quarta-feira, 28 de março de 2018

A desgraça da guerra, o terror

Paris, 1948 - o número

"Paris , casa de Picasso, em torno à mesa , somos uns poucos na tentativa de convencê-lo  a comparecer ao Congresso de Intelectuais pela Paz que se vai reunir em Wroclaw na Polónia: Louis Aragon, Alexandre Korneichuk, Pierre Gamara, Emílio Sereni e a cineasta polaca Wanda Jacubowska, cujo filme de estreia triunfa nas salas de cinema. Wanda está sentada ao lado do pintor .
Picasso, intransigente na recusa, não irá , peçam-lhe outra coisa, pode doar um quadro, se preciso. Comparecer, jamais , perda de tempo, tem mais o que fazer , deve pintar.  Gastaram-se  todos os argumentos , caíram todos no vazio, terminamos por desistir, o Congresso não contará com a estrela de Guernica. Queijos, vinhos, comenta-se o filme de Wanda Jacubowska.
Picasso demora o olhar no braço nu da cineasta, vê o número gravado, pergunta de que se trata.
- Meu número no campo de concentração onde estive durante a guerra.
Picasso passa de leve a ponta dos dedos  no braço da moça de Varsóvia, olha para nós, dirige-se a Aragon:
- Eu vou, podem contar comigo.
Foi e fez discurso, esteve o tempo todo. Depois desenhou para outros congressos, a Paloma signo da paz. Tocara com os dedos a desgraça da guerra, o terror."
Jorge Amado, in Navegação de Cabotagem, Publicações Europa-América, p 238

1 comentário:

  1. Por vezes alguns congressos e outros eventos dizem ter determinado fim, mas há algum oportunismo à volta, com fins lucrativos. ou de protagonismo, provavelmente Picasso estaria a pensar que fosse um caso desses. Ao ver a tatuagem, viu que essa pessoa tinha passado os piores horrores da guerra e terá acreditado que esse congresso estaria seriamente empenhado na paz.

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