sábado, 20 de maio de 2017

Cinquenta Anos de "Cem Anos de Solidão"

"Todos os anos, pelo mês de Março, uma família de ciganos andrajosos montava a sua tenda perto da aldeia e, num grande alvoroço de apitos e timbales, davam a conhecer as novas invenções. Primeiro levaram o íman. Um cigano corpulento, de barba ferina e mãos de pardal-dos-telhados, que se apresentou com o nome de Melquíades, fez uma truculenta demonstração daquilo que ele próprio denominava de oitava maravilha dos alquimistas da Macedónia. Foi de casa em casa a arrastar dois lingotes metálicos, e toda agente ficou espantada ao ver como as caldeiras, os tachos, as tenazes e os fogareiros caíam dos seu lugares, e as madeiras rangiam pelo desespero dos pregos e dos parafusos que tentavam despregar-se, e até os objectos perdidos há muito tempo apareciam  por onde mais se procurara e arrastavam-se em debandada turbulenta atrás dos ferros mágicos de Melquíades.  " As coisas têm vida própria", apregoava  o cigano com um sotaque  áspero, " é tudo uma questão  de lhes acordar alma." José Arcadio Buendía , cuja imaginação desaforada andava sempre  à frente do engenho da Natureza e ainda mais além do milagre e da magia, pensou que era possível servir-se daquele invento inútil para desentranhar o ouro da terra. Melquíades, que era um homem honrado , preveniu-o: " Para  isso não serve." Mas José Arcadio Buendía não acreditava, naquela altura, na honradez dos ciganos, de modo que trocou a sua mula e algumas cabras pelos dois lingotes magnetizados. Úrsula Iguarán, sua mulher, que contava com aqueles animais para dar uma certa folga ao desmedrado património doméstico, não conseguiu dissuadi-lo. "Depressa nos sobrará ouro com que empedrar a casa", replicou-lhe o marido. Durante vários meses empenhou-se em demonstrar o acerto das suas conjecturas. Explorou a região palmo a palmo, até ao fundo do rio, arrastando os dois lingotes de ferro e recitando em voz alta o esconjuro de Melquíades. A única coisa que conseguiu desenterrar foi uma armadura  do século XV, com todas as suas partes soldadas por uma camada de ferrugem, cujo interior tinha a ressonância oca  de uma enorme cabaça cheia de pedras. Quando José  Arcadio Buendía mais os quatro homens da sua expedição conseguiram  desarticular a armadura, encontraram lá dentro um esqueleto calcificado que tinha, pendurado ao pescoço, um relicário de cobre com uma madeixa de mulher."
Gabriel García Márquez, in Cem anos de Solidão, Publicações Dom Quixote
"A obra mais conhecida do escritor colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014) completa 50 anos em 2017. “Cem anos de solidão” conta a saga da família Buendía e foi lançado em Junho de 1967. A cidade de Cartagena, na Colômbia, onde o autor deu os primeiros passos como jornalista, foi escolhida para iniciar as comemorações com uma leitura colectiva de trechos do romance.
"Cem anos de solidão é a obra mais famosa do Nobel de Literatura colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), sendo considerada também uma das mais importantes da literatura latino-americana. O livro foi publicado pela primeira vez em Buenos Aires, Argentina, em 1967, pela editora Editorial Sudamericana, com uma tiragem inicial de 10.000 exemplares. Desde então já foram vendidos cerca de 50 milhões de exemplares em 35 idiomas distintos, tornando-o num dos textos mais lidos e traduzidos em todo o mundo.
Durante o IV Congresso Internacional da Língua Espanhola, realizado em Cartagena, na Colômbia, em Março de 2007, Cem Anos de Solidão foi considerada a segunda obra mais importante de toda a literatura hispânica, ficando apenas atrás de Dom Quixote de la Mancha. Utilizando o estilo conhecido como realismo mágico, Cem Anos de Solidão mantém-se um texto actual e é lido por milhares de leitores.
 
Gabriel García Márquez (Aracataca, Colômbia, 1927)
O escritor colombiano Gabriel García Márquez ingressou no curso de Direito da Universidade de Bogotá, não o chegando a concluir. Fascinado pela escrita, transferiu-se para a Universidade de Cartagena, onde estudou Jornalismo. Publicou o seu primeiro conto, La Hojarasca, em 1947. No ano seguinte, deu início a uma carreira como jornalista, colaborando com inúmeras publicações sul-americanas. Enviado para Roma como correspondente do jornal El Espectador, em 1954, acabou por permanecer na Europa quando o regime ditatorial colombiano encerrou a redacção. Em 1955 publicou o seu primeiro livro, uma colectânea de contos que haviam já aparecido em publicações periódicas. Em 1967 publicou a sua obra mais conhecida, o romance Cem Anos de Solidão, que se tornou num marco do realismo mágico. Entre as mais conhecidas obras do escritor contam-se ainda Crónica de Uma Morte Anunciada e Amor em Tempos de Cólera. Em 1982 foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Literatura. Morreu em 2014, na Cidade do México.
A Casa da América Latina organiza, em parceria com a TSF e a Fundação José Saramago, no dia 30 de Maio, pelas 17h30 , na Casa da América Latina (Av. da Índia 110, Lisboa), com Entrada livre, um encontro que evoca os 50 anos desde a publicação de Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez."

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