência, este amor dominante
da arte parecia-nos desculpar muita coisa. E, depois, a ideia essencial em
Nero, de que a vida, em definitivo, não tem outra justificação que não seja
permitir ao artista criar a sua obra, que este tem mesmo o direito de fazer
sofrer para a criar (Nero pretende que, se matou a sua mãe e a sua mulher e se
incendiou Roma, foi porque isso serviu a sua arte), essa ideia impressionava
dois rapazes que sabiam que o seu destino único era serem escritores.” Esta
ideia do direito quase ilimitado que assiste ao artista de fazer sofrer, a
favor da sua criação, teve sempre, mesmo no nosso tempo – para além de
Montherlant – fervorosos, eloquentes e, às vezes, quase ultrajantes defensores.
Não se pode pensar em ninguém mais diferente do autor de <i>Les Jeunes Filles</i> do que, por exemplo, o romancista americano
William Faulkner, que afirmava ser todo e qualquer escritor genuíno capaz de
matar a mãe para escrever uma obra conseguida. E levava a “boutade” até ao
limite de sugerir que a “. Ode a uma urna grega”, de John Keats, valia bem uma
cabazada de velhas senhoras... “Mais tarde”, conclui Montherlant, no texto
fundamental que temos vindo a transcrever, “[Mais tarde] devíamos aprender que
uma tal ideia – frequentemente expressa pelos autores antigos – é comum nos
artistas, que muitas vezes se não escondem dela, mas, naquele momento, não a
conhecíamos a não ser expressa por Nero. Os artistas, de facto, acreditam que a
vida desaparece e que a arte permanece, até ao dia em que compreendem que a
arte, com muito raras excepções, desaparece tão inexoravelmente como a vida.
Mas eles continuam a acreditar, como se assim não fosse, porque acreditar é o
que lhes agrada, quando são verdadeiros artistas.” O mundo romano, tal como lhe
aparece revelado pela força persuasiva do <i>Quo
Vadis?</i>, é a primeira e intensa revelação de que muito há que aceitar, na
vida, mesmo quando a acomodação pareça difícil ou mesmo insólita. Aceitar o sim
e o não, a elegância e a brutalidade, tudo guardar, tudo compondo (“garder
tout, en composant tout”) – eis o que nos mostra, em cenas inesquecíveis, o
romance de Sienkiewicz, mesmo quando faz uma apologia (pouco convincente) dos
valores preferenciais do mundo cristão. “A morte de Nero”, observará
Montherlant, já no fim da vida, “[a morte de Nero], a morte de Petrónio duraram
em mim muito tempo. Quanto tempo? Petrónio morto e Nero morto olharam-me com os
seus olhos mortos, como górgonas, ao longo de toda a minha vida. E como não
notar, de passagem, que, amando igualmente Petrónio e Nero, que o mata, amando
igualmente o terror de Nero e a serenidade de Petrónio, eu já me encontrava,
simultaneamente, nos dois campos adversos? Disposição de que guardei sempre
alguma coisa para sempre.” Está aqui já, ainda em embrião, talvez ainda de modo
não demasiado consciente, o seu famoso princípio da alternância, que se
inscreve no cerne da sua vida e da sua obra e de que teve a primeira iluminação
ao contacto com as páginas de fogo do romance polaco: <i>tout garder, en tout composant.</i> Henri Perruchot resume assim a
“alternância” que habita no génio do autor de <i>Le Maître de Santiago</i>: “Montherlant, o homem menos sistemático do
mundo, «o anti-sistema», não teve provavelmente razão ao dar nem que fosse a
aparência de um sistema a um estado que era, por assim dizer, fisiológico, e
que se poderia explicar do modo seguinte: 1º) Verificação de facto: há em mim
um conjunto de tendências diferentes, de que algumas se opõem ou parecem
opor-se. 2º) Posição intelectual: recuso-me a sacrificar qualquer delas. 3º)
Conclusão no concreto: não podendo vivê-las todas ao mesmo tempo, sou obrigado
a alterná-las.” É o que o protagonista da sua pérfida e salutar tetralogia
romanesca, <i>Les Jeunes Filles</i>, Pierre
Costals, postula, nos seguintes termos, de um cinismo desenvolto e solar: “Há
em mim todas as estações do ano, sucedendo-se umas às outras. Sou um cosmo que
roda e expõe ao sol sucessivamente os pontos diferentes da sua superfície, um
de cada vez.” E, no seu livro, <i>Coups de
Soleil</i>, reitera esta visão de si mesmo, assumida com força e sem sombra de
remorso: “Eu alumio, uma de cada vez, todas as partes de mim mesmo, pondo,
durante esse tempo, todas as outras em vigília”. Ou, com mais nitidez e
desenvoltura ainda: “O poeta não pode rejeitar nada...Tenho necessidade de
viver toda a diversidade do mundo e os seus pretendidos contrários...Imenso
amante, nada há de sublime que lhe não serre a garganta (ao poeta), nada há de
atroz de que se não sinta o cúmplice e o irmão...Nós vemos que <i>tudo é verdade... </i>O universo, não tendo
nenhum sentido, é perfeito que se lhe dê, ora um, ora outro. É mesmo assim que
se deve tratá-lo.” Por outras palavras, empatia com Petrónio, que é o
cepticismo, a ousadia, a desenvoltura e a elegância, e empatia também (porque
não?) com Nero, que é atroz mas tem também os seus genuínos momentos de encanto
e melodia, mesmo que à custa do incêndio de Roma... É o equivalente do moto de
Nietzsche: “Dizer sim à vida,” ou do de Marco Aurélio: “Ó mundo, eu quero o que
tu queres. Tudo o que acontece acontece justamente.”</div><div style="text-align: justify;">Na vida que vai prosseguir, após o encontro com o mundo romano como ele é
visto pelo romancista polaco – a vida no colégio de Santa-Cruz de Neuilly, a
guerra de 14-18, em que participa como voluntário, nas trincheiras solidárias e
mortíferas, os anos de “voyageur traqué” pelo Norte de África, Espanha e
Itália, voltando afrontosamente costas ao milieu literário parisiense e à
gló-glória que lhe sorrira com o seu sorriso hediondo, a segunda guerra mundial
e a França desorganizada, apodrecida e cobarde ocupada pelos alemães, a
libertação com o seu cortejo de coisas boas, mas também de saneamentos e de
infâmias, a glória teatral com todo um cortejo de obras-primas onde fulguram
vigorosas intuições e padrões de vida bebidos outrora na leitura de <i>Quo Vadis</i>, enfim o envelhecer, com a
perda de um olho e a ameaça de perder o que lhe resta de visão no outro e a
escolha final, serena, racional, romana, do suicídio (“Je deviens aveugle, je
me tue”) - nesta vida cheia de tudo, Montherlant vai cumprir à risca o seu
programa de alternância, julgando e não julgando, amando e distanciando-se,
fruindo e entediando-se, vivendo e descrevendo com igual empenho a grandeza e a
fraqueza, os sentidos e a espiritualidade, o sublime e o atroz, a coragem e o
medo, a elegância e a grosseria, a atenção e o desleixo, a infância e a
velhice, a vida esplendorosa e solar mas também o caos e a noite, contrários
que fazem da vida o que ela é e que estavam em si desde sempre e de que se
apercebeu, com desarrumadora percepção, ao vê-los reflectidos, aos oito anos,
no espelho lúcido e perturbante do mundo de <i>Quo
Vadis?.</i></div><div style="text-align: justify;">Ao contrário do que se passava com o romance histórico tradicional e com
o mundo dos seus leitores, que convergiam no uso de uma reconstituição
histórica como meio de sondagem de uma identidade
nacional, Montherlant vai encontrar num romance histórico alusivo a um
mundo que, à partida não é o seu – o mundo romano – a revelação de uma
singularíssima identidade pessoal: o universo central de <i>Quo Vadis?</i>, a elegância de Petrónio e a atrocidade de Nero são ele
próprio, Montherlant. E o horror e o grotesco de muito daquele universo são
também o do mundo em que vive, no século XX, o autor de Port-Royal.</div><o:p><div style="text-align: justify;">O mundo romano, o de Tácito, de Suetónio e, sobretudo, a transposição
deles feita pelo autor de Quo Vadis?
vai, ao longo da vida do autor de <i>Les
Bestiaires</i> fornecer as referências essenciais, os padrões, as obsessões
sugestivas que lhe impregnam o imaginário e vão imprimir marcas de fogo nas
suas melhores páginas. O tema do suicídio – que inunda de luz e de panache a
parte final do romance polaco – será uma ruminação omnipresente e solar (não
doentia) na obra de Montherlant. Suicídio não por desespero, mas por elegância,
para se não persistir em viver, por amor à vida, porque a qualidade de vida vai
diminuir e o homem exigente deve saber morrer, como soube viver: “Petrónio” [o
de <i>Quo Vadis</i>?], observa Montherlant,
“por carta, informa Vinícius de que decidiu morrer. Deixou de falar com
desprezo dos cristãos. Reconhece que, de todos os deuses, ‘o Cristo é ainda o
mais honesto’. Mas: ‘A vossa doutrina não é feita para mim» e mesmo, mais profundamente:
‘A vossa felicidade, não é feita para mim’. Porquê? As razões dadas, de ordem
unicamente estética, são bastante arrepiantes. De resto, ele nomeia os seus deuses, Pirro e Anacreonte. Sobre
o suicídio em si, a sua carta tende para o pálido -–mas as mais célebres
apologias do suicídio, tema repisado pelos Antigos em certas épocas, serão mais
eficazes? Os personagens atraentes de Quo
Vadis, Petrónio e Nero, suicidam-se os dois. Eis por que posso dizer, de
Faure Biguet e de mim próprio, que quase bebemos o suicídio com o leite: o
suicídio de duas espécies, a serena, de uma serenidade socrática, com Petrónio:
‘Peço-vos, não dramatizemos’, e a turva, a demasiado humana, com Nero. Com a
idade de quarenta anos, assinalei, no meu volume, a página com o suicídio de
Petrónio; quando voltava a pegar no livro, era para ela que em primeiro lugar
me voltava. A sua coragem sorridente, melancólica e tranquila tem um perfume
que não é passageiro. ‘Para terminar, meus amigos, se da nossa alma alguma
coisa subsiste, depois da nossa morte, a minha alma ver-se-á pousar, não longe
da vossa casa, com o aspecto de uma borboleta...’ Que de vezes,” observa ainda
Montherlant, “eu acreditei ver a alma de Petrónio acompanhar-me, volteando na
luz do verão!” E concluia “A frase essencial sobre o suicídio não se encontra
nessa carta. Petrónio disse-a a Vinicius no decurso de uma das suas conversas
precedentes: ‘Aquele que soube viver deve saber morrer.’”.</div></o:p><div style="text-align: justify;">O suicídio, bebido com o leite na leitura de <i>Quo Vadis? </i>iria constituir-se em tema recorrente na obra de
Montherlant, que a ele regressa constantemente, mas de modo viril, solar e nada
mórbido.<i> “</i>Honrei o suicídio”, observa
Montherlant, num texto fundamental, <i>A
Morte de Catão,</i> “[honrei o suicídio] desde a idade dos 30 anos”. E
acrescentava esclarecendo que não falava de desespero mas sim de outra coisa
mais nobre: “Suicidamo-nos, “ dizia,
“por respeito pela razão, quando a idade ou a doença a entenebrecem, e que há
demais honroso do que o respeito pela razão? Suicidamo-nos por respeito pela
vida, quando a nossa vida cessou de ser digna de nós, e que há de mais honroso
do que este respeito pela vida? Suicidamo-nos sem dar as nossas razões, e temos o direito de não as dar: porque não
havia um homem de ter o direito de
renunciar, sem explicações, a uma vida que não solicitou?” E, ainda no
mesmo texto, explica que «Aticus se mata para escapar à doença». Bebida no
mundo complexo, a um tempo impiedoso, consolador e cheio de panache de <i>Quo Vadis?</i> , onde os princípios cristãos
ombreiam, contradizendo-o mas não o anulando, com o estoicismo romano, o
suicídio ou a ideia dele ou do eventual recurso a ele habitará para todo o
sempre a casa da ficção e do ensaio do autor de <i>La Guerre Civile,</i> porque começou por lhe mobilar, de modo forte e
impressivo, o imaginário da infância e adolescência. Próximo do fim, doente,
meio cego, impedido portanto de exercitar as duas paixões que foram os pilares
fortes da sua existência – o amor e o trabalho criativo - Montherlant mostrou,
em acto, que as suas recorrentes palavras sobre o suicídio não eram apenas má
literatura: aos 76 anos de idade, no dia 21 de Setembro de 1972, exactamente,
às quatro horas menos um minuto, da tarde, honrando a ideia do suicídio, porque
a vida se lhe estava a tornar indigna de ser vivida, o autor de <i>Le Songe</i> trincou uma cápsula de cianeto
e disparou um revolver na boca. Fê-lo às quatro menos um porque marcara
encontro com o filho adoptivo às quatro em ponto – e era conhecida a obsessiva
pontualidade militar do grande escritor. Pessoalmente, gosto de pensar que
nesses segundos finais, que presidiram à sua saída deste mundo, a borboleta de
Petrónio volteou no seu apartamento do Quai Voltaire, em Paris, saudando e
aprovando: “O que soube viver deve saber morrer.” Vinha tudo no <i>Quo Vadis?</i>, romance histórico popular,
talvez literatura que não era do mais alto calibre, mas que foi capaz de
fecundar a imaginação e o código de viver de um dos maiores escritores da literatura
francesa de todos os tempos. Não dizia Goethe, figura cimeira da literatura
alemã e mundial, que a si tudo o influenciava, mesmo obras de segunda, terceira
ou quarta categoria? E quando estas obras secundárias se revelam assim capazes
de motivar os gigantes, não deveremos acordar-lhes um valor acrescentado?
“Vivi”, escreveu Montherlant, num posfácio à sua peça, <i>La Guerre Civile</i>, “[vivi] durante sessenta anos entre estas sombras
romanas, sombra entre as sombras. Pedia-lhes, ora um motivo de exaltação, ora
um modelo de conduta, ora um modo de reagir nos momentos difíceis. Quem não
teve desses momentos em que sente tudo desagregar-se à sua volta e em que se
sente a necessidade de se agarrar imediatamente
a um corrimão? Quando isso me aconteceu, o corrimão foi sempre, para
mim, a história romana.” Foi, realmente, a história romana, mas ela começara,
para Montherlant, nas páginas fundadoras e inesquecíveis do romance de
Sienkiewicz.”</div><div style="text-align: justify;"><b>Eugénio Lisboa, </b>Novembro/2002</div><o:p><div style="text-align: justify;"> </div></o:p><div style="text-align: justify;">* Outras referências dão o romance como publicado,
não em 1895, mas sim em 1896, ano que é, coincidentemente, o do nascimento de
Montherlant. </div></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-30503582759409890042024-03-14T15:01:00.003+00:002024-03-14T15:02:49.875+00:00Do infinito falemos<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: arial;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjv-qk3Pzw35lV6-V2Wp0hhcMfuxJdnr6N0L14n9Cj2waU-pZrj82VCLC_WU0DRczQCH97SkJ8vGNjMrp5BASge-6NxaZFGpv_oQa320ryeINlD5dLDqWq5dKmhNznjpNZYmjhsDJnAfq2nyqW9XI-Bte7wBKb-dD6L4hb0aQOrFYPN0ZI_pQt__a4X6__Y/s600/tumblr_m6tdsbtSjj1qc3wjlo1_500.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="437" height="362" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjv-qk3Pzw35lV6-V2Wp0hhcMfuxJdnr6N0L14n9Cj2waU-pZrj82VCLC_WU0DRczQCH97SkJ8vGNjMrp5BASge-6NxaZFGpv_oQa320ryeINlD5dLDqWq5dKmhNznjpNZYmjhsDJnAfq2nyqW9XI-Bte7wBKb-dD6L4hb0aQOrFYPN0ZI_pQt__a4X6__Y/w272-h362/tumblr_m6tdsbtSjj1qc3wjlo1_500.jpg" width="272" /></a></div></span></div><div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Do infinito falemos<br /></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Sátira para uso dos dela
necessitados<br /></b><o:p> <br /></o:p>Se o universo é infinito,<br />a estupidez é-o muito mais.<br />Mas se o primeiro pode ser finito,<br />a estupidez não acaba jamais.<br /><o:p> <br /></o:p>A estupidez tem carapaça dura<br />e sabe muito bem como insistir.<br />A estupidez quimicamente pura<br />fala muito antes de reflectir.<br /><o:p> <br /></o:p>Talvez precisemos da estupidez<br />porque ela condimenta a vida:<br />se confunde francês com albanês,<br /><o:p> <br /></o:p>torna-nos mais divertida a vida!<br />Tudo está em usá-la com medida,<br />para que se não torne atrevida!<br /><span style="mso-spacerun: yes;">
</span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>14.03.2024<br /><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Eugénio Lisboa</b></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-28031649468666807132024-03-14T09:44:00.002+00:002024-03-14T17:12:57.696+00:00Carta ao Pai<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;"> </span><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnt4emtXEw6btRP4GH9vxlDIoBD4KFMGXGCUNFI6Na7LoOI-i7Q8IXPNVR-7uDjMPO3t5i-nmrTvG7RYH9vXERJ_WM-h8R6JQkX9XPnOelMA3iwNuXgF3TXKCLNcsIw9r3D-3R2cI4EHpIGnVQ01_-Mf4dBQljo08GQlj1XonsdDyZWnTdNu8W6rVQ9WCO/s712/9789727087754.webp" style="font-family: arial; margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="712" data-original-width="471" height="404" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnt4emtXEw6btRP4GH9vxlDIoBD4KFMGXGCUNFI6Na7LoOI-i7Q8IXPNVR-7uDjMPO3t5i-nmrTvG7RYH9vXERJ_WM-h8R6JQkX9XPnOelMA3iwNuXgF3TXKCLNcsIw9r3D-3R2cI4EHpIGnVQ01_-Mf4dBQljo08GQlj1XonsdDyZWnTdNu8W6rVQ9WCO/w266-h404/9789727087754.webp" width="266" /></a></div><span style="font-family: arial;"><b><div style="text-align: justify;"><b>Carta ao Pai</b></div></b><div style="text-align: justify;">por <b>Franz Kafka</b></div><div style="text-align: justify;"> Silésia</div><div style="text-align: justify;">“Queridíssimo pai,</div> <div style="text-align: justify;">Perguntaste-me, há pouco tempo, por que
razão afirmo ter medo de ti. Como de costume, não soube responder; por um lado,
precisamente pelo medo que tenho de ti, por outro, porque, na base deste medo,
existem demasiados pormenores para que possa exprimi-los oralmente, de forma
mais ou menos lógica. E se neste momento procuro responder-te por escrito será
de forma bastante incompleta porque, também por escrito, o medo e as suas
consequências me tolhem diante de ti e porque, enfim, a importância do assunto ultrapassa,
de longe, a minha memória e o meu entendimento. As coisas sempre se te
afiguraram muito simples, pelo menos a avaliar pelo que disseste à minha frente
e, indiscriminadamente, à frente de muitos outros. Parecia que, para ti, era
qualquer coisa do género: trabalhaste arduamente toda a vida, sacrificaste tudo
pelos teus filhos, sobretudo por mim, vivendo eu, por isso, «à grande e à
francesa», tive toda a liberdade para estudar o que quisesse, nunca tive de me
preocupar com o sustento, nem ter outras preocupações, de resto; nunca exigiste
gratidão em troca, sabes como é a «gratidão filial», mas pelo menos alguma
amabilidade, algum sinal de simpatia; em vez disso, desde sempre me escondi de
ti, no meu quarto, no meio dos livros, no meio de amigos loucos, no meio de
ideias extravagantes; nunca falei contigo abertamente, não fui ter contigo ao
templo, nunca te fui visitar a Franzensbad, nem nunca, de resto, tive espírito
de família; não me preocupei com o negócio nem com outros assuntos teus,
empurrei-te para a fábrica para depois te abandonar; defendi a Ottla na sua
teimosia e, enquanto por ti não mexo um dedo (nem sequer um bilhete para o
teatro te ofereço), pelos estranhos faço tudo. Se resumires o teu juízo a meu
respeito, dirás que até não me acusas de nada de propriamente indecente ou
perverso (com excepção, talvez, dos meus últimos planos de casamento), mas de
frieza, alheamento, ingratidão. E, na verdade, censuras-me como se a culpa
fosse minha, como se eu, com uma volta ao leme, por exemplo, tivesse podido
mudar tudo, enquanto tu não tens a mínima culpa, a não ser a de teres sido bom
de mais para comigo.</div><div style="text-align: justify;">Só considero correcta esta tua concepção
habitual na medida em que também eu acredito que estás completamente inocente
quanto ao nosso afastamento. Mas também eu estou completamente inocente.
Conseguisse eu fazer-te admitir isto, não digo que fosse possível uma vida
nova, pois já estamos velhos de mais para isso, eu fazer-te admitir isto, não
digo que fosse possível uma vida nova, pois já estamos velhos de mais para
isso, mas uma certa paz, não o fim, mas talvez um abrandamento das tuas
constantes acusações.</div> <div style="text-align: justify;">Mas, curiosamente, até tens uma certa
ideia daquilo que eu quero dizer. Disseste-me, por exemplo, há pouco tempo:
«Sempre te quis bem, mesmo quando parecia não agir contigo como os outros pais,
precisamente porque não sou capaz de fingir como os outros.» Ora eu, pai, nunca
duvidei, em geral, da tua benevolência para comigo, mas considero a observação
incorrecta. Não consegues fingir, é certo, mas querer afirmar, apenas nesta
base, que os outros pais fingem ou é uma atitude dogmática que não admite discussão,
ou — e essa é, de facto, a minha opinião — a expressão velada de que entre nós
algo não está bem, para o que também tu contribuíste, embora sem culpa. Se, na
verdade, pensares assim, então estamos de acordo. Claro que não quero dizer que
aquilo que sou se deve apenas à tua influência. Seria um grande exagero (e eu
até tenho tendência para estes exageros). É bem possível que, mesmo se tivesse
crescido completamente fora da tua influência, não conseguisse vir a ser um
indivíduo a teu contento. Ter-me-ia tornado, talvez, um indivíduo mais fraco,
mais ansioso, mais indeciso, mais inquieto, nem um Robert Kafka, nem um Karl
Hermann, mas um ser completamente diferente daquilo que sou, e teríamos conseguido
darmo-nos às mil maravilhas. Ter-me-ia sentido feliz por te ter como amigo,
chefe, tio, avô, e até mesmo (se bem que com alguma reserva) como sogro. Só que
como pai foste forte de mais para mim, sobretudo atendendo a que os meus irmãos
morreram de tenra idade, e que só muito mais tarde viriam as minhas irmãs, pelo
que tive de aguentar o primeiro embate completamente sozinho, sendo eu fraco de
mais para isso. Compara-nos os dois: eu, para me exprimir de forma breve, um
Löwy com um certo fundo dos Kafkas, mas que, em vez de ser impelido pela
vontade de viver, de negociar e de conquistar dos Kafkas, sinto antes o
aguilhão dos Löwys que, da forma mais oculta, mais tímida, actua noutro
sentido, levando, muitas vezes, ao fracasso total. Tu, pelo contrário, um
autêntico Kafka em força, saúde, apetite, voz sonante, dotes oratórios,
satisfação consigo mesmo, sobranceria, perseverança, presença de espírito,
conhecimento dos homens, uma certa generosidade, naturalmente também com todos
os defeitos e fraquezas inerentes a tudo isto, nos quais te precipitas pelo teu
temperamento e, muitas vezes, pela tua irascibilidade. Talvez não sejas bem um
Kafka na tua mundividência, tanto quanto posso comparar-te com os tios Philipp,
Ludwig e Heinrich. É estranho, também neste caso não vejo as coisas com toda a
clareza. Todos eles eram mais joviais, mais vivos, mais espontâneos, mais
estouvados, menos severos do que tu. (Nesse aspecto, de resto, herdei muito de
ti e administrei bem a herança, sem, no entanto, ter na minha natureza o
necessário contrapeso como tu tens.) Mas, por outro lado, a este respeito,
passaste por diversos períodos, talvez fosses mais jovial antes de os teus
filhos, especialmente eu, te desiludirem e atormentarem lá em casa (com
estranhos tu eras diferente) e também talvez te tenhas tornado novamente mais
jovial, já que os netos e o genro voltam a dar-te algum daquele calor que os
filhos, com excepção da Valli talvez, não foram capazes de te dar. Em todo o
caso, éramos tão diferentes e, nessa diferença, tão perigosos um para o outro
que, se alguém tivesse querido prever de que modo eu, a criança em lento desenvolvimento,
e tu, o homem feito, iríamos comportarmo-nos um com o outro, poderia supor que
irias simplesmente aniquilar-me, até que nada restasse de mim. Tal não
aconteceu, a vida não se deixa calcular, mas talvez tenha acontecido algo pior.
Insisto, porém, em pedir-te para não esqueceres de que de forma alguma acredito
que tenhas a mínima culpa. Agiste comigo como tinhas de agir, só que devias
deixar de considerar uma maldade especial da minha parte o facto de eu ter
sucumbido a essa actuação.</div> <div style="text-align: justify;">Eu era uma criança ansiosa mas, decerto,
também obstinada, como são as crianças; é verdade ainda que a mãe me mimava,
mas não posso crer que eu fosse particularmente difícil de levar, não posso
crer que uma palavra meiga, um suave dar-a-mão, um olhar bondoso não tivessem
conseguido de mim tudo quanto se quisesse.”</div><div style="text-align: justify;"><b style="font-weight: bold;">Franz Kafka</b><b style="font-weight: bold;">,</b> in <b style="font-weight: bold;"> <i>Carta ao pai, </i></b> Relógio<b> </b>D’Água
Editores, 2004, pp.7-11<span style="text-align: center;"><o:p> </o:p></span></div><o:p><div style="text-align: center;"><b><o:p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAhi1FVDRVmTF8v2vIwec6jtt71n-3rVQtjatFMUKP7OWSueUh-P45ybr64U16SBp-xwjpt5AXB6PSa3mTDlW1v18otvjPV2y47Uc0Z1ZMIN2QAyu59xX5Oyi69QUtsGmyf2JWWo38MrvbMhQaw3AXIV_3ig7eRA1HcLIIc61g946i1xY2YmdVsX_udoVv/s604/franz-kafka.webp" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="604" data-original-width="600" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAhi1FVDRVmTF8v2vIwec6jtt71n-3rVQtjatFMUKP7OWSueUh-P45ybr64U16SBp-xwjpt5AXB6PSa3mTDlW1v18otvjPV2y47Uc0Z1ZMIN2QAyu59xX5Oyi69QUtsGmyf2JWWo38MrvbMhQaw3AXIV_3ig7eRA1HcLIIc61g946i1xY2YmdVsX_udoVv/s320/franz-kafka.webp" width="318" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;">Franz Kafka ,(1883-1917)</span></td></tr></tbody></table></o:p></b></div></o:p><b><div style="text-align: justify;"><b>Sobre
o autor:</b></div></b><div style="text-align: justify;">“Franz
Kafka nasceu em 1883, em Praga, no seio de uma família da pequena burguesia
judia de expressão alemã. Começou a escrever os seus primeiros textos em 1904.
Em 1906, terminou os seus estudos universitários, doutorando-se em Direito. Em
vida, publicou apenas sete pequenos livros e alguns textos em revistas. De
entre estes livrinhos e textos, destaca-se <i>A Metamorfose</i>, que veio
a lume em 1915. Esta pequena novela viria a afirmar-se como uma das suas obras
de referência. A 3 de Junho de 1924, não resistindo à tuberculose diagnosticada
em 1917, morre em Kierling, a poucos quilómetros de Viena, deixando três
romances fragmentários, que seriam publicados postumamente pelo seu amigo e
testamenteiro Max Brod: <i>O Processo</i> (1925), <i>O Castelo</i> (1926)
e <i>América </i>(1927), a que se seguiram volumes com contos, cartas
e diários. A sua obra, centrada no homem solitário moderno, refém de uma vida
absurda, tornar-se-ia uma das mais influentes do mundo literário do século XX.”</div></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-19006102131449269452024-03-12T21:41:00.000+00:002024-03-12T21:41:29.435+00:00Considerações sobre o resultado das eleições<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><b> </b><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9tLHL6PjnMIZtgetOsbDpCdWKRKZ0-rk_dNvD2I0fo9QacMh5ro53asEHs0U8XIu5RvP5jmG0hUUzoFjJ-nN_C4AvDjNE_ihWeHTzzW-ZObXAtHflPYS_QLs6hbMAnDlT22OCJHcPv5p95G-CsGn6NFfYdmXsk6zgLmUFh77nYectPEl2SYozDCDRBINZ/s612/istockphoto-1277965612-612x612.jpg" style="font-weight: bold; margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="408" data-original-width="612" height="220" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9tLHL6PjnMIZtgetOsbDpCdWKRKZ0-rk_dNvD2I0fo9QacMh5ro53asEHs0U8XIu5RvP5jmG0hUUzoFjJ-nN_C4AvDjNE_ihWeHTzzW-ZObXAtHflPYS_QLs6hbMAnDlT22OCJHcPv5p95G-CsGn6NFfYdmXsk6zgLmUFh77nYectPEl2SYozDCDRBINZ/w370-h220/istockphoto-1277965612-612x612.jpg" width="370" /></a><b><br /><div style="text-align: left;"><b style="font-family: arial; text-align: justify;">Considerações sobre o resultado das eleições</b></div></b></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">por <b>Eugénio Lisboa</b></div><div style="text-align: justify;">“O resultado destas eleições evidencia, sobretudo,
uma dramática subida do CHEGA e, pior ainda, uma tendência a continuar a subir.
A tão universalmente gabada queda da abstenção, infelizmente, quer dizer que os
habituais abstencionistas que, desta vez, levantaram o rabinho do sofá, para
irem votar, foi para irem votar no CHEGA. Havia, é claro desilusão e
ressentimento, devido ao estado do país, mas isso, só por si, não explica tudo.
A maioria das pessoas gosta de milagres e, milagres, foi o que Ventura,
despudoradamente, lhes prometeu. As pessoas mais qualificadas da nossa
sociedade, Professores universitários, juízes, médicos, altas patente do
exército, por maior cultura profissional e geral que possuam, gostam de
acreditar em milagres que, de repente, os tornem ricos e famosos. Viu-se isso,
de forma calamitosa, com a “banqueira do povo”, D. Branca. Quando eu soube do
que se estava a passar, fiz logo o diagnóstico, porque me lembrava de casos
acontecidos, na minha vida empresarial, em que alguns gerentes de instalações
da minha empresa foram despedidos por fazerem o que se chama “rolling the
cash”. Era o que fazia a D. Branca e o que fez o americano Madoff. Mas os mais altamente qualificados cidadãos deste país precipitaram-se
a depositar as suas poupanças nas mãos daquela “miracle worker” (fazedora de
milagres). Muitos ficaram sem nada, quando a suspeita levou a uma corrida geral
aos levantamentos. Fui altamente repreendido, ao não aderir àquela loucura, por
pessoas que alegavam que senhores Professores universitários não tinham
hesitado em pôr o seu dinheiro nas mãos da banqueira. Respondi-lhes
sucintamente que, universitários ou não, esses senhores não sabiam fazer
contas. André Ventura é a D. Branca da política portuguesa: oferece milagres a
quem gosta de milagres e quem gosta de milagres é muita gente. O problema é que
esses milagres não estão disponíveis.</div><div style="text-align: justify;">Por outro lado, esta iliteracia política de muitos
cidadãos deriva do baixíssimo grau de cultura e de educação cívica, com que
hoje se sai das escolas e universidades. É assustador ver o que se passa nas
redes sociais, que indicia um nível de boçalidade intelectual, que não é de bom
augúrio para um futuro saudável do país.</div><div style="text-align: justify;">Que, ao fim de oito anos de desgaste governamental
do PS, com tudo quanto de negativo aconteceu, o PSD só tenha conseguido um
número de deputados igual ao do PS, mostra a fragilidade do futuro governo e a
relativa pouca fé dos eleitores no partido de Montenegro. Isto convocaria, a
meu ver, uma atitude de adultos da parte tanto do PSD como do PS: esquecerem-se
de lutas partidárias e entenderem-se naquelas áreas essenciais ao bem estar do
país. Se o não fizerem o descrédito nesta democracia aumentará e o ovo da
serpente dará mais filhos.</div><div style="text-align: justify;">Eis, em resumo muito resumido, o que penso da
situação em que estamos.”</div><div style="text-align: justify;"><b style="font-weight: bold;">Eugénio Lisboa,</b> 12.03.2024</div></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-88540828592813584552024-03-12T09:32:00.003+00:002024-03-12T09:37:27.061+00:00Ousar ser...<div style="text-align: center;"><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="285" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/ECVWAIjD5lY?si=_AzDFRYlz2pzzvdq" title="YouTube video player" width="420"></iframe></div><div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><b>Andrea Bocelli </b>e a filha<b> Virginia Bocelli,</b> em<b><i> Dare To Be</i></b> ,do filme "Cabrini", que está nos cinemas desde o dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher.</span></div></div>Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-86766429741062402632024-03-11T12:22:00.004+00:002024-03-12T09:52:51.342+00:00Recordar Victor Hugo<div style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4bbQOIqKtoOJIetyGdVUqT831A12F91-b-0P7JfSgbADO7kJpAntCbRCpeGiKjf9ZF0v4SPIKzwgobQoHGvElUjmSklzTLuw6rB39ovQeD4tZf3gMqG-cy5zjlDDKhnm14w7rswU966F3s6TCWZyP1tNBUHPu-075oHn5d5kvD4zg1TxIsbcXJdiCbyz9/s728/Victor-Hugo-1-728x450.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="450" data-original-width="728" height="226" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4bbQOIqKtoOJIetyGdVUqT831A12F91-b-0P7JfSgbADO7kJpAntCbRCpeGiKjf9ZF0v4SPIKzwgobQoHGvElUjmSklzTLuw6rB39ovQeD4tZf3gMqG-cy5zjlDDKhnm14w7rswU966F3s6TCWZyP1tNBUHPu-075oHn5d5kvD4zg1TxIsbcXJdiCbyz9/w355-h226/Victor-Hugo-1-728x450.png" width="355" /></a></div></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">"Victor Hugo,</span><b style="font-family: arial;"> nasceu em 26 de Fevereiro de 1802</b><span style="font-family: arial;">,
em Besançon, em França. O pai era general das tropas de </span><span style="font-family: arial;">Napoleão Bonaparte</span><span style="font-family: arial;"> e sua mãe era monárquica, ou
seja, ambos viviam um sério conflito ideológico, já que um representava o
pensamento republicano, e outro, o pensamento monárquico.</span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Contrariando o
posicionamento de seu pai, que almejava ter o filho a estudar na Escola
Politécnica, Victor Hugo ingressou na faculdade de Direito.
Encorajado por sua mãe, passou a publicar, entre os anos de 1819 e 1821, artigos
literários em periódicos franceses.</div><o:p><div style="text-align: justify;">Em 1821, Victor Hugo
casou-se com Adèle Foucher, uma amiga de infância, com quem teve cinco filhos.
Em 1822, publicou o primeiro livro.</div></o:p><div style="text-align: justify;">Em 1845, no auge de sua
carreira literária, tornou-se membro do Senado francês. Victor Hugo
destacou-se no Parlamento pelos discursos em prol da crescente população
pobre do seu país. Após a Revolução de 1848, a sua postura política, que era em
defesa da monarquia, tornou-se republicana.</div><div style="text-align: justify;">Fez campanha para a
eleição do príncipe Napoleão III, mas este, quando assumiu o poder, violou a
Constituição e instaurou uma ditadura em França.
Victor Hugo rompeu com Napoleão III e passou a criticá-lo, o que resultou num exílio de mais de 18 anos.</div><o:p><div style="text-align: justify;">Quando retornou à
França, foi eleito deputado<b>,</b> em 1870. Posteriormente, em
1876, <b>foi eleito novamente para o Senado.</b></div></o:p><div style="text-align: justify;">Victor Hugo <b>morreu
em Paris, aos 83 anos, no dia 22 de Maio de 1885</b>. Foi enterrado no
Panthéon, monumento onde estão os restos mortais dos heróis nacionais da
França."</div><span style="mso-spacerun: yes;"><div style="text-align: justify;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="mso-spacerun: yes;"> <b>Alguns pensamentos de Victor Hugo: </b></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="mso-spacerun: yes;"><b><br /></b></span></div><div style="text-align: justify;">“É
triste pensar que a natureza fala e que o género humano não a ouve.”</div></span><o:p><div style="text-align: justify;">“A sombra é sempre negra mesmo a que
cai de um cisne.”</div></o:p><div style="text-align: justify;">“A quem tem o coração morto, os olhos
nunca choram.”</div><div style="text-align: justify;">“Julgar-se-ia bem mais correctamente um
homem por aquilo que ele sonha do que por aquilo que ele pensa.”</div><div style="text-align: justify;">“A esperança seria a maior das forças
humanas, se não existisse o desespero.”</div><div style="text-align: justify;">“Quem abre uma escola fecha uma
prisão.”</div><div style="text-align: justify;">“A tolerância é a melhor das
religiões.”</div><div style="text-align: justify;">“Do inferno dos pobres é feito o
percurso dos ricos.”</div><div style="text-align: justify;">“As ilusões sustentam a alma como as
asas sustentam o pássaro.”</div><div style="text-align: justify;">“Cada homem é um livro em que o próprio
Deus escreve.”</div><div style="text-align: justify;">“A água que não corre forma um
pântano; a mente que não trabalha forma um tolo.”</div><div style="text-align: justify;">“Ler é beber e comer. O espírito que
não lê emagrece como o corpo que não come.”</div><div style="text-align: justify;">“O belo é tão útil quanto o útil.
Talvez até mais.”</div><div style="text-align: justify;">“Entre um governo que faz o mal e o povo que o consente, há certa cumplicidade vergonhosa.”</div></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-51391903769539521072024-03-10T17:37:00.001+00:002024-03-10T17:37:40.275+00:00A RÚSSIA<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmq6gErhLp02BsOWYt6wNph2Oq5ibaI2rkSMaqfPa_6O4aKUOVdxc0PHSq4sBUzrCFVFSuMumrTPw2sTWtlPFSc22bKHbbGnTLl8EIlpISRXrWAbEcemjG1nFHmTYkplHBGP2W97Lp21EK9DxkNDO-YTpj4Lbo6Kh_P5sVip6uO1xmV2TxeVz-qCcTIAyZ/s800/As%2020%20obras%20mais%20importantes%20da%20literatura%20russa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="800" height="452" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmq6gErhLp02BsOWYt6wNph2Oq5ibaI2rkSMaqfPa_6O4aKUOVdxc0PHSq4sBUzrCFVFSuMumrTPw2sTWtlPFSc22bKHbbGnTLl8EIlpISRXrWAbEcemjG1nFHmTYkplHBGP2W97Lp21EK9DxkNDO-YTpj4Lbo6Kh_P5sVip6uO1xmV2TxeVz-qCcTIAyZ/w513-h452/As%2020%20obras%20mais%20importantes%20da%20literatura%20russa.jpg" width="513" /></a></div><br /><div style="text-align: left;"><b style="font-family: arial; mso-bidi-font-weight: normal; text-align: justify;">A RÚSSIA</b></div></div><span style="font-family: arial;">por <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Eugénio Lisboa<br /></b><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><o:p> <br /></o:p></i></span></div><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><div style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">A Rússia não
pode ser entendida,</i></span></div></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><div style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">apenas com a
mente.</i></span></div></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><div style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Fiodor Tiutchev</span></div></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><div style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><o:p> <br /></o:p>“A Rússia é o maior país do planeta, cobrindo um nono da superfície
terrestre, e o nono mais populoso, com cerca de 150 milhões de habitantes. A
Rússia é imensa e tem uma história tumultuosa e fascinante. Não se pode ignorar
a Rússia, porque ela está aí, com a sua grandeza física e com a sua riqueza
material, científica e cultural. Mas eu, como muitos, comecei a conhecer a
Rússia, não pela sua história ou dimensão, mas pela leitura dos seus grandes
escritores do século XIX. Cada um começa por onde pode e pelo que lhe está mais
à mão. Fora-me oferecida, por um generoso colega do meu pai, quando eu ainda
andava no liceu, uma pequena biblioteca com cerca de cem títulos (estante
incluída), entre os quais figurava um razoável acervo de novelas de autores de
todo o mundo, excelentemente traduzidas. Faziam parte de uma preciosa colecção:
as NOVELAS INQUÉRITO, da responsabilidade da inesquecível EDITORIAL INQUÉRITO,
que tanto fez para divulgar, em Portugal, o melhor que havia na literatura de
todo o mundo e de todos os tempos. Entre essas novelas, havia algumas de
Dostoiewsky, de Tolstoi, de Turguenev, de Andreiev… Não era possível mergulhar
nas NOITES BRANCAS ou n’A CONFISSÂO DE STVROGUINE, de Dostoiewsky, sem que um
imenso desassossego se apoderasse de mim. Era um mundo estranho, altamente
emotivo, mesmo convulsivo. Não se entrava nele apenas com a inteligência, como
sugere o autor da epígrafe que escolhi. Inteligência e alta emotividade
combinavam-se, num produto final altamente explosivo. Nenhuma experiência de
leituras anteriormente feitas me preparara para isto. Sentia que o chão me
fugia debaixo dos pés. Nietzsche considerava o autor de CRIME E CASTIGO o maior
psicólogo que jamais existira e Freud clamava que só ele lhe ensinara alguma
coisa sobre a psique humana. Mas não era um ensinamento sereno, de pedagogia
confortável. Entrar naquele mundo subterrâneo era, para quem o empreendia,
aventura de alto risco. Ele não se limitava a instruir-nos: transformava-nos. E
essa transformação tinha uma multiplicidade de direcções possíveis. Se
Dostoiewsky me abalou até às fundações, Tolstoi, com novelas como A MORTE DE
IVAN ILITCH ou o romance RESSURREIÇÃO, que andou anos a escrever e reescrever,
mostrou-me, como disse um grande crítico francês, que, literatura daquela era
como se fosse a própria vida a falar… Turguenev, grande prosador e grande
ficcionista, “apanhou-me” antes das NOVELAS <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>INQUÉRITO, com uma admirável novela de amor
indeciso e nunca consumado, ASSIA, magnífica introdução ao seu universo de
ficcionista. Mas as NOVELAS INQUÉRITO iriam trazer-me mais Turguenev, que,
depois, nunca mais cessei de ler, incluindo as belíssimas MEMÓRIAS DE UM
CAÇADOR. Uma colecção de contos russos, da agora extinta Editora GLEBA, deu-me
a conhecer outros notáveis escritores deste grande e singular país, como
Korolenko , Andreiev, etc. Tcheckov foi-me, por essa altura, dado a conhecer,
por uma admirável novela, UMA HISTÓRIA <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>VULGAR, publicada numa <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>colecção de livros de algibeira: é o relato
dos dias finais de um professor universitário, que se vai despedindo da vida
com o desencanto de quem perdeu todas as ilusões e sem mesmo grande respeito
pelo que foi a sua vida de Professor… De Tcheckov, viria a adquirir a colecção
completa dos seus inesquecíveis contos e a conhecer o seu original teatro, que
vi, encenado em África e um pouco por todo o mundo (incluindo uma produção de
AS TRÊS IRMÃS, encenada por Laurence Olivier, no OLD VIC). Pela vida fora, fui
aprofundando as minhas leituras russas, com Gogol, de quem li sobretudo as
obras curtas e de quem vi, em Londres, uma excepcional produção da sua peça, O
INSPECTOR GERAL, com Pushkine, Lermontov ou Fiodor Sologub, cujo romance O
DEMÓNIO MESQUINHO (na tradução portuguesa da INQUÉRITO, A LOUCURA DE PEREDONOV)
é uma desapiedada incursão aos infernos da loucura. Esta Rússia esteve sempre
comigo, faz parte do meu panteão privado, como faz a sua grande música, desde
os mestres do século XIX até aos gigantes do século XX: Stravinsky, Prokofiev,
Shostakovitch… É uma Rússia que nada tem a ver com os malfeitores que a têm
governado e ainda a governam, da mesma maneira que Aquilino Ribeiro, José
Régio, Miguel Torga, Eugénio de Andrade, Jorge de Sena ou Sophia, Luís de
Freitas Branco, Lopes Graça ou Emanuel Nunes, ou Paula Rego ou Vieira da Silva,
nada têm a ver com um Estado Novo, que os oprimiu, mas não os produziu.
Tcheckov é tanto o produto do czarismo, como Pasternak ou Mandelstam foram produtos
do Stalinismo: eles existiram e produziram, APESAR ou CONTRA os regimes sob que
viveram, mas não foram os felizes corolários de boas políticas culturais desses
regimes. Muita grande cultura e ciência tem sido produzida CONTRA. Eu admiro e
gosto da Rússia e por isso não posso ser contra ela, como já foi sugerido por
quem sabe pouco do que fala. Mas, por isso mesmo que amo e admiro a Rússia, não
posso aceitar quem a maltrata. Os actuais e frenéticos defensores de Putine é
que, de certeza, não gostam da Rússia nem amam os seus verdadeiros valores. Por
isso, não se importam com os maus tratos que os ditadores lhes infligem. A
terra lhes não seja leve!”<br /><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Eugénio Lisboa</b>,
10.03.2024</span><span face="Arial, sans-serif"><o:p></o:p></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-2210493416430687962024-03-10T08:57:00.000+00:002024-03-10T08:57:22.355+00:00Ao Domingo Há Música<div style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjh_fnaEgAL6a1VXfWb7bM4mBB5Ail37v3iyMis0gqq9jCNX87dilTg3i6OB_lWOIR4m4qx7UiopZhTX85sE4FHE1aO6gg756JQFLO59xGG781EkkJVoi7rtqonVzjr1pkCGNxyOpLD8iKgqo1bZPHLjMQME-uWBHYRIj669i049KHCCZtakgEsi76snv3J/s596/IMG-173.webp"><img border="0" height="236" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjh_fnaEgAL6a1VXfWb7bM4mBB5Ail37v3iyMis0gqq9jCNX87dilTg3i6OB_lWOIR4m4qx7UiopZhTX85sE4FHE1aO6gg756JQFLO59xGG781EkkJVoi7rtqonVzjr1pkCGNxyOpLD8iKgqo1bZPHLjMQME-uWBHYRIj669i049KHCCZtakgEsi76snv3J/w425-h236/IMG-173.webp" width="425" /></a></div><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;"><i>⁴
Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece.<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-family: arial;"><i>⁵
Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu.<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-family: arial;"><i>⁶
O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai
girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos.<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-family: arial;"><i>⁷
Todos os rios vão para o mar, e contudo o mar não se enche; ao lugar para onde
os rios vão, para ali tornam eles a correr.<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;"><i>⁸
Todas as coisas são trabalhosas; o homem não o pode exprimir; os olhos não se
fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir.</i></span></p></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><span style="font-family: arial;"> <b><span face="Arial, sans-serif">Eclesiastes 1:4-8</span></b></span></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><p> </p><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Há canções que entram na história da Música, desde a sua estreia. A canção que se apresenta tem tido várias interpretações, ao longo do tempo. Vozes talentosas e ilustres intérpretes pisaram os palcos do mundo para lançar esse grito harmonioso, em jeito de esperada mudança para uma vida que, tal como um rio , nunca deixa de correr. Também o vento vai para o sul e regressa ao norte, num rodopiar contínuo para cumprir os seus circuitos. Assim é a vida. E assim diz a canção:</div><div style="text-align: justify;"><i>I was born by the river in a little tent/Oh and just like the river I been a runnin' ever since/It's been a long, a long time coming but I know/A change gon' come oh yes it will .</i></div></span><div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><span style="vertical-align: inherit;"><span style="vertical-align: inherit;"><b><br /></b></span></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><span style="vertical-align: inherit;"><span style="vertical-align: inherit;"><b>Jennifer Hudson </b>em <b><i>A Change is Gonna Come</i></b> , canção de Sam Cooke , na 47ª homenagem do AFI Life Achievement Award a Denzel Washington , em </span></span></span><span style="font-family: arial;">"Malcolm X".</span></div><div><div style="text-align: center;"><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="285" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/_ZEzUq9th3g?si=-3DsMp8FuEMxhUjK" title="YouTube video player" width="420"></iframe> </div>
<div><span style="font-family: arial;"><span style="vertical-align: inherit;"><span style="vertical-align: inherit;"><span style="vertical-align: inherit;"><span a="" allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" at="" audience="" change="" city="" come="" frameborder="0" front="" gonna="" height="285" iframe="" in="" is="" louis="" mo.="" of="" shock="" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/cEXhZ8PwM-Y?si=h3hMwIllmGRNKiZc" st.="" studio="" studios="" style="vertical-align: inherit;" title="YouTube video player" width="420"></span></span></span></span></span></div></div></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">E a mesma belíssima canção<i>,<b> A Change is Gonna Come</b>, </i>nas vozes de <b>Brian Owens </b>e o pai,<b> Thomas Owens,</b> numa <i> </i></span> interpretação magistral que evidencia <span style="font-family: arial;"> a força do talento para a música, através de gerações. O registo deste cover clássico de Sam Cooke, foi efectuado diante de um público, no Shock City Studios, em St. Louis, MO.</span> </div></span><div style="text-align: center;">. <iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="285" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/cEXhZ8PwM-Y?si=ks8RYFvJqyMDj4sP" title="YouTube video player" width="420"></iframe></div><span style="font-family: arial;">
E o próprio <b>Sam Cooke,</b> em <i><b>A Change Is Gonna Come</b></i> (Official Lyric Video).</span><div style="text-align: center;">
<iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="285" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/wEBlaMOmKV4?si=UlSFpHIXKSzheKux" title="YouTube video player" width="420"></iframe></div>Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-61535222942210179582024-03-09T09:50:00.002+00:002024-03-09T09:50:47.217+00:00Deslumbramentos<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjRJyoUjEKvLbdPtEoc7G_XFPh2yzL7eSL7U_ONZuDcasqXD_I1IpPv-ATDxd_WsONRUu4P6AtRZP-QbksRTmwTfBeh3mN_Ya8Gi96F5PEvnEutnI8G0yG0l22wHxtbex9HQc_d9AE5nIg0cront4QrjYU-gW-qmxjNMwHMRVP3pfnlSJRrVRf38EkU53aK" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="181" data-original-width="279" height="237" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjRJyoUjEKvLbdPtEoc7G_XFPh2yzL7eSL7U_ONZuDcasqXD_I1IpPv-ATDxd_WsONRUu4P6AtRZP-QbksRTmwTfBeh3mN_Ya8Gi96F5PEvnEutnI8G0yG0l22wHxtbex9HQc_d9AE5nIg0cront4QrjYU-gW-qmxjNMwHMRVP3pfnlSJRrVRf38EkU53aK=w400-h237" width="400" /></a></div> </span></div><span style="font-family: arial;"><b>Deslumbramentos<br /></b><b><o:p> <br /></o:p></b>Milady,
é perigoso contemplá-la<br />Quando
passa aromática e normal,<br />Com
seu tipo tão nobre e tão de sala,<br />Com
seus gestos de neve e de metal.<br /><o:p> <br /></o:p>Sem
que nisso a desgoste ou desenfade,<br />Quantas
vezes, seguindo-lhes as passadas,<br />Eu
vejo-a, com real solenidade,<br />Ir
impondo toilettes complicadas!…<br /><o:p> <br /></o:p>Em
si tudo me atrai como um tesoiro:<br />O
seu ar pensativo e senhoril,<br />A
sua voz que tem um timbre de oiro<br />E
o seu nevado e lúcido perfil!<br /><o:p> <br /></o:p>Ah!
Como me estonteia e me fascina…<br />E
é, na graça distinta do seu porte,<br />Como
a Moda supérflua e feminina,<br />E
tão alta e serena como a Morte!…<br /><o:p> <br /></o:p>Eu
ontem encontrei-a, quando vinha,<br />Britânica,
e fazendo-me assombrar;<br />Grande
dama fatal, sempre sozinha,<br />E
com firmeza e música no andar!<br /><o:p> <br /></o:p>O
seu olhar possui, num jogo ardente,<br />Um
arcanjo e um demónio a iluminá-lo;<br />Como
um florete, fere agudamente,<br />E
afaga como o pêlo dum regalo!<br /><o:p> <br /></o:p>Pois
bem. Conserve o gelo por esposo,<br />E
mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,<br />O
modo diplomático e orgulhoso<br />Que
Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.<br /><o:p> <br /></o:p>E
enfim prossiga altiva como a Fama,<br />Sem
sorrisos, dramática, cortante;<br />Que
eu procuro fundir na minha chama<br />Seu
ermo coração, como a um brilhante.<br /><o:p> <br /></o:p>Mas
cuidado, milady, não se afoite,<br />Que
hão-de acabar os bárbaros reais;<br />E
os povos humilhados, pela noite,<br />Para
a vingança aguçam os punhais.<br /><o:p> <br /></o:p>E
um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,<br />Sob
o cetim do Azul e as andorinhas,<br />Eu
hei-de ver errar, alucinadas,<br />E
arrastando farrapos - as rainhas!<br /><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><b>Cesário
Verde, </b>in</span><span style="font-family: arial;"> <b style="font-style: italic;">O Livro
de Cesário Verde, seguido de algumas poesias dispersas, </b>Editorial Minerva,<b style="font-style: italic;"> </b>pp.29-31</span></div></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-74616898351657249042024-03-08T12:41:00.001+00:002024-03-08T14:47:33.609+00:00O texto da mulher traz as novidades arqueológicas<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVP0aJao-U5Jr6nXYhh2tNHtFp0ze1KB05Ubn6eds6wN0GCkCM9KPC-QQfaqAocy8XoFgx84K6wPC1swuLEihivF_gLXn85THzwOBLRTOKsGznuvFMaMhij4gl2emfhnxxr_V6mOoG65XZS7f13JZuhQBOUvHbtoiXwXGj3sYVyGZn3W7VdApoSTGHC6QS/s277/nelidapinon.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="277" data-original-width="182" height="351" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVP0aJao-U5Jr6nXYhh2tNHtFp0ze1KB05Ubn6eds6wN0GCkCM9KPC-QQfaqAocy8XoFgx84K6wPC1swuLEihivF_gLXn85THzwOBLRTOKsGznuvFMaMhij4gl2emfhnxxr_V6mOoG65XZS7f13JZuhQBOUvHbtoiXwXGj3sYVyGZn3W7VdApoSTGHC6QS/w251-h351/nelidapinon.jpg" width="251" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: arial; text-align: justify;"> Nelida </span><span style="font-family: arial; text-align: justify;"> </span><span style="font-family: arial; text-align: justify;">Piñon, ( 1937- 2022)</span></td></tr></tbody></table></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Por se celebrar o Dia Internacional da Mulher , recuperamos uma longa e excelente conversa de Nelida </span><span style="font-family: arial;"> </span><span style="font-family: arial;">Piñon, ( 1937- 2022), no Paiol Literário.</span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">"A escritora
Nélida Piñon foi a convidada da edição de maio de 2009, da quarta temporada
do <b>Paiol Literário</b> — projeto desenvolvido pelo <b>Rascunho</b> em
parceria com o Sesi Paraná e a Fundação Cultural de Curitiba.</div> <div style="text-align: justify;">Nélida nasceu
no Rio de Janeiro, em 1937. Formada em jornalismo, ocupa a cadeira número 30 da
Academia Brasileira de Letras. Em mais de cem anos de existência da
instituição, foi a primeira mulher a integrar sua diretoria e a presidir a ABL.
Em 2005, foi a primeira escritora de língua portuguesa a receber o Prêmio
Príncipe de Astúrias (Espanha). É autora de cerca de 20 livros, entre os
quais <b>Vozes do deserto</b>, <b>A casa da paixão</b>e <b>A
república dos sonhos</b>. Recentemente, lançou pela Record <b>Coração
andarilho</b>, uma obra com memórias de sua infância.</div><div style="text-align: justify;">No dia 5 de
maio, no Teatro Paiol, em Curitiba, durante o bate-papo mediado pelo escritor e
jornalista José Castello, Nélida Piñon falou sobre sua infância no Brasil e na
Galícia, sua formação literária e seu amor pela oralidade e pelas diferenças
culturais, relembrou sua amizade com escritores como Philip Roth, John Updike,
William Styron e Clarice Lispector e discorreu sobre feminismo, engajamento
político e o papel da mulher na literatura.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>• Uma
invenção humana</b></div></b><div style="text-align: justify;">Vejo a literatura como um instrumento excepcional da nossa civilização. Ela
ajuda a esclarecer o mundo. Quem nós somos? Quem nós fomos? Lendo a <b>Ilíada</b>,
você pode imaginar quais foram os sentimentos de Aquiles ou de Príamo. Você se
pergunta: “Por que esse fervor pela narrativa?”. Porque o ser humano precisou
narrar, para que os fatos da vida, da poética do cotidiano, não desaparecessem.
Enquanto o ser humano forjava a sua civilização, dava combate aos deuses e
procurava entender em que caos estava imerso, ele contava histórias. Para que
nada se perdesse. Não havia bibliotecas. No caso de Homero, os aedos — e quase
podíamos intitulá-los os poetas da memória — memorizavam tudo para que os fatos
humanos não se perdessem. E, assim, a angústia em relação à apreensão da vida
real, o real humano, visível, intangível, esteve presente em todas as
civilizações. Nas nossas Américas, por exemplo, houve entre os incas uma
categoria social, a dos amautas, que tinha por finalidade única memorizar. Memorizar
para que os povos não se esquecessem das suas próprias histórias. Quer dizer, a
literatura não foi uma invenção dos escritores, gosto muito de enfatizar isso.
Foi uma invenção humana.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>• Somos
singulares</b></div></b><div style="text-align: justify;">Milhões de pessoas já leram <b>Dom Quixote</b>. Milhões, em diferentes
línguas. Mas é o mesmo livro para diferentes leitores. Isso prova que a
literatura dá visibilidade a quem somos, a nossos sentimentos mais secretos,
mais obscuros, mais desesperados, às esperanças mais condicionais do ser
humano. E a literatura conta histórias porque os sentimentos precisam de uma
história para que você se dê conta deles. Então, a literatura pensou em dar
conta de quem somos, dessa nossa complexidade extraordinária. Porque somos
seres fundamentalmente singulares. E, por isso, a literatura é singular.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>• Leitores
sedutores</b></div></b><div style="text-align: justify;">Se vocês tiverem o hábito de ler, vão ingressar em um mundo tão fascinante que,
de imediato, os fará se tornarem criaturas sedutoras. Porque a leitura também
nos dá uma condição erótica. Com as palavras na mão, você se torna uma pessoa
sedutora. Uma pessoa afásica tem que ter um rosto belíssimo para poder seduzir.
Já um feinho, ou uma feinha, se tiver o dom da palavra, se for capaz de imantar
platéias, pessoas ou amores com a palavra… Não é forçoso dizer que a leitura
nos obriga a abrir os olhos. Com ela, você vê o que não tinha visto até então,
você se torna muito mais crítico. No entanto, através da leitura, você vai
criando o seu conceito, o seu código de consciência. Eu, por exemplo, pude
entender o que era a minha consciência — mesmo que de forma precária — quando
li <b>Crime e castigo</b>, de Dostoievski. Foi um choque profundo na minha
vida. Então, quem somos nós sem a leitura, sem folhear a intimidade de um
livro? E essa é uma intimidade imensa, como a intimidade da cama, talvez. Ou
talvez não, pois a cama se divide, e o livro não. É só você e ele: o livro, os
ditames do livro, a imaginação do livro. Você voa enquanto o texto voa com
você.</div><b><div style="text-align: justify;"><b><i>“O que
salva a alma do texto é a sua conexão com a alma popular.”</i></b></div></b><b><div style="text-align: justify;"><b>• Coração
andarilho</b></div></b><div style="text-align: justify;">Desde menina, eu sou eu. Sou um coração andarilho. Sempre fui uma grande
aventureira. Quando criança, meu ideal de vida era pular a janela e sair mundo
afora, sem jamais dormir uma segunda noite debaixo do mesmo teto. Uma vida
extraordinária. De certo modo, quis ser escritora atraída pela aventura. Eu era
leitora de Karl May — e de Monteiro Lobato, também —, e achava que a literatura
era escrita por alguém que vivera as aventuras que contava. Então, eu queria
viver aquelas experiências, aquele mesmo sentimento de aventura ao entrar numa
sala, numa casa, numa festa, queria ter a sensação de que ocorreria algo que
mudaria minha vida para sempre. Era uma disponibilidade extraordinária a que eu
tinha. Hoje, já não tenho mais isso, não. Não sinto nada. Entro e, se eu for
surpreendida, será uma graça do Espírito Santo.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>• Tudo era
meu pai</b></div></b><div style="text-align: justify;">Meu pai, Lino, me estimulou demais. Ele ficava perplexo diante daquela filha
que queria tanto e não falava o tanto que queria. E, para controlar essa minha
avidez, essa curiosidade insaciável, ele não me dava mesada. Era o único modo
que o coitadinho tinha para me controlar. No mais, eu era uma menina bem
educada, que foi crescendo, sempre desejosa de ser escritora, ainda que
ignorasse o sentido ético e estético da escritura. Eu não tinha noção alguma,
mas já fazia o meu jornalzinho, com minhas ilustraçõezinhas, e o vendia para o
meu pai — quer dizer, já tinha noção de direitos autorais (<i>risos</i>). E o
meu pai comprava cada exemplar. Tudo era meu pai.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>• Hino à
invenção</b></div></b><div style="text-align: justify;">Se vocês não acreditarem no que estão lendo, não haverá literatura possível.
Deve haver uma aliança entre o leitor e o texto que está sendo lido, digerido.
Quanto a isso, Karl May me causou uma impressão extraordinária. Ele era um
homem culto, na Alemanha do século 19, que nunca tinha ido aos Estados Unidos.
Portanto, não conhecia o Oeste americano. Mas criou dois grandes personagens,
um representando a velha Europa, Old Shatterhand, um herói do Oeste americano,
e Winnetou, um apache que encarnava a nobreza dos índios de lá. (…) Em certo
momento de uma história, Old Shatterhand pergunta: “Winnetou, onde estão os
assassinos? A quantas horas de nós, mais ou menos?”. E Winnetou solene, desce
do seu cavalo, deita-se, põe o ouvido no chão e fica ali por algum tempo.
Depois, se põe de pé e, com aquela voz de chefe, diz: “Estão distantes de nós
tantas horas”. E completa: “São tantos cavalos”. Winnetou chega até a definir
que cavalos seriam aqueles: garanhões, mustangues, etc. Mas o que mais me impressionou
— e agora nem sei mais se estou inventando isso — é que ele também disse o
seguinte a Old Shatterhand: “E a um dos assassinos falta o braço direito”. Como
faltava um braço ao assassino, seu cavalo não fazia pegadas tão profundas na
terra. E aquilo, para mim, era um hino à capacidade de inventar. Você pode
aceitar qualquer coisa, desde que você seja um aliado do texto. Tudo é possível
na criação, desde que haja talento e credibilidade.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>• Galega e
brasileira</b></div></b><div style="text-align: justify;">Percebi muito cedo que eu era uma mulher de duas culturas. Eu não tinha uma
cultura só. Desfrutava os benefícios de duas culturas próprias, com suas
respectivas miscigenações e idiossincrasias, com línguas distintas e
imaginários diferentes. Desde menina, me percebi habitante de uma casa
diferente. Porque uma menina que comia polvos com oito pernas não podia ser a
mesma que comia feijão com arroz. Minha imaginação era atada a um animal
pré-histórico que rastejava nas areias do oceano e que, para ser comido,
precisava antes levar uma surra no tanque. Aquilo, para mim, era perturbador,
mas eu o aceitei com naturalidade. Fui vivendo com o que o mundo me dava. Os
suspiros da minha avó eram muito delicados, talvez tivessem a nostalgia da distância
atlântica. Eu até disse, no meu discurso de admissão na Academia Brasileira de
Letras: “Advogo que sou uma brasileira recente”. Isso, até aquela época;
depois, eu já não achava tanto. Mas me senti, durante toda minha formação, uma
brasileira recente, o que foi muito importante para mim. Eu era uma cristã
nova, mas não tinha abjurado nenhuma fé. Eu estava construindo uma fé.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>• As
diferenças</b></div></b><div style="text-align: justify;">Estou sempre
viajando e me sinto bem no mundo. Não dou as costas ao lugar que me tem como
visita. Eu me sinto bem. Estou bem entre vocês. Se de repente houver algum
mal-entendido, pode haver alguma tensão, mas sei que tudo é contornável. E, se
não for contornável, lamento. Sou aguerrida na resistência, mas não sou uma
mulher que briga por razões que minha razão já superou. Tento ser cúmplice da
vida. Só posso reagir diante da violência, mas, diante das diferenças que
predominam entre nós, não reajo. Compreendo, absorvo e levo para casa o padrão
da diferença, para poder pensar sobre ela.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>• A infância
na Galícia</b></div></b><div style="text-align: justify;">Levamos para a Galícia baús, baús e mais baús com goiabada, marmelada, café,
sabonete. Tudo que não perecesse, nós levávamos. Chegamos lá em novembro, no
frio, naquela neblina. Fiquei horrorizada. Meu pai estimulava o meu afeto por
aquela nova raça, pelos nossos parentes. Ele dizia: “Olha a Fulana”. E era todo
mundo vestido de negro, umas mulheres sinistras que, quando me abraçavam,
usavam uma língua que eu não entendia, que achei truculenta, uma língua
ruidosa, cuja origem só depois fui entender e amar. Amei a suavidade da língua
galega, amei aquele país. Como amo profundamente, claro, a minha terra, o
Brasil. Tanto que, até hoje, não aceitei o passaporte da União Européia. Eu
quero o meu verdinho. Mas a Galícia foi fundamental à minha formação. Dilatou o
meu imaginário, o meu sentimento narrativo. Porque os galegos são grandes
narradores orais, além de grandes escritores. Quando narram, você tem a
sensação de que nenhuma história está autorizada a chegar ao seu final. A
história se prorroga. E é verdade: a grande história não termina. Acaso vocês
terminam de ler a <b>Ilíada</b>?</div><b><div style="text-align: justify;"><b>• Oralidade</b></div></b><div style="text-align: justify;">Sou muito atraída pela fala do outro, pela oralidade, pela tradição da
oralidade. A oralidade está presente nas nossas opções estéticas, na nossa
maneira de escolher quase que moralmente um texto. Ela vem de longe, e dela
você extrai o material com o qual vai compor a sua história, o seu pensamento
literário, mas, evidentemente, através do que se chama linguagem. A oralidade
me comove muito. Sempre digo que nós, escritores, devemos muito àquelas pessoas
do povo que nos foram cedendo um material quase que ilícito, no melhor sentido,
para que pudéssemos escrever. São seres que abriram as veias de seus corpos
sociais para que pudéssemos escrever. É uma doação total. Tanto que as pessoas
tendem a dizer: “A minha história daria uma narrativa”. É certa ingenuidade,
mas uma ingenuidade generosa. (…) Eu homenageio esse sentimento da oralidade no
meu romance <b>A república dos sonhos</b>, em que eu forjo uma personagem
chamada Xan, um galego culto, modesto, um camponês que tinha como primeira
vocação contar histórias. Ele gostava de ter um círculo não de leitores, mas de
ouvintes, e, quando alguém mostrava certo desinteresse por sua história, ele
adicionava ingredientes novos ao que estava contando. E, se alguém demonstrasse
impaciência porque a estória se prolongasse em excesso, ele dizia: “Quem não
tem paciência não merece ouvir histórias”. Então, Xan é um personagem muito
admirado. As pessoas gostam muito dele. É o símbolo dessa oralidade, que é o
que costura o texto. O que salva a alma do texto é essa sua conexão com a alma
popular.</div><b><div style="text-align: justify;"><b><i>“Quando criança, meu ideal de vida era pular a janela e
sair mundo afora, sem jamais dormir uma segunda noite debaixo do mesmo teto.
Quis ser escritora atraída pela aventura.”</i></b></div></b><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Mundo irreconhecível</b></div></b><div style="text-align: justify;">Eu me interesso por tudo. E espero poder ser assim por muitos anos. Já disse a
um amigo, muito íntimo: “Se você sentir que minha cabeça não está a mesma, me
encerre em algum lugar”. E ele, sério, como se eu tivesse lhe delegado uma
missão: “Mas como é que nós vamos fazer?”. Não sei. Não me exponham a um mundo
que eu não reconheço mais.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Daniel e o anagrama</b></div></b><div style="text-align: justify;">Primeiro, o meu avô Daniel ficou muito aborrecido. Era um homem de temperamento
muito forte e desejava que a sua netinha se chamasse Pilara. Nome horrível:
Pilara Piñon. Então, uma de minhas tias amadas, linda, o enfrentou: “O senhor
teve tantas filhas e nunca usou esse nome. Essa menina vai se chamar Nélida”.
(…) Anos depois, pouco antes de eu tomar posse na Academia, um jovem mineiro,
Tadeu, disse que seu sonho era me conhecer. Eu disse a ele: “Se o seu sonho é
esse, meu bem, é muito fácil realizá-lo. Venha até aqui”. Ele almoçou na minha
casa, me fez algumas perguntas e, depois, me escreveu: “Que coisa interessante,
essa sua família. Resolveram tudo com esse anagrama perfeito, <i>Nélida</i> Piñon”.
Aí, fui ver aquilo correndo. E era isso mesmo: Daniel e Nélida. (…) Esse avô,
Daniel, se apaixona por sua neta e a leva a todos os lugares. E me dizia para
olhar as fachadas arquitetônicas, ouvir o movimento do vento. Tudo ele me
ensinava. E me ensinava, muito, a comer: “Aprenda, sobretudo, a devolver
pratos. Não gostou, devolva!”. (…) Uma vez, eu estava na Hacienda de los
Morales, uma fazenda que, devagar, foi sendo incorporada pela expansão urbana
do México, uma fazenda linda, onde as pessoas fazem festas e jantares. Lá, uns
40 intelectuais mexicanos me ofereceram um almoço lindo. No final,
desenvolveu-se o que eles chamam de tertúlia, uma conversa informal, com
charutos, bebidas, conhaques e digestivos, e começaram a me fazer perguntas.
Uma delas veio de um senhor: “<i>Cuéntame</i> de seu avô, de quem você
fala com tanta devoção”. Comecei a contar: “Meu avô me ensinou até a preparar o
charuto dele. Eu o cortava e servia para ele com um conhaque, para que ele o
mergulhasse nele. Às vezes, depois de meio caminho já andado, fumado meio
charuto, ele o mergulhava num conhaque”. Aí, me ocorreu pela primeira vez o
seguinte: há aquele livro, <b>Gigi</b>, da escritora francesa Colette. Era
a história das grandes cortesãs de Paris, que vão educando filhas e sobrinhas
para que venham a ser grandes cortesãs também. Então, eu lhes disse: “De certo
modo, meu avô, sem saber, me ensinou a ser uma grande cortesã”.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Meus grandes mortos</b></div></b><div style="text-align: justify;">A gratidão. Se eu posso ter uma virtude, é essa. Porque a gratidão e a lealdade
são muito importantes. Quando me telefonaram, de forma secreta, e me disseram
que eu seria a vencedora do Prêmio Príncipe de Astúrias, recebi a notícia com
muita serenidade, sabendo de que se tratava do segundo grande prêmio literário
internacional. Fui para o meu escritório, terminei uma coisa que tinha que
fazer e, depois, dediquei um tempo a relembrar meus grandes mortos. Não só da
família, que me deu tanto, mas também dos grandes amigos. Me lembrei até sabe
de quem? De Afrânio Coutinho, que foi muito querido, muito generoso comigo. Foi
assim: repassei a minha vida, agradecendo.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Amizade não é terremoto</b></div></b><div style="text-align: justify;">Eu gostaria de entoar um hino à amizade. Acho que a amizade é um patrimônio
excepcional. Acho a amizade mais importante que o amor. Porque os amores se
sucedem. Infelizmente, o amor não é eterno — mas a amizade pode ser. A amizade
tem certos desprendimentos que o amor não tem. Na amizade, não há interesse na
carne. E a carne é muito revolucionária e perturbadora. O desejo que permeia a
relação amorosa é uma coisa de você não saber como se situar no mundo. É um
terremoto. E a amizade não é um terremoto. Ela pode ser serena e intensa, mas,
de algum modo, lhe oferece estabilidade. É uma aposta que você faz no outro,
sem maiores interesses. Não está em pauta o dinheiro, não está em pauta a
satisfação sexual, a procriação, nada. Sempre acreditei na amizade. E quis a
vida que, desde muito cedo, fui conhecendo pessoas fascinantes. Me dei muito
com grandes cantoras. Conheci Maria Callas. E Renata Tebaldi tinha muito afeto
por mim. Cheguei a pertencer a um grupo — olhem só as veleidades da juventude —
de apaixonados por ópera.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Ou pianista ou escritora</b></div></b><div style="text-align: justify;">Eu nunca quis estudar nada, só quis ser escritora. Inclusive, uma vez, eu
estava em uma mesa, fazendo assim, como se tocasse piano, e falei: “Minha mãe,
quero tocar piano”. E ela perguntou: “Minha filha, você quer ser escritora ou
pianista?”. Porque ela já tinha um fracasso na família, minha tia Celina, que
eu quero muito bem. Ela tinha feito o curso completo na Escola Nacional de
Música, mas não tocava mais nada. Então, minha mãe disse: “Você escolhe: ou
pianista ou escritora”. E eu só queria ser escritora. Mas até hoje tenho uma
coleção ótima de balé, de ópera. E escrevia cartas para os grandes críticos de
balé. Tudo isso foi me preparando para a literatura. Eu não me aproximava de
nenhum escritor. Só fui conhecer alguns escritores de perto em 1960. A própria
Clarice Lispector. Fui levada a casa dela sem saber. E Clarice, com aquele
temperamento especial, aceitou me dar isto de presente: a oportunidade de
conhecê-la.</div><b><div style="text-align: justify;"><b><i>“Em um país sem literatura, não dá para vender nem uma
geladeira. Para ser original, uma geladeira tem que ter uma literatura atrás
dela.”</i></b></div></b><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Clarice</b></div></b><div style="text-align: justify;">Um ou dois anos antes de conhecer Clarice, comprei na Kopenhagen um carrinho
com ovinhos de chocolate e escrevi no cartão: “Foi então que aconteceu. De pura
afobação a galinha pôs um ovo”. Não assinei e deixei o carrinho na casa dela,
porque não queria, não desejava aceitar a condição de fã. Queria, um dia, ser
amiga de Clarice, e em igualdade de condições, com o devido respeito. E isso
aconteceu. Foi uma amizade de 18 anos, que só terminou com a morte dela. Fiquei
com ela, no hospital, os últimos 40 dias, segurando sua mão esquerda, e a Olga
Borelli, sua mão direita. Posso falar sobre isso agora. Antes, não falava sobre
Clarice. Me dava muita dor.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Três milionários</b></div></b><div style="text-align: justify;">Conheci Philip Roth, William Styron e John Updike. Philip Roth me levou para
jantar e fez um vaticínio interessantíssimo. Na época, ele era uma promessa,
mas ainda não tinha essa dimensão, essa grandeza de hoje. Ainda não havia
escrito <b>O complexo de Portnoy</b>, e sim <b>Adeus, Columbus</b>.
Naquele momento, quem estava fazendo um grande sucesso — e que depois eu também
conheci, mas muito pouco — era Saul Bellow, com <b>Herzog</b>, o primeiro romance
de alta categoria que também se tornaria um <i>best-seller</i>. Isso era
uma novidade. E estávamos, Roth e eu, conversando num restaurante, quando ele
me disse: “De agora em diante, será assim. Os próximos a fazerem um milhão de
dólares serão John Updike, William Styron e eu”. E todos esses três, em xis
anos, fizeram um milhão de dólares, se tornaram <i>best-sellers</i>.
Styron, com <b>As confissões de Nat Turner</b>; Roth, com <b>O
complexo de Portnoy</b>; e Updike, com <b>Casais trocados</b>.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Letras e armas</b></div></b><div style="text-align: justify;">Conheci muitos escritores, enfim. Companheiros de letras, companheiros de
armas. E eles devem ter imaginado que eu seria — desculpem dizer isso a vocês —
digna dessa amizade. Não detectaram em mim oportunismo, isso é muito importante
que se diga, mas, sim, igualdade de condições, de trabalho. Embora eu fosse,
como gosto de dizer, uma brasileirinha. O Brasil ainda é muito desconhecido,
quanto mais naquela época. Então, eu sempre esperava por oportunidades. E elas
aconteceram. Eles foram mantendo essa nossa amizade, um convívio muito bonito e
muito generoso da parte deles, e acho que da minha parte também, porque eu lhes
levei o espírito de uma mulher independente, que buscava também o
reconhecimento da dignidade literária de uma mulher. Eles sabiam que eu era
feminista, sabiam também que eu era alguém que não avançava, que não ia além de
minhas medidas, e tudo isso foi beneficiando a nossa amizade.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Rede de ilusão</b></div></b><div style="text-align: justify;">Eu não queria ser só uma nacionalista exagerada. Queria ser uma brasileira,
assim como eu sou. Queria saber tudo do Brasil, queria me formar. Levem em
conta que eu era uma imigrante de origem. Isso eu tive muito presente: eu era
recente no Brasil e me cabia descobrir as contrafacções brasileiras. Essa
costura me ajudou a pensar o país. Lembro de haver dito, uma vez, ao meu
querido Ignácio de Loyola Brandão, um homem combatente: “Virão tempos negros,
Ignácio”. Sabíamos que a democracia estava vindo, e ele me perguntou: “Mas por
que você diz isso?”. E eu: “Porque fomos amigos, íntimos, generosos uns com os
outros, mas até agora. Não seremos mais, vai haver uma grande batalha pelo
poder literário e, se não tomarmos cuidado, vamos cair nessa armadilha. Além do
mais, a prática democrática virá com falhas imensas, então temos que estar
muito atentos”. Então, tudo isso eu vivi atenta. Mas acho que fomos caindo numa
rede de ilusão, achando que o mundo estava resolvido. As próprias mulheres,
hoje em dia, dispensam o feminismo. Como se fosse possível dispensar um
movimento ainda em pauta.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Geladeiras e literaturas</b></div></b><div style="text-align: justify;">Como é que podemos ser um país que ainda tem não sei quantos milhões de
analfabetos ou de praticamente analfabetos, alfabetizados funcionais? É um país
ainda muito marginalizado. Como é que podemos ser prudentes nos nossos anseios
libertários? Ficando na questão do escritor, o escritor é ainda marginalizado.
Nós sustentamos a obra literária, nós damos ao Brasil, à custa de nosso
esforço, de nosso tempo e de nosso dinheiro, uma literatura que é um patrimônio
concreto, e não temos nenhuma facilidade. Cinqüenta, sessenta anos depois da
nossa morte, nossos livrinhos caem em domínio público. Quer dizer, passam a ser
domínio da literatura brasileira. E, em um país sem literatura, não dá para
vender nem uma geladeira. Para ser original, uma geladeira tem que ter uma
literatura atrás dela. (…) Então, gostaria dizer que os novos discursos devem
ser retomados levando-se em conta o ecossistema, a questão da água, a questão
ambiental e a dos animais, que hoje em dia é um dos temas que mais me atraem.
Acho que o sistema da linguagem está perdendo substância. É uma sangria léxica,
tudo isso, a escola brasileira, que é da pior categoria, a escola pública. Há
debates que devem ser feitos e levados adiante.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Estética adocicada?</b></div></b><div style="text-align: justify;">Se você for analisar, o trato que a crítica ensaística e que o leitor dedicam à
mulher é inferior ao que dedicam ao homem. Ao homem, basta escrever um bom
romance para ser aprovado, às vezes um romance médio. Uma mulher, para ser tida
como grande escritora, precisa fazer uma grande obra e, mesmo assim, não terá
tantos leitores quanto os homens. É verdade. Não há na sociedade brasileira um
interesse profundo pela produção da mulher. Como se o que a mulher pensa fosse
alguma coisa que pudesse ser naturalmente desqualificada, ou como se fosse uma
estética edulcorante, adocicada.</div><b><div style="text-align: justify;"><b><i>“Eu sou homem, eu sou mulher, eu sou bicho, eu sou vegetal,
eu sou mineral. Não sendo tudo isso ao mesmo tempo, eu seria um ser pela
metade.”</i></b></div></b><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Um ser total</b></div></b><div style="text-align: justify;">Eu, por exemplo, me rebelo. Quer dizer, eu me rebelo, eu me oponho, porque sei
que faço uma literatura de primeira. Não é por vaidade que digo isso, é puro
reconhecimento prático. Mas quando digo que sou uma feminista, não quero dizer
que meu livro seja feminista. Isso é outra coisa. Agora, vocês podem me
perguntar o que é que eu sou quando escrevo. Eu sou um ser total, sou alguém
que acredita naquela vocação protéica de Proteu, não das proteínas. Eu sou
homem, eu sou mulher, eu sou bicho, eu sou vegetal, eu sou mineral. Não sendo
tudo isso ao mesmo tempo, eu seria um ser pela metade. Vejam, por exemplo,
Flaubert, e a grandeza de <b>Madame Bovary</b>. Ele diz: “Eu sou Ema”.
Quer dizer, é uma alternância de carnes, de sexos, de espíritos.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>•
Novidades arqueológicas</b></div></b><div style="text-align: justify;">A minha posição é a de quem olha o horizonte humano e recolhe o que há de
disponível. Vou fazer a grande filtragem através da história que conto e
através da escritura, da coisa mais mágica que é a linguagem. A linguagem é o
grande ditame. Agora você, sendo mulher e, portanto, alguém egresso de um mundo
obscuro, de um mundo marginalizado, de um mundo doméstico sem maiores
perspectivas criadoras, e sendo também alguém que chegou muito recentemente ao
mundo da cultura — porque essa é a verdade, até bem pouco tempo atrás, muitas
mulheres eram analfabetas —; sendo tudo isso, você ganha na sua psique, porque
toda psique humana é arqueológica. Ao longo dos milênios, a mulher esteve
presente em todos os instantes da história, embora posta de lado. Mas ela
recolhia pedaços, e com eles, com essas sobras, precisou intensificar a
invenção para completar o que lhe faltava. Então, tendo esses resíduos em sua
memória, e que são excepcionais, ela também guarda nas suas idiossincrasias, em
seu repertório pessoal, aquela noção de que foi segregada. E esse elemento é
muito interessante para a ficção. Porque você vai colocá-lo dentro do texto.
Cada ser enriquece seu texto com sua experiência pessoal, com a experiência da
sua língua, com a experiência do seu país, com a experiência do seu tempo. Tudo
isso faz com que o seu texto se distinga. E o texto da mulher pode ter, em suas
entranhas, essas novidades arqueológicas."</div></span></div>Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-12835261171093414692024-03-08T10:12:00.000+00:002024-03-08T10:12:10.021+00:00Fome de saúde<div style="margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: arial;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjowOdfOzBmrDXi9ZOpWpgRCww6pYwZIgkKMQQ9bUzAqhcjkee-SKe7WufYzIgiQFBYRXfloOvfn8fTsHqh40zl-MvDYyOVMTMRm2S47Ix5xG018ZwjrY0tIu83giNvDn1X4zVYZk_e1FI7ZOmepa4AKHp8YVhbx4FO2X443vfCdeTjsvYKRJbEnKZPFFAG/s602/86b1fa_01c9e6d2437045a39b2a0efe546f995c~mv2.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="602" data-original-width="423" height="362" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjowOdfOzBmrDXi9ZOpWpgRCww6pYwZIgkKMQQ9bUzAqhcjkee-SKe7WufYzIgiQFBYRXfloOvfn8fTsHqh40zl-MvDYyOVMTMRm2S47Ix5xG018ZwjrY0tIu83giNvDn1X4zVYZk_e1FI7ZOmepa4AKHp8YVhbx4FO2X443vfCdeTjsvYKRJbEnKZPFFAG/w276-h362/86b1fa_01c9e6d2437045a39b2a0efe546f995c~mv2.webp" width="276" /></a></div></span><span style="font-family: arial;">Cesáreo era um homem doente</span></div><div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="font-family: arial;">e a doença isola uma pessoa.<br />Sentia-se anormal e impotente<br />e o cheiro da doença destoa!<br /><o:p> <br /></o:p>Sonhava com saúde e cheiro bom,<br />que lhe dessem força e energia.<br />Queria a vida certa, como um dom,<br />que lhe trouxesse de novo a alegria!<br /><o:p> <br /></o:p>Por isso, um dia, num verso imortal,<br />querendo a saúde, para madrinha,<br />disse que, aromática e normal,<br /><o:p> <br /></o:p>era a mulher que mais lhe convinha.<br />Não a quis formosa ou sensual,<br />mas, tão só, aromática e normal.<br /><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>08.03.2024<br /><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Eugénio Lisboa<br /></b><o:p> <br /><div style="text-align: justify;"><b>NOTA:</b> Este poema é,
se quiserem, uma modesta contribuição, para a busca do sentido profundo
daqueles dois adjectivos (aromática e normal) que constituíam, para Cesáreo, a
sedução máxima que uma mulher podia, para ele, ter, na situação em que se
encontrava.</div></o:p></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-65769089790018362522024-03-07T18:29:00.000+00:002024-03-07T18:29:09.823+00:00 Rimas em hás de<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhF8vHDHgOI8cdXeT4nh4-OAEVfkLbxQB5IpmGW6zYf4SU_sAgyE4fBUp1RjAOUIYYhfsi8YhvU76X5FSYlBhJ2CYVbygQjfnbD02QL3VhA-fYk0YzOn8WqapFUuAWskaP_sYILhLkKgNkBD_nh-KwfdEmdcHMWB03W0EN6X37O-YlraSjWOI7ndn5Amrkj/s1024/gmQbdJc6TmS9OqCALjdHDw.webp" imageanchor="1" style="font-family: arial; font-weight: bold; margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="372" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhF8vHDHgOI8cdXeT4nh4-OAEVfkLbxQB5IpmGW6zYf4SU_sAgyE4fBUp1RjAOUIYYhfsi8YhvU76X5FSYlBhJ2CYVbygQjfnbD02QL3VhA-fYk0YzOn8WqapFUuAWskaP_sYILhLkKgNkBD_nh-KwfdEmdcHMWB03W0EN6X37O-YlraSjWOI7ndn5Amrkj/w344-h372/gmQbdJc6TmS9OqCALjdHDw.webp" width="344" /></a></div><div style="text-align: center;"><b style="font-family: arial; text-align: left;"><o:p><br /></o:p></b></div><span style="font-family: arial;">Num dia bem assinalado, hás de,<br />ir verificar, com toda a acuidade,<br />se o ser humano é mesmo capaz de<br />prosseguir toda esta ruindade,<br /><o:p> <br /></o:p>seja na Ucrânia ou seja em Gaza.<br />Fá-lo como fez aquele S. Tomaz de<br />Aquino, homem cuja manha arrasa<br />e vai ver o que o homem tem assaz de<br /><o:p> <br /></o:p>maldade, antes de te pronunciares.<br />Sonda Putines e Netanyahus,<br />que são de Satanás, bons exemplares.<br /><o:p> <br /></o:p>Segundo alguém, não há rapazes maus,<br />porque não viu amostra de cabrões,<br />canastrões, ladrões e assaz fanfarrões.<br /> 07.03.2024</span></div><div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><b>Eugénio Lisboa</b></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-11470758105085200062024-03-07T10:40:00.000+00:002024-03-07T10:40:02.284+00:00Um coração simples<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;"> </span><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5lY1t4PRKirtvYBnaGnQgt3D08fWVh8X1hPKTXseY3NokdnRE-eQMTQqv2oBsUvGm8sH2ZSOv8G9Z4vAdGzh8nefkm6i0pMC9ZulAKnWttjDj1cO7HFXrsp4r21Hh7UCzZAna2XxG0uWkqZX1b1NvbNApN7gVRNg4WhOoUiFMzpB9hUo8_19RsXMCiV02/s513/um_coracao_simples_capa_HR_360x.webp" imageanchor="1" style="font-family: arial; margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="513" data-original-width="360" height="391" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5lY1t4PRKirtvYBnaGnQgt3D08fWVh8X1hPKTXseY3NokdnRE-eQMTQqv2oBsUvGm8sH2ZSOv8G9Z4vAdGzh8nefkm6i0pMC9ZulAKnWttjDj1cO7HFXrsp4r21Hh7UCzZAna2XxG0uWkqZX1b1NvbNApN7gVRNg4WhOoUiFMzpB9hUo8_19RsXMCiV02/w295-h391/um_coracao_simples_capa_HR_360x.webp" width="295" /></a><span style="font-family: arial;"><br /><br /></span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><b>Um coração simples</b></div><div style="text-align: justify;">Flaubert
desloca o interesse para a interioridade mais profunda da personagem — e isso é
capaz de vitalizar todo o texto</div><div style="text-align: justify;">por<b>
Luiz Antonio de Assis Brasil</b></div><div style="text-align: justify;">“Quase sempre acontece que um grande autor, consagrado nos quatro cantos do
mundo, tenha as assim chamadas “obras menores”, isto é, sem a relevância das
outras; são pouco lidas, pouco citadas, e isso se deve, em parte, às suas
pequenas dimensões, que podem induzir à menoridade de seu conteúdo: e aí temos
de exemplo, dentre outras, em <b>A fera na selva</b>, de Henry
James, <b>Bartleby</b>,<b> o escriturário</b>, de Herman
Melville, <b>O velho e o mar</b>, de Hemingway e <b>A morte em Veneza</b>,
de Thomas Mann. Muitos críticos assinalam que, às vezes, essas pequenas ficções
são as obras-primas de seus respectivos autores — assim penso em relação
a <b>A fera na selva</b>. Palpites à parte, vamos falar de <b>Um
coração simples</b> [ou <b>Um coração singelo</b>, segundo outra
tradução], de Gustave Flaubert, o imenso autor de <b>Madame Bovary</b>.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>2.</b></div></b><div style="text-align: justify;">Esse coração simples
pertenceu a uma empregada doméstica do interior rural da França, chamada
Félicité [Felicidade]. A época é a metade do século XIX. Tudo sugere uma série
de lugares-comuns sociológicos e da história dos costumes: maus-tratos,
trabalho exaustivo e sem horário, submissão, revolta interna que não pode se
expressar ou, se essa revolta acontece, é uma vez só, e acaba com o assassinato
dos patrões. Isso aconteceu, e muito, na sociedade brasileira escravocrata. A
vitimização permanente e passiva da personagem, contudo, não gera conflito e,
portanto, não resulta numa obra literária. Sucede que, agora, estamos perante
um ficcionista que sabe o que deseja, e que desloca o interesse para a
interioridade mais profunda da personagem — e isso é capaz de vitalizar todo o
texto. Os episódios, por poucos e triviais, são apenas o meio pelo qual
conhecemos aquilo que importa em Félicité, e daí se repete uma consideração: o
que realmente vale, numa ficção, o que de fato empolga um enredo, é a
personagem, não pelo que ela é externamente, mas por sua questão essencial, a
que o leitor terá acesso por pequenos gestos e meias-palavras, as quais vêm a
constituir uma teia em que tudo faz sentido.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>3.</b></div></b><div style="text-align: justify;">O coração simples de
Félicité é um dos corações mais complexos da literatura francesa. Não porque
tenha contradições, que isso é coisa banal, e contradições, por si mesmas, não
instituem nem complexidade nem originalidade. O grande feito de Flaubert foi criar
um poderoso conflito sem que Félicité se contradiga, operando apenas o universo
de sua alma que, sendo <i>simples</i>, nos mantém no contínuo sobressalto
do enigma — aqui, Flaubert usa de um recurso literário que muito raramente
falha: faz com que o leitor saiba mais do que a personagem; nós, leitores,
sabendo mais do que ela as razões íntimas de Félicité, acompanhamos a sua
precipitação num vórtice sem retorno, e então, mágica da técnica flaubertiana,
nada podemos fazer contra isso, e seguimos em agonia sua caminhada para a
loucura e a morte.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>4.</b></div></b><div style="text-align: justify;">Não se pode pedir de
Flaubert conhecimentos psicanalíticos — bom que seja assim: atualmente grande
parte dos escritores insiste em psicanalisar suas personagens, remetendo à
infância, ao pai abusador, à mãe bêbada etc., levando à superfluidade e a uma
chatice sem tamanho. Já Flaubert colhe Félicité em plena ação, e em duas
páginas ela já é empregada doméstica da viúva Aubin; sua infância não é mais do
que um curto parágrafo, para mostrar como ela era pobre; uma breve e anterior
ligação amorosa surge e fracassa em uma página. Basta isso. Clément Rosset nos
diz que Harpagon já entra em cena como avarento, sem que se explique as causas
de sua avareza, pois o que importa é que seja “o avarento” da célebre comédia
de Molière. Félicité, desse modo, possui, como algo preexistente, um <i>coração
simples</i>, e suas ações são destinadas a reforçar essa <i>simplicidade</i>,
mas nas entrelinhas, e porque não somos bobos, Flaubert nos conduz pelos
dédalos de sua alma, levando ao conhecimento da vertigem de sentimentos que
dizem tudo ao contrário do que ela aparenta.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>5.</b></div></b><div style="text-align: justify;">O que está dentro
dessa <i>simplicidade</i> é um ser humano que oculta, como mais
candente, uma aniquilante ausência de realização amorosa, e isso surge no
subtexto de alguns episódios, dos quais releva uma sensibilidade arrasadora, o
que se vê na cena da primeira comunhão da filha de sua patroa:</div><i><div style="text-align: justify;"><i>Ao
chegar a vez de Virgínia, Félicité inclinou-se para vê-la; e com a imaginação
que brota das emoções verdadeiras, pareceu-lhe ser ela mesma aquela criança;
seu semblante se tornava o de Félicité, seu vestido a vestia, seu coração batia
no peito dela; no momento de abrir a boca, cerrando as pálpebras, quase
desmaiou.</i></div></i><div style="text-align: justify;">Temos
aqui um <i>pendant</i> com o arrepiante arrebatamento erótico
observado na famosa escultura de Bernini, do Vaticano, e que representa o
êxtase de Santa Tereza de Ávila — obra que Flaubert bem conhecia.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>6.</b></div></b><div style="text-align: justify;">Há outro momento que
reforça a dramática pluralidade interna de Félicité, e que encontra seu
epicentro na repressão sexual. É quando ela desenvolve uma extemporânea ligação
com seu sobrinho, um rapaz que “chegava todos os domingos, depois da missa, de
faces rosadas, o peito nu, e exalando o odor do campo que atravessara”. A
partir daí surge a paixão unilateral de Félicité, desencadeando uma sucessão de
eventos que conduz a um final dos mais impressionantes de toda literatura, sem
a força arrasadora do final de <b>A fera na selva</b>, em que John Marcher
morre de uma brutal síncope sobre o túmulo de May Bartram. Já o encerramento
de <b>Um coração simples</b> vem recheado de uma enternecedora paz,
repleta de um bucolismo que nunca, mas nunca, sai da cabeça do leitor. E é
quando, <i>in extremis</i>, ela ainda vive êxtase de seu erotismo: “Um
vapor celeste subiu ao quarto de Félicité. Ela dilatou as narinas, sorvendo-o
com uma sensualidade mística”.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>7.</b></div></b><div style="text-align: justify;">O último terço da
novela — Flaubert chamava-a de conto — nos reserva algo extraordinário, que vem
a quebrar uma possível previsibilidade. No enredo, há um arco arrebatador que
une a paixão pelo sobrinho ao seu desaparecimento num remoto lugar transoceânico,
situado nos trópicos ao Sul. Então, o extraordinário: quando tudo nos diz que a
história estaria próxima de terminar — bastaria “emendar” com a cena final e já
teríamos uma grande obra —, Flaubert põe em cena um papagaio, que sincretiza
todos os elementos da narrativa e ganha a força do símbolo de toda a paixão
recolhida daquela que acabaria por ser sua dona. Papagaios são aves tropicais,
e então passa a funcionar como chave daquele amor nunca recuperado e, ainda, de
tudo que Félicité não conseguiu viver como expressão de sua intensa e sufocada
volúpia.</div><b><div style="text-align: justify;"><b>8.</b></div></b><div style="text-align: justify;">Flaubert, em <b>Um
coração simples</b>, antes de Charcot, guiando-nos apenas pela ficção,
mostra-nos o quanto as repressões não resultam em nada bom, podendo levar à
insanidade. Foi ele quem, já sob as luzes do Realismo, desfez os mistérios que
estavam presentes em todas as casas, e eram causa de intenso e brutal
sofrimento. Ele é, assim, um predecessor, e através do seu único instrumento: a
escrita, o que evoca a célebre carta de Freud ao escritor Arthur Schnitzler: “O
senhor sabe por intuição — é verdade que devido a uma aguda observação de si
mesmo — tudo o que descobri depois de fatigantes trabalhos com os outros
homens”. Por esse caráter avançado e pela construção exemplar dessa personagem
plena de consistência humana e ficcional, <b>Um coração simples </b>vai,
com honra, para a nossa mochila.”</div></span><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><b><b>Luiz
Antonio de Assis Brasil</b></b></span> ,<span style="font-family: arial;"><b style="font-weight: bold;"> </b>em ensaio publicado
na Edição 287 de Rascunho (Jornal da
Literatura do Brasil) , Março de 2024.</span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Luiz Antonio de
Assis Brasil <b> </b>é romancista. Professor há 35 anos da Oficina de
Criação Literária da PUC-RS. Autor de <b>Escrever ficção</b> (Companhia
das Letras, 2019), entre outros.</div> <o:p></o:p></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-80796230238622855402024-03-06T20:44:00.000+00:002024-03-06T20:44:34.986+00:00Ter ou não ter lido um livro<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0DlucYBs048TqcTIRtSC21T-nDmpMygCvX3VfjCAZAyK0NTH1LqyhwP4gYez1aNwAhcuitCmdw7CHEpHrZWWhS03YxJnx4iNvswTaoiTYQkFTZaOtMQuJdDpJfgxUbnxhtNfsm8AxVC8Cuh2ebsonrcTiZ2tsLzEeHNLvq_0gszPNoMEkwX9iVZvq63Fe/s466/717cPdnlTVL._SY466_.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="466" data-original-width="311" height="433" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0DlucYBs048TqcTIRtSC21T-nDmpMygCvX3VfjCAZAyK0NTH1LqyhwP4gYez1aNwAhcuitCmdw7CHEpHrZWWhS03YxJnx4iNvswTaoiTYQkFTZaOtMQuJdDpJfgxUbnxhtNfsm8AxVC8Cuh2ebsonrcTiZ2tsLzEeHNLvq_0gszPNoMEkwX9iVZvq63Fe/w304-h433/717cPdnlTVL._SY466_.jpg" width="304" /></a></div></div><div style="text-align: justify;"><b style="font-family: arial;">Ter ou não ter lido um
livro</b></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">por<b> Eugénio Lisboa</b></div><div style="text-align: justify;">“Quando tinha os meus catorze ou quinze anos, li um
livro que, para sempre me marcou. Penso, às vezes, poder dizer que a minha vida
teria sido diferente, se nunca tivesse lido esse livro: LE ROUGE ET LE NOIR, de
Stendhal, numa magnífica tradução de José Marinho. Tudo nele me fascinou: desde
a criação da personagem de Madame de Rênal e toda uma paisagem de personagens
de uma sociedade francesa pintada com mão de mestre, até ao estilo bem
descascado, ágil, contundente, herdeiro feliz de Voltaire. E uma bela história
de amor, de grande beleza trágica. Stendhal tinha horror às gorduras de muita
prosa então em vigor e, para dar à sua veloz pontaria, naturalidade e
sobriedade, forçava-se, todas as manhãs, a ler o Código Civil. O livro
“apanhou-me” totalmente e fez, para sempre, cair a caspa que sujava a prosa que
eu, por essa altura, escrevia para a gaveta. De alguma literatura gótica, eu
saltava, bruscamente, para aquela pena bem afiada. A morte de Madame Rênal, uma
das cenas mais sublimes de qualquer literatura, ocupa literalmente uma linha de
texto, desprezando qualquer ênfase. Stendhal era um mestre para ficar, embora
ignorado no seu tempo, excepto para os olhos perspicazes de Balzac.</div><div style="text-align: justify;">Outro livro que muito me marcou, quase pela mesma
altura, foi o romance de Sienckiewicz, QUO VADIS? Num estilo sem pathos, quase
neutro, nada “interveniente”, o romancista polaco pinta-nos magistralmente as
grandezas e misérias do império romano.</div><div style="text-align: justify;">Uma história de amor serve de fio condutor a um
desvelar de loucura e crueldade, de uma dimensão nunca vista. Os inesquecíveis
diálogos entre Nero e Petrónio, em que este arrisca a vida, manipulando
magistralmente o imperador, deixam marca perpétua no leitor empolgado. A morte
de Petrónio é um cúmulo de beleza discreta e um anúncio de um fim de mundo.
Neste romance, que se lê com sofreguidão, o adolescente leitor depara-se, pela
primeira vez, com a condição humana nos seus limites de crueldade, mas também de
desenfastiada elegância. Não é possível ficar imune a esta tempestade que
varreu o mundo.</div><div style="text-align: justify;">Outro livro, de entre os vários que me fazem pensar
que eu não seria o mesmo se os não tivesse lido, está a novela de Tolstoi, A
MORTE DE IVAN ILITCH. Num texto de não muitas páginas, o grande ficcionista
russo mergulha intrepidamente os seus instrumentos de sondagem, num dos
momentos mais dilacerantes da vida humana: aquele em que o remorso por uma vida
mal vivida se alia à aproximação da morte, que vai lentamente debilitando um
corpo indefeso. Numa cena que é o cúmulo da observação e da arte de escrever, Tolstoi
descreve-nos o pobre juiz, devorado por um cancro, abraçado ao mujik que lhe
trata da higiene, como se desejando que a forte energia que dele dimana se lhe
comunicasse por osmose: literalmente, um filho nos braços da mãe, que o aleita
e lhe dá segurança. Esta novela de Tolstoi, apesar da sua pequena dimensão, não
desmerece, na minha opinião, das grandes construções romanescas que lhe deram
fama.</div><div style="text-align: justify;">Há livros que admiramos, mas há outros que nos transformam
profundamente. Estes três não foram os únicos que me deixaram dedada profunda.
Há outros, não muitos, de que falarei noutro dia, se para isso me sentir
inclinado.”</div><div style="text-align: justify;"><b style="font-weight: bold;">Eugénio Lisboa</b><b>,</b> 06.03.2024 </div></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-66876143963285573502024-03-06T11:20:00.004+00:002024-03-06T11:20:45.838+00:00De "Uma Campanha Alegre"<div style="text-align: center;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhE3XE-wMIu0gSobSTitVHg9xlt0pMjdBVp97yp8ScJY7vw_cXMC_v4aC_HZD-etAFs9ncaFt9GzVO0fDk2balYkl_cVV2Ao8CEp7Sphc25Yf7LKPnC5-lLMmwyFrAsZRNqY9HYEYlkYqMsSG4eMiPP2O6N0FL8G9FgFgirM-QWY4bUC_Qu9KtyhgiwerB7/s1206/e%C3%87a-1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1206" data-original-width="1013" height="349" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhE3XE-wMIu0gSobSTitVHg9xlt0pMjdBVp97yp8ScJY7vw_cXMC_v4aC_HZD-etAFs9ncaFt9GzVO0fDk2balYkl_cVV2Ao8CEp7Sphc25Yf7LKPnC5-lLMmwyFrAsZRNqY9HYEYlkYqMsSG4eMiPP2O6N0FL8G9FgFgirM-QWY4bUC_Qu9KtyhgiwerB7/w329-h349/e%C3%87a-1.jpg" width="329" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Eça de Queiroz</td></tr></tbody></table></div><div style="text-align: justify;"><b style="font-family: arial;">A multa municipal para o lirismo sentimental</b></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">por <b>Eça de Queiroz</b></div><div style="text-align: justify;">XI</div><div style="text-align: justify;"> Julho 1871</div><div style="text-align: justify;">"No folhetim do Diário Popular de 24 de Junho lêem-se notáveis considerações de ordem moral. São em verso. O poeta dirige-se, na sua declamação solitária, a uma mulher.</div><div style="text-align: justify;">Numa prosa anterior (prelúdio) escreve que a missão da arte é ensinar a amar (!) — e que na arte não entra realidade, justiça ou moral pública porque (acrescenta) a arte nada tem com os direitos civis. Colocado assim à larga, na anarquia da voluptuosidade e do lirismo, aí está o que o poeta expõe e ensina num jornal popular, com uma tiragem de 20.000 exemplares, que anda por cima das mesas e nos cestos de costura!</div><div style="text-align: justify;">Começa por dizer:</div><div style="text-align: justify;">— Que é bom amar no campo, à tarde e a sós!</div><div style="text-align: justify;">Depois continua:</div><div style="text-align: justify;">— Que prefere o campo, porque nas salas do mundo não lhe é dado beijar a mão dela às largas! Que o campo é livre e as sombras dão refúgio!....</div><div style="text-align: justify;">Por fim acrescenta:</div><div style="text-align: justify;">— Que queria que os raios cintilantes os cingissem a ele só com ela, erguidos em êxtase, longe de quanto é vil...</div><div style="text-align: justify;">(Quanto é vil, na gíria da poesia lírica, é o mundo real, a família, o trabalho, as ocupações domésticas, etc.).</div><div style="text-align: justify;">Dispensamo-nos de citar mais estrofes lascivas.</div><div style="text-align: justify;">Aquelas bastam para legitimar as seguintes observações:</div><div style="text-align: justify;">Nenhum jornal publicaria semelhantes teorias em prosa;</div><div style="text-align: justify;">Nenhum homem que as escrevesse ousaria lê-las a sua filha, sem gaguejar, e sem comer palavras;</div><div style="text-align: justify;">Nenhuma senhora que por acaso as tivesse lido ousaria citá-las.</div><div style="text-align: justify;">Como se consente então a sua publicação em verso? A higiene não é só a regularização salutar das condições da vida física; nela devem também entrar os factos da moralidade. Se é proibido que um monturo imundo ou um cão morto corrompam o ar respirável das ruas — porque há-de ser permitido que um poeta, com as suas endechas podres, perturbe o pudor e a tranquilidade virgem?</div><div style="text-align: justify;">Há uma postura da Câmara que impõe uma multa a quem pronuncia palavras desonestas: porque não há-de ser igualmente proibido publicar ideias desonestas?</div><div style="text-align: justify;">Um ébrio, um pobre homem a quem se não deu educação, a quem se não pode dar leitura, a quem quase se não dá trabalho, diz uma praga numa rua, ouvida apenas de três ou quatro pessoas, e vai para a cadeia ou paga uma multa de 3$000 réis. Um poeta lírico, esclarecido, aprovado nos seus exames, empregado nas secretarias, publica num jornal de cinquenta mil leitores em letra impressa, permanente e indelével, uma série de desonestidades, e é apreciado, cumprimentado no Martinho, indigitado para uma candidatura!</div><div style="text-align: justify;">Pedimos pois:</div><div style="text-align: justify;">Ou que seja permitido livremente dizer na rua e no jornal pragas e desonestidades;</div><div style="text-align: justify;">Ou que a multa da Câmara Municipal seja aplicada a todos — e que tanto o ébrio que não sabe o que diz à esquina de uma rua, como o poeta lírico que escreve, com reflexão e rascunho duma semana, ao canto dum jornal, paguem os 3$000 réis à Câmara, um pela sua praga, outro pela sua endecha."</div><div style="text-align: justify;"> Julho de 1871</div><div style="text-align: justify;"><b style="font-weight: bold;">Eça de Queiroz </b><b style="font-weight: bold;">, </b><span>in </span><b style="font-weight: bold;"> <i>Campanha Alegre</i></b><b>, </b>Lello & Irmão - Editores , Porto, Volume I, pp. 85-87</div></span>Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-59154573053638454102024-03-04T10:23:00.000+00:002024-03-04T10:23:33.099+00:00 Uma ilha para gatos<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;"> </span><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvHX0XI5yh22Ci8-JS5wO_EZoWwO7D9O4C18I9Wl2wECnm5HS0j6io8SAnJ3gf8e_X4UMCVNrFP-eePSJgwFsGWQSvoIVVmXQ0Ruw3gKXH7V1xQ1tEb-oir1mHYGx08Mw0pDgnsuPD3J50oxf7EiIz1hJfZdc3OIIDnKdQEhrYqdvioncrdtOAGdR_0TcA/s900/Ilha-dos-Gatos2-900x480.jpg" imageanchor="1" style="font-family: arial; margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="480" data-original-width="900" height="245" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvHX0XI5yh22Ci8-JS5wO_EZoWwO7D9O4C18I9Wl2wECnm5HS0j6io8SAnJ3gf8e_X4UMCVNrFP-eePSJgwFsGWQSvoIVVmXQ0Ruw3gKXH7V1xQ1tEb-oir1mHYGx08Mw0pDgnsuPD3J50oxf7EiIz1hJfZdc3OIIDnKdQEhrYqdvioncrdtOAGdR_0TcA/w446-h245/Ilha-dos-Gatos2-900x480.jpg" width="446" /></a></div><span style="font-family: arial;">Na China há uma ilha para gatos<br />provisoriamente desempregados,<br />isto é, sem casa que lhes dê bons tratos<br />e os torne bem mais abonados.<br /><o:p> <br /></o:p>É uma linda ideia, esta da China<br />e não se trata duma chinesice!<br />Revela sensibilidade fina,<br />que não é coisa que se desperdice!<br /><o:p> <br /></o:p>O asilo dos gatos não é triste:<br />eles têm espaço, jardins, casas<br />e andam sempre de cauda em riste.<br /><o:p> <br /></o:p>Nessa ilha, ninguém os atanaza<br />e gozam de toda a liberdade,<br />vivendo felizes como um abade!<br /><span style="mso-spacerun: yes;">
</span>04.03.2024<br /><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Eugénio Lisboa</b></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-26348952207701434422024-03-03T10:47:00.004+00:002024-03-03T10:50:14.021+00:00Ao Domingo Há Música<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRtHisBkOcn2OFH7ASIMyKvgZmUZTagvQf9QO-vABqMnTp-lmUj5SZzSYn5Kly_7dQiore8kRGn1us89nNJaHEyk4hJav7FQ5hf-ZHN4JndKUHGetN9S6gAGlE27yoeAls5S0tuKnOpfcJgcI1gBgJfL5bmQlTKScT0_W1e-LJUSCj4Wixto6eVY13CGx-/s352/14200726410172.webp" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="208" data-original-width="352" height="243" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRtHisBkOcn2OFH7ASIMyKvgZmUZTagvQf9QO-vABqMnTp-lmUj5SZzSYn5Kly_7dQiore8kRGn1us89nNJaHEyk4hJav7FQ5hf-ZHN4JndKUHGetN9S6gAGlE27yoeAls5S0tuKnOpfcJgcI1gBgJfL5bmQlTKScT0_W1e-LJUSCj4Wixto6eVY13CGx-/w463-h243/14200726410172.webp" width="463" /></a></div><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><i>As leis da felicidade</i></span></div></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><i>são leis sem complicação:</i></span></div></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><i>simplificar a verdade</i></span></div></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><i>que vive no coração.</i></span></div></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><b> Eugénio Lisboa</b>, 2023 </span></div></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Quando se junta uma extraordinária soprano com um magnifico compositor, o espectáculo musical torna-se soberbo. Foi assim em Atenas, no Panathenean Stadium, em 1997, com Montserrat e Vangelis . </span></p><p><span style="font-family: arial;"><b>Montserrat Caballé</b>, em <i><b>Prayer,</b></i></span></p><div style="text-align: center;"><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="285" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/9sLHj4-M3f8?si=Rb8Uck3L8bLxEsra" title="YouTube video player" width="420"></iframe> </div><div><span style="font-family: arial;"><b>Montserrat Caballe, </b>em<b><i> Like a Dream</i></b> .</span></div><div style="text-align: center;"><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="285" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/dwm-v08k2BA?si=lw4oQxjHLyuMB3O9" title="YouTube video player" width="420"></iframe></div>Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-32128389689986528022024-03-02T10:27:00.005+00:002024-03-02T10:27:58.539+00:00VITA BREVIS<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjx7RBq-3I24_kCAg-DrBF0kwztLDu10J_dI_u_G0v1ddwfGTqwWcu-AfWgvRRLlmGMDZlGwm-o07R4mw9B9ICq1dGoRDXUSoXPeSJ562wwWNBXgrv2FxhO1gG9mK6_LGSIYHUz21vJt8S0JtJ7RMqte-YrAPCXAYY9NYv_shEHz9eeCwQbQHCn7cF_-n_s/s321/aa4f78da76329f9294e989599978bd7d.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="321" data-original-width="236" height="404" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjx7RBq-3I24_kCAg-DrBF0kwztLDu10J_dI_u_G0v1ddwfGTqwWcu-AfWgvRRLlmGMDZlGwm-o07R4mw9B9ICq1dGoRDXUSoXPeSJ562wwWNBXgrv2FxhO1gG9mK6_LGSIYHUz21vJt8S0JtJ7RMqte-YrAPCXAYY9NYv_shEHz9eeCwQbQHCn7cF_-n_s/w323-h404/aa4f78da76329f9294e989599978bd7d.jpg" width="323" /></a> </div></span></div><span style="font-family: arial;">A vida é uma fracção de segundo,<br />num universo que não dá por ela.<br />Quando se nasce, está-se moribundo,<br />se usarmos, da galáxia, a tabela.<br /><o:p> <br /></o:p>Nascemos, crescemos e descobrimos,<br />e, no fim deste arco ascendente,<br />após termos enfrentado abismos,<br />fica rápido curso descendente.<br /><o:p> <br /></o:p>A vida humana é só um momento,<br />bem cheio de barulho e de fúria,<br />como, em fim de colossal portento,<br /><o:p> <br /></o:p>viu Macbeth, reduzido à penúria.<br />Vive-se (pouco) e logo se morre,<br />num universo que mal se percorre.<br /><span style="mso-spacerun: yes;">
</span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>01.03.2024<br /><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Eugénio Lisboa</b></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-10234284921610830772024-02-29T10:40:00.000+00:002024-02-29T10:40:52.350+00:00Páginas do Diário<div style="text-align: center;"><div style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHGjh3mxnpD2VLXBJUYuKUqEReaME7VndQo1VVQDtJcycw_csjWymsaBwCY7haVBUxriWLngKwpxPh0U4iyy6KLUSGBvrhcONcsaMpmFkEAJXiPf7mokqD4B3NZldYIXkqAfWjo_4aiOG9DD_3dqr_39DE_ipM2LkTwje7gcJxkTx9-NLw-GHAOJ-Y9s6S/s454/300x.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="454" data-original-width="300" height="397" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHGjh3mxnpD2VLXBJUYuKUqEReaME7VndQo1VVQDtJcycw_csjWymsaBwCY7haVBUxriWLngKwpxPh0U4iyy6KLUSGBvrhcONcsaMpmFkEAJXiPf7mokqD4B3NZldYIXkqAfWjo_4aiOG9DD_3dqr_39DE_ipM2LkTwje7gcJxkTx9-NLw-GHAOJ-Y9s6S/w294-h397/300x.webp" width="294" /></a></div></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Fomos ao soberbo registo memorialistíco de Eugénio Lisboa, composto por sete volumes, para retirar do V volume as páginas que se seguem:</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><b>Páginas do Diário</b></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">por <b>Eugénio Lisboa</b></span></div><span style="font-family: arial;"><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">"O meu
diário, que interrompo mais uma vez, não regista o tempo que passámos em
Cambridge, até ao regresso a Lisboa. A Manucha acabara de ser mãe, num parto um
pouco complicado (perda temporária de visão), que levara a Antonieta a
deslocar-se a Cambridge, por umas semanas.</div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">Como era meu
costume, durante as estadias em Cambridge, passeei-me pelas ruas daquele burgo
de uma beleza singular. Banhada pelo rio Cam, bom para passeios e regatas, a
cidade tem cerca de 125 000 habitantes, dos quais, 25 000 (1/5) são
estudantes. Tem uma vida suave, apenas perturbada pelas hordas de turistas que
costumam atropelar e poluir os locais sagrados que há pelo mundo. O icons mais
citados são a famosa Capela do King’s College, o Laboratório Cavendish e a
famosa Biblioteca da Universidade de Cambrdge. Há boas livrarias e tentadores
alfarrabistas, além das chamadas “Bargain Bookshops”, onde se compram, pelo
preço da uva mijona, as primeiras edições, em capa dura, por preços inferiores
aos “paperbacks” dos mesmos livros, entretanto lançados no mercado. Ali me
abasteci de livros preciosos, esportulando pouco…</div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">No Trinity
College, pude ver, com alguma emoção, manuscritos de Newton…</div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">O encanto
destas cidades inglesas, pequenas, bem cuidadas, aprazíveis e cheias de
história, com o seu inevitável chá com scones, à tarde, é indiscutível. Não sei
se seria capaz de viver numa delas, durante muito tempo. Há, naquela vida,
sobretudo na universitária, algo de monacal, com o seu quê de docemente
alienante… Bem sei que Londres está perto, com o seu carrocel de seduções… Mas…
Tive sempre algum preconceito (muito instintivo) contra Oxford e Cambridge e,
sobretudo, contra algum “contentismo” de quem lá vive e habita.</div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">Em
Cambridge, pululam os fantasmas dos grandes criadores de ciência e até
cruzamos, ocasionalmente, algum ainda vivo: lembro-me de, atravessando um
parque, quase ter acotovelado Stephen Hawking… E foi-me apontado o bar onde os
descobridores do ADN lançaram o seu excitado Eureka. Em Cambridge, abriga-se,
por debaixo daquela beleza tranquila e bem cuidada, muito tumulto.</div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">Mas a visita
chegou ao fim: a Manucha estabilizara, a Laura viera ao mundo, a vida deles,
muito apoiada no Michael, marido impecável, iria seguir, com mais do que alguma
inquietação resultante de uma doença que o parto teria ajudado a revelar-se.</div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">Regressámos
a Lisboa. Passa a falar, de novo, o meu diário.</div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;"> </div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">+++</div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;"> </div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">27.6.96 –
Regressei a Lisboa há dias e recomeçou a dança. Compromissos cancelados por
razões de força maior, almoços marcados e esquecidos, assim vai a nossa classe
dirigente. Os melhores são iguais aos piores e todos se queixam de todos. País
desorientado, sem valores – mas todos falam de valores. A retórica é cada vez
mais gongórica e ensarilhada. Busca-se sempre o vocábulo menos óbvio [às vezes,
diz-se “devolver” em vez de “retribuir”…], o mais arrebicado e o menos adequado
(mais <i>sonoro</i> e, aparentemente, mais
“chic”). Embebedamo-nos com palavras, com encontros, com “estudos”, com
relatórios e com “comissões”. E não produzimos nada e, certamente, não
produzimos riqueza. Haverá saída para isto? Haverá solução para um país com
esta gente? [2014: previa bem. Agora, em 2014, vê.se bem o resultado de todo
aquele palavriado sonoro e inconsequente…]</div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;"> </div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">28.6.96,
Lisboa – A lei do Totobola foi rejeitada no Parlamento. Não posso estar mais de
acordo. Há necessidade, mais, há urgência de quebrar a espinal medula aos
gangsters do futebol. Fazê-los engolir a arrogância e as ameaças. Fazê-los
pagar e, não pagando, metê-los na cadeia… [eu sei que não há prisão por
dívidas, mas seria bom haver uma lei de excepção, para esta máfia sinistra]. É
assim que nascem as máfias e as camorras. Eles <i>dizem</i> que têm força e nós acatamos que eles a tenham. Corolário:
passam mesmo a tê-la. É urgente acabar com o equívoco. Dizer-lhes que não os
tememos. Que eles só <i>existem</i>, se nós
deixarmos. Passarmos <i>nós</i> a ter a
força.</div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;"> </div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">Desde ontem,
interessante colóquio sobre <i>Participação
Pública e Planeamento</i>, no auditório da FLAD. O colóquio visa a “prática da
democracia ambiental.” A minha dúvida é:mesmo aceitando que a prática da
democracia ambiental é a <i>melhor</i> de
que dispomos, será que este <i>melhor</i> é
suficientemente bom? Se, como dizem os cientistas, se impõem soluções <i>radicais</i>, será a prática democrática
produtora de radicalismo? Por outras palavras, estaremos nós “foutus”? Mas será
que a saída da via democrática produz soluções melhores? Nesse caso, não haverá
mesmo saída? Então, para què todos estes colóquios? Para morrermos lúcidos?</div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;"> </div></span><span style="line-height: 115%;"><div style="text-align: justify;">No regresso
de Inglaterra, vim encontrar uma carta do Taborda de Vasconcelos, reagindo à
minha <i>Crónica dos Anos da Peste</i>. Que
foi, para ele, uma surpresa. Que os meus textos mais antigos já me mostravam
adulto. Que não <i>cresci</i>: já apareci
crescido. Acho que o problema é outro: fui crescendo, <i>sem escrever</i>. Quando peguei na caneta, já tinha lido e reflectido
muito. <i>Tinha escrito por dentro.</i> A
minha preocupação era <i>compreender</i>,
não era escrever. Nunca me consumiu o furor de <i>noircir du papier..</i></div><div style="text-align: justify;"><b>Eugénio Lisboa</b>, in <i><b>Acta Est Fabula- Memórias V (1995-2015)</b></i>,Editora Opera Omnia, Outubro de 2015 , pp.93-95</div></span></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-5974368315831980972024-02-28T09:23:00.001+00:002024-02-28T09:25:59.896+00:00O homem, esse desconhecido<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;"> </span><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiAT9AjOZqajq8N0eT71TC0vCMYFWaImIS7ZB7S8oo8ImnzaluoTW9h8z3Yhg945HGqXM7HpU-E0WHaUwHaCgulL7b-UkhhHHnRzxRXY_nxEdyCZ1oVlWt589CSx4Z1smF7m2NUFLcp1Bbry9qmm6BawOu1KlUlFjO--ouj32_0Vn0jmCDCp8H3VhCgaor3" style="font-family: arial; margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="351" data-original-width="626" height="268" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiAT9AjOZqajq8N0eT71TC0vCMYFWaImIS7ZB7S8oo8ImnzaluoTW9h8z3Yhg945HGqXM7HpU-E0WHaUwHaCgulL7b-UkhhHHnRzxRXY_nxEdyCZ1oVlWt589CSx4Z1smF7m2NUFLcp1Bbry9qmm6BawOu1KlUlFjO--ouj32_0Vn0jmCDCp8H3VhCgaor3=w442-h268" width="442" /></a><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><b>O homem, esse desconhecido</b></div><div style="text-align: justify;">por <b>Eugénio Lisboa</b></div><div style="text-align: justify;">« O título é o de um livro
célebre, da autoria do médico Alexis Carrel, que ganhou o Prémio Nobel de
medicina, por ter congeminado uma técnica que permitiu as transfusões de
sangue, numa altura em que ainda não havia anticoagulantes. O livro é
fascinante e admiravelmente escrito, embora possa estar hoje já um tanto
desactualizado. Mas não está desactualizado, na medida em que nos chama a
atenção para a extrema complexidade desta máquina que é o ser humano. Máquina
que muitos grandes escritores, da Antiguidade para cá, têm tentado, com êxito
desigual, decifrar. A grande literatura serve para nos ajudar a resolver
algumas das perplexidades e enigmas que o viver com os outros e com nós mesmos
nos põe. Quantas vezes os nossos amigos ou simples conhecidos nos surpreendem,
de repente, por um inesperado comportamento, que os revela, a uma luz nova e
nem sempre favorável. Quanto tempo passamos, às vezes, junto de alguém, sem
realmente o conhecermos. O ser humano é profundamente contraditório e isso pode
tornar o convívio com ele um terreno minado.</div><o:p><div style="text-align: justify;">Toda a obra do nosso
escritor José Régio, especialmente os seus romances JOGO DA CABRA CEGA e A VELHA CASA, mas, de um modo geral, toda a
obra, são um dilacerante inventário dos mal-entendidos e dos obstáculos
traiçoeiros, que, na nossa vida, se opõem a um convívio fluente e transparente.
Mal-entendidos com os outros, com nós mesmos ou com um qualquer transcendente.
A grande literatura ilumina os lugares mais recônditos da personalidade humana
e, mostrando-nos a complexidade do ser humano, convida-nos a não sermos
levianos ou simplistas, na avaliação dos outros. Ou também de nós. Mesmo as
grandes figuras que admiramos – talvez, sobretudo, as grandes figuras – contêm
venenos perigosos na composição dos seus organismos. Um Tolstoi, que nos legou,
para sempre, as grandes construções romanescas, que são GUERRA E PAZ e ANA
KARENINA,e nos deu o exemplo de uma vida de criação cheia, revelou-se, como
homem, cheio de fragilidades e fanatismos perigosos. Este cristão e moralista
agressivo, pregador impetuoso de uma castidade assanhada, não hesitou em
exercer o seu droit de seigneur sobre, pelo menos, uma das suas escravas, o que
talvez esteja na origem do seu belo romance RESSURREIÇÃO. O mesmo Tolstoi, que,
na sua novela A SONATA A KREUTZER, propunha o exercício de uma alucinada
castidade absoluta e terminal, inevitavelmente despovoadora do planeta,
assaltava sexualmente a mulher, numa fúria insaciável de macho lascivo e
assíduo, ou seja, faz o que eu digo e não o que eu faço. Rodeado de discípulos
tão fanáticos como ele, transformou a vida da mulher num inferno, fazendo-a,
enquanto, de modo insaciável , a assediava sexualmente, copiar, para o editor,
a novela delirante na qual mandava para o inferno os não castos… O que estou a
dizer ou a querer dizer, é que este gigante da arte literária, provavelmente o
maior romancista do século XIX, podia também ser um dos mais perversos
fanáticos que a Rússia conheceu. Isto é, toda a avaliação simplista, não
poliédrica, de um ser humano, é necessariamente inepta, desfocada e injusta. O
mesmo poderíamos dizer de Dostoiewsky: este admirável escafandrista dos mares
infindáveis da alma humana, criador das figuras admiráveis de Aliocha Karamazov,
do Príncipe Mitchkin ou da Sonia do romance CRIME E CASTIGO, foi também o
criador das figuras demoníacas de Ivan Karamazov e do sinistro Stavroguine, da
novela A CONFISSÃO DE STAVROGUINE. Esta novela, aliás, era simplesmente um
capítulo que escrevera para o seu romance OS POSSESSOS, mas que não teve a
coragem de nele inserir. Tratar-se-ia da confissão de um crime terrível
cometido pelo próprio Dostoiewsky, que quis punir-se de o haver cometido,
confessando-o ao escritor que mais detestava, o grande Ivan Turguenev. O autor
de PAIS E FILHOS recebeu a confissão daquele horror, com irritante mutismo e
frieza, tanto mais ofuscantes, quanto mais Dostoiewsky se autoflagelava e se
lhe rojava aos pés. No fim, desesperado, com a falta de empatia de Turguenev, o
autor de AS NOITES BRANCAS, furioso, saiu, impetuosamente, batendo portas.
Conto estas coisas, apenas para mostrar como são contraditórios os seres
humanos e neles coabitam grandezas e misérias.</div></o:p><div style="text-align: justify;">Uma época que nunca
deveremos esquecer é a do senador Joseph McCarthy e do terror instalado nos
meios intelectuais e artísticos americanos, com a sua caça às bruxas, o qual
via comunistas escondidos nos armários e debaixo das camas: bastava divergirem
do credo vigente ou terem convivido com amigos comunistas. Neste reino do
terror houve heróis (Arthur Miller, Kirk Douglas, Dalton Trumbo, Humphrey
Bogart, Lauren Bacall, Bette Davis, John Huston, entre outros) e vilãos
(Adolphe Menjou, John Wayne, Elia Kazan, Edward Dmytryk, Lee J. Cobb, Edward G.
Robinson, entre muitos outros ). Entre os vilãos, estavam estrelas de primeira
grandeza do cinema americano, como Elia Kazan e o actor Lee J. Cobb, que,
puxados ao limite da resistência humana, acabaram por ceder, tornando-se bufos.
Mas talvez valha a pena meditar se os mais vilãos são os que cederam à
chantagem ou os que a fizeram, criando um reino do terror conducente à
revelação das maiores fragilidades humanas. Dou só um exemplo: o actor Lee J.
Cobb, acusado de ser comunista, recusou-se a colaborar com os inquisidores,
durante dois anos. Recusou-se a dizer se era comunista e a nomear outros
comunistas. Foi perseguido de todas as maneiras e, por fim, admitiu ser
comunista e denunciou 20 camaradas. Mais tarde, tendo sido indagado sobre o seu
comportamento, respondeu assim: “Quando os poderes dos EUA se direcionam a uma
pessoa, em particular, isso pode ser aterrador. A Lista Negra é apenas o começo
– ficar privado de trabalho. O passaporte é confiscado. Isso não é muito
importante. Mas não sermos capazes de nos movimentarmos, sem sermos seguidos é
outra coisa. A partir de certo ponto, as ameaças implícitas tornam-se
explícitas e as pessoas sucumbem. A minha mulher sucumbiu e foi internada numa
instituição. O HUAC (House Un-American Activities Committee) fez um acordo
comigo. Eu estava completamente nas lonas. Não tinha dinheiro e não tinha como
pedi-lo emprestado. Tinha despesas com os meus filhos, (…) Precisava de
arranjar trabalho.” Quem acha que pode, atire a primeira pedra. Por mim,
prefiro orientar a minha artilharia na direcção de quem cria um universo, onde as
fraquezas humanas se revelem e reduzam, para todo o sempre, a autoestima do que
sucumbiu.</div> <o:p><div style="text-align: justify;"> </div></o:p><div style="text-align: justify;">P. S. – Quem sugere, sob
anonimato, que alguma vez eu tenha feito avaliações de mérito, por critérios
ideologicamente enviesados, não passa de um vil caluniador ou de um ignorante.
Se de alguma coisa me orgulho é de sempre ter feito uma crítica saudavelmente
poliédrica e independente de ideologias. Visconti, um comunista, foi sempre um
dos grandes cineastas do século XX e uma ostensiva admiração minha. E nunca
escondi a minha admiração pela atitude que Marx teve em relação à liberdade dos
artistas. Mas os ideólogos duros e insensíveis sempre tiveram dificuldade em
entender estas coias. Até porque nunca leram Marx e apenas consultaram os seus
“substitutos”.»</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><b style="font-weight: bold;">Eugénio Lisboa</b><b>, </b>28.02.2024</span><i style="font-weight: bold;"><span style="font-family: arial;"> </span></i></div></span></div>
Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7110990774269421934.post-38811640977474211752024-02-28T08:44:00.005+00:002024-02-28T08:45:54.025+00:00Stabat Mater<div style="text-align: center;"> <iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="285" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/PDdOuy8-JBo?si=OsZAusZalOu9dh9T" title="YouTube video player" width="420"></iframe></div><div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><b style="font-style: italic;">Stabat Mater dolorosa</b>, de <b>Giovanni Battista Pergolesi</b> (1710-1736), nas vozes dos contratenores<b> Samuel Marino & Filippo Mineccia,</b> acompanhados pela Orchestre de l’Opéra Royal de Versailles, sob a direcção da Maestrina <b> Marie van Rhijn,</b> que está também no Órgão</span>.</div></div>Livres Pensanteshttp://www.blogger.com/profile/08112132374740329943noreply@blogger.com0