quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A crónica virtualmente desconhecida em Portugal

O teatro e outras estórias portuguesas no fim do mundo 
- Há nove anos, o Festival de Artes Cielos del Infinito desafia o centralismo cultural de Santiago do Chile com uma mostra internacional de teatro num lugar insólito: o Estreito de Magalhães. Como companhia convidada, em sua edição de 2016, o Teatro Experimental do Porto (TEP) estreou no Chile a peça “A Casa Vaga”. Supunha-se em Portugal que a descoberta do Estreito por Fernão de Magalhães alimenta mitos que resistem à História, mas que a Terra do Fogo é também território da devastação ambiental e do genocídio de povos autóctones, extintos pela mão de outro português, é uma crónica virtualmente desconhecida em Portugal. 

Frederico Füllgraf
Reportagem de Frederico Füllgraf 
Por volta de 1840, três portugueses – entre eles uma personagem feminina – decidem emigrar ao faroeste norte-americano, em busca de melhores condições de vida e de trabalho.  
Mas o fazem movidos pela pregação das primeiras ideias libertárias - sobretudo de Alexis de Tocqueville sobre a Democracia e de Pierre-Joseph Proudhon  sobre o Anarquismo -, ensaiando sua utopia com um modo de vida livre do jugo capitalista e das estreitas fronteiras territoriais nas vastidões americanas.  
Com ideia e figurino insólitos, o texto de “A Casa Vaga”, de autoria de Rui Pina Coelho, com criação colaborativa do elenco do Teatro Experimental do Porto (TEP), esboça uma metáfora de Portugal através de sua história: sempre que a “malta” tenta empoderar-se – para usar um jargão de moda – irrompe em cena um personagem inusitado, vestindo terno e gravata, fumando luxuriante charuto, e advertindo: “Oh, pá, isto aqui tem dono, e o dono sou eu!”.  
Detalhe inusitado: chilenos têm notória dificuldade em entender o Português, motivo pelo qual, como em filmes estrangeiros, sobre o fundo do palco são projetadas suas legendas em espanhol. 
Na encenação do TEP, o que se diz dono, não por coincidência também é português, mas na roupagem do predador que atravessa a história das relações sociais do país. Um predador lusitano, que na definição de Gonçalo Amorim, diretor da peça, jamais pagou um salário decente, ou proporcionou vida digna aos seus conterrâneos, obrigando centenas de milhares a emigrar, também ao Novo Mundo. Um predador com notável talento para a retórica e a sedução, que por momentos paralisam os vaqueiros da península ibérica. Quando caem em si, matam-no. Incitação ao assassinato político? Por instantes o público sente-se órfão de respostas. Mas não. Como epílogo, o TEP imprimiu-lhe uma advertência grave: “a morte do predador pode sujar de sangue as mãos dos revolucionários bem intencionados!” 
Mãos encharcadas de vermelho balançam constrangidas no vazio do espaço cénico. O pano desce sobre o palco do British School de Punta Arenas, na Terra do Fogo. O público aplaude com entusiasmo. 
Na manhã seguinte, vou ao hotel Plaza, localizado  num canto da Plaza de Armas, para entrevistar Gonçalo Amorim. 
TEP
O Teatro Experimental do Porto (TEP) que dirige, é a companhia em atividade mais antiga de Portugal, fundada na década de 1950 por artistas e intelectuais anti-fascistas, que desafiaram a ditadura Salazar com arrojadas montagens de Arthur Miller e John Osborne, mas que nunca conseguiram driblar a censura portuguesa com uma peça do “maldito” Bertolt Brecht, o diretor observa com picardia. 
Precursor do moderno teatro português, o TEP sobreviveu ao fascismo e à consolidação da democracia. Entre 1998 e 2009, foi dirigido por Norberto Barroca, sucedido por Júlio Gago. Em 2012, a direção artística foi assumida por Amorim, encenador residente desde 2010. 
Amorim define-se como encarnação exemplar da “geração de atores pós 25 de Abril”: atores e diretores em torno dos 40 anos de idade, todos diplomados pela Escola Superior de Teatro de Lisboa e atuando profissionalmente nos palcos portugueses há aproximadamente vinte anos. 
O contato com a Terra do Fogo, “descoberta” por seu conterrâneo Fernão de Magalhães,  impactou-os. Antes de baixar à Terra do Fogo, em encontro patrocinado pelo governo do Chile, conta-me Amorim, reuniu-se em Santiago com Altamirano para uma primeira troca de ideias sobre os 500 anos do descobrimento do Estreito, em 2020, que deverá ser lembrado com um conjunto de obras em co-produção do festival Cielos com o TEP. 

A cobra “aleijada” 
Viajei 3.500 quilómetros para ver “A Casa Vaga” e na Terra do Fogo deparar-me com a estória de José Nogueira, um marujo português que no final do séc. XIX fez fortuna como caçador de lobos marinhos, tornando-se um dos homens mais ricos da Patagónia. Personagem, diga-se, que veste a alegoria de “A Casa Vaga” como uma luva encaixa nos cinco dedos de uma mão. 
Embora Concepción, a segunda maior cidade do Chile, seja equipada com um moderno e movimentado aeroporto, fui obrigado a viajar 450 quilómetros ao norte, até Santiago, para embarcar num voo em direção oposta, ao extremo sul do país. Tivesse embarcado em Concepción, a passagem teria custado um terço a menos e me poupado umas dezasseis horas - para Santiago, ida e volta - a bordo de um autocarro.  
A fonte deste desconcerto é o confuso centralismo geográfico, político e administrativo do Chile. O governo Ricardo  Lagos (2000-2006) prometeu acabar com o anacronismo, mas não o fez. Sua sucessora e atual presidenta em seu segundo mandato, Michelle Bachelet, acolheu a proposta, mas a descentralização parece uma utopia à mercê da inalcançável linha do horizonte. 

A cobra “aleijada” 
Meu destino era Punta Arenas, derradeira urbe em território chileno, localizada no Estreito de Magalhães, ligeiramente a noroeste de Ushuaia, na Argentina, a cidade mais austral das Américas. Com a duração de três - na volta foram quatro – horas, o trecho Santiago Estreito teve um quê de voo internacional, pois cobre a mesma distância de 3.000  quilómetros que separa a capital do Chile de São Paulo, no Brasil. 
No Estreito desaparece a Cordilheira dos Andes, acabam a Patagónia e o continente americano, contribuindo para a percepção do “fim do mundo”. 
Se mal recordo, foi John Steinbeck quem estranhou a espichada e sinuosa geografia chilena, comparando: “it´s a country like a snake – é um país semelhante a uma cobra”. 
Porém, a analogia de Steinbeck tem um aspecto insólito: a cobra é “aleijada”, sua cauda está isolada do resto do corpo.  
Pendurada no extremo sul dos 4.260 quilómetros de costa, a Terra do Fogo chilena não tem conexão terrestre com o resto do país. A RN5, que ao norte desemboca na Panamericana, ao sul termina em Coyhaique, no coração da Patagónia. Quem viaja de carro, terá que abandonar o Chile e percorrer aprox. 1.200 quilómetros em território da Argentina, retornando ao território chileno à altura  de Puerto Natales, e de lá percorrer os 250 quilómetros restantes até Punta Arenas; percurso que poderá cobrar três dias de viagem. 
O que os motoristas experimentam em pleno séc. XXI, é uma irónica repetição da História a cavalo, pois quando o conquistador do Chile, Pedro de Valdivia, foi morto na Batalha de Tucapel, em 1553, os colonizadores espanhóis curvaram-se à assinatura de um tratado com os vitoriosos Mapuches, que em suas expedições rumo à Patagónia proibiu-lhes  a travessia da Araucânia. Durante trezentos anos os espanhóis respeitaram o acordo, contornando a Araucânia por via marítima. 

“¡Santiago no es Chile!” 
Santiago mais é problema do que solução para o Chile, que não é uma república federativa, mas espécie de obsoleto “Estado Unitário”, com predomínio absoluto da capital.   
Durante a ditadura Pinochet o país foi dividido em 15 Regiões administrativas, subdivididas em inúmeras províncias. Legado sem dúvida da era colonial, os “intendentes” - como são chamados os governadores regionais – não são eleitos pelo voto popular, mas nomeados pelo presidente de turno no palácio La Moneda. Espécie de “capitães hereditários” tardios, executam à risca os planos do governo central, sem orçamento para projetos culturais. 
Com aproximadamente 7,0 milhões de habitantes, a região metropolitana de Santiago é a menor, mas a que concentra 42% da população do país, e que gera 44,0 % do PIB. Enquanto o anacrónico cenário não muda, Santiago também concentra mais de 41,0% dos investimentos públicos em saúde, 34,2 % para a moradia popular e mais de 30,0 % para infraestrutura viária.  
Promessa não cumprida pelos governos da era pós-Pinochet, a descentralização ganhou as ruas com ruidoso movimento social, que cobra investimentos e valorização da identidade regional, advertindo que o Chile não é apenas Santiago. 
Actor Antonio Altamirano
“Contra ventos e maré”: o teatro no fim do mundo 
A hipertrofia da capital e o abandono do “Chile profundo” despertaram uma ideia em quatro jovens liderados pelo ator Antonio Altamirano e a jornalista e produtora Lorena Álvarez: naturais do extremo sul da Patagónia, marcada por enorme dificuldade de acesso a bens culturais, resolveram desafiar o centralismo de Santiago com um expressivo evento cultural na Terra do Fogo. 
Em 2008, assim nascia o Festival de Artes Cielos del Infinito, evento com características internacionais, empenhado em espantar - uma semana ao ano, que seja – tanto as inclementes intempéries, que de Janeiro a Janeiro açoitam o rosto de suas gentes, como a dolorosa solidão do fim do mundo.  
Ambicioso e tendo como público-alvo estudantes universitários e as escolas de Punta Arenas, todos os anos o evento oferece mostras de teatro, cinema e fotografia e shows musicais, mas seu forte são as artes cénicas, em palco e na rua. 
Licenciado em Artes pela Universidade do Chile, com a iniciativa Altamirano granjeou reconhecimentos e honrarias além-fronteiras, tais como o título de “uma das 100 mais influentes jovens lideranças do Chile”  (revista El Mercurio, 2010) e um prémio da International Youth Foundation, em 2011. 
Em entrevista que me concedeu num café de Punta Arenas, o chileno queixa-se, pois apesar de sua 9ª edição, todos os anos a produção do festival volta à estaca zero financeira.  
Como de resto na América Latina, salvo a Argentina, também no Chile o quesito “cultura” escreve-se com letra minúscula. Sua parcela no orçamento do Estado é de pífios 0,4 %, dos quais 37,7 % estão reservados para  fundos concursáveis, a cujos editais, todos os  anos, o Cielos del  Infinito deve submeter-se. 

Teatro sobre um mundo insuportável e de outro, possível, mas utópico  
Em 2015, o evento contou com um público notável de 15.000 visitantes. Embora impressionadas com o êxito, as autoridades locais têm as mãos atadas para o patrocínio Porém, segundo Altamirano, os problemas se estendem à infraestrutural, e cita o caso do prestigioso Teatro Municipal de Punta Arenas, que apesar dos 5,3 milhões de dólares investidos em 2014 para sua remodelação, tem “mais de 90 pontos cegos”, obrigando o festival a escapar para palcos de colégios.  
Contando com  o apoio simbólico de 42 organismos governamentais e privados, na prática o evento é colocado em cena pela generosidade de 50 voluntários locais, sobretudo jovens estudantes de Punta Arenas. Como sofrível “sede” serviu-lhe em 2016 um restaurante improvisado, emprestado pelo sindicato local dos pescadores artesanais, no qual o chef chileno Rodrigo Urízar, que em Valparaíso dirige o pitoresco restaurante El Peral, deslumbrou artistas e o staff com seus quitutes e iguarias, tirados da cartola culinária com passes de mágica. 
Em sua 9ª edição, em Novembro de 2016, o Cielos del Infinito deu um passo audaz, expandindo seus eventos para as localidades de Puerto Natales e Puerto Williams – a 50 minutos de voo de Punta Arenas – e inaugurando  uma parceria com Ushuaia, na vizinha Argentina.  
A segunda proeza consistiu na atração até o Estreito de Magalhães de uma dezena de companhias nacionais e estrangeiras. Com  “Tú”(França), “Kamchatka” e “Fugit” (Espanha), “Capitán” (Argentina), “Los Niños de Winnipeg” e “Nómadas” (co-produções Chile-Espanha), “Clase” (Chile), “El Rey Mono” (China) e “A Casa Vaga” (Portugal), o 
festival escolheu um elenco de montagens do teatro contemporâneo não-comercial, que dialoga com o parto, a História e a solidariedade humanas, mas dramatizam sobretudo o modo de vida imposto pela doutrina neoliberal, os desajustes e as decepções com a democracia formal, e as tentativas de escapar à armadilha capitalista; encenações todas muitos aplaudidas. Apesar do estranhamento de outro idioma no palco, o público parecia conhecer por experiência própria essas vozes de um mundo insuportável e de outro, possível, mas ainda utópico.  

Os senhores do fim do mundo  
Um mês antes da estreia do festival, Christine Barthe, conservadora do Museu Quai Branly de Paris, deu palestras em Punta Arenas e Puerto Williams sobre a exposição “Los espíritus de la Patagonia Austral”, que reuniu 150 fotos do sacerdote salesiano e antropólogo alemão, Martin Gusinde (1886-1969), documentando os últimos dias na Terra do Fogo dos povos Selknam (Ona), Kawésqar e Yagán, no início do séc. XX.   
As imagens em preto-e-branco de Gusinde, expostas de outubro a dezembro de 2016 no Museu de Belas Artes de Santiago, têm o poder de fazer sorrir e chorar a alma, diante da beleza em estado bruto e os estertores dos povos do fim do mundo. Autor do clássico “Los Fueguinos” (1937), Gusinde não foi oportunista, registando e “roubando” as imagens aos fotografados, mas tornou-se amigo deles e engajou-se em uma vã tentativa de salvá-los do extermínio.  
Em seu breve poema, “Patagonia”, Gabriela Mistral, Prémio Nobel chilena de Literatura, escreveu: "à Patagônia/ seus filhos chamam de Mãe Branca/ Dizem que Deus não a quis/ por tão congelada e tão remota".  
Se Deus não a quis, aventureiros a tomaram de assalto. O extermínio tornara-se crónica anunciada desde 1867, quando o presidente José Joaquín Pérez decide acabar com a colónia penal de Punta Arenas, declarar a vila como "porto livre" e atrair imigrantes europeus.  
A chegada ao Estreito, do português José Nogueira, do judeu lituano Elias Braun Fucks, e do espanhol José Menéndez, mudaria para sempre a paisagem da Terra do Fogo e selaria o destino de seus milenares povos originários; um capítulo da História jamais pesquisado e virtualmente desconhecido em Portugal. Com mais de 4 milhões de hectares de terras concedidas gratuitamente pelos governos argentino e chileno, o trio Nogueira-Braun-Menéndez expandiu no sul da Patagónia o maior rebanho de ovelhas do mundo, foi proprietário de empresas de mineração, navegação e importação, e excerceu o monopólio da exportação de lã à Europa. Durante cinquenta anos, até a Segunda Guerra Mundial, com sua Sociedad Explotadora de Tierra del Fuego, foram literalmente os senhores do fim do mundo.
José Nogueira, o genocídio e a devastação da Terra do Fogo  
Deambulando por Punta Arenas, depara-se com profuso número de símbolos da opulência do novecento fueguino que emoldura a Plaza de Armas. Sua edificação mais exuberante é sem dúvida o Palácio Sara Braun, sede atual do Hotel José Nogueira, o mais requintado da cidade. Em 1887, um casamento por interesse unira Sara Braun Hamburguer, filha de Elias, com José Nogueira, viúvo de sua esposa portuguesa. O interesse girava em torno da Sociedad Explotadora de Tierra del Fuego, fundada por Nogueira, e serviu de pano de fundo para nova união de Sara com José Menéndez, após o falecimento de Nogueira, em 1893. Herdeira da fortuna de Nogueira, em 1905 Sara Braun inaugura o palácio construído pelo arquiteto francês Numa Meyer como símbolo-mor do clã Braun-Menéndez e seu poder sobre as vastidões da Patagónia.  
Natural de Vila Nova de Gaia, vizinha do Porto, algumas pistas parecem confirmar que o marujo José Nogueira tenha desembarcado em Punta Arenas em 1866, após aventurar-se pelo Rio de Janeiro, Montevidéu e Callao, no Peru. Como Braun y Menéndez, pisou o chão da Patagónia sem capital nem outras posses. Porém, atento à movimentação de naves baleeiras inglesas, além de chalupas, das que saltavam legiões de homens armados com paus e escopetas para trucidar animais sobre o pedral do Estreito, sua perspicácia farejou um exelente negócio: a caça às focas e aos lobos marinhos. É como lobero que Nogueira faz sua primeira fortuna, exportando para a Europa peles finas e azeites animais.  Estima-se que entre meados e o final do séc. XIX foram chacinados à pauladas e tiros, mais de 300.000 lobos marinhos pelos caçadores ingleses, aos quais Nogueira servira antes de abrir sua própria factoria.  O que o português certamente observara, mas dera de ombros, é que os animais constituíam a principal dieta marinha dos povos Ona e Yagán, que, desesperados, resistiam com seus arcos e flechas contra as armas automáticas do faunicídio. Direto e feroz, o extermínio de Onas, Yagánes e Tehuelches, em terra firme, completou-se com o ciclo ovino.
Milhões de ovelhas invadiam os pastos dos camelídeos nativos, como o Guanaco, subitamente cercados por arame farpado a perder de vista e reduzindo a pó e vento os rebanhos de carne dos povos originários.  Sem outra alternativa à inanição, que derrubar as cercas e apoderar-se de alguma ovelha,  agora Onas, Yagánes e Tehuelches tornavam-se alvos de caça de sicários contratados por Nogueira, Braun e Menéndez. Sua crueldade não desprezou requintes como a violação em massa de mulheres, o envenenamento de iscas de carne com estricnina e os fuzilamentos. Caçador de ouro e índios, o imigrante romeno Julio Popper celebrizou-se como um dos comandantes do genocídio na Terra do Fogo em dezenas de documentos, mas sobretudo através da magistral novela “Corazón a contraluz”, do músico, poeta e escritor chileno, Patricio Manns. Entre 1850 e 1916, foram executados a sangue frio 3.000 Yagánes e 3.500 Onas. Os poucos sobreviventes vegetaram em barracos da Igreja Salesiana da Ilha Dawson, usados em 1973 pela ditadura Pinochet como campo de concentração para altos funcionários do governo de Salvador Allende.
Conhecida como “a última Ona”, em 1966 faleceu na Argentina a xamã, cantora e contadora de estórias, Lola Kiepja. No entanto, muitos anos depois, durante a pesquisa para seu premiado documentário “El botón de nácar”, o cineasta Patricio Guzmán descobriu mais uma sobrevivente do genocídio em um pobre fiorde de pescadores do Chile: Cristina Calderón, cujo nome original perdeu-se  no esquecimento. 
Em uma cena sublime e enternecedora The Pearl Button (El botón de nácar) - Language - a câmera focaliza a velha senhora produzindo um novelo de lã. Poderia ser uma metáfora do resgate da memória, que ela volta a desfiar, traduzindo para seu idioma nativo os nomes das coisas em espanhol." Reportagem de Frederico Füllgraf
Frederico Fülgraf é jornalista, colunista, escritor , tradutor, cineasta e correspondente internacional no Chile.

1 comentário:

  1. Apesar da peça ter sido escrita e dirigida por portugueses, não sei se essa explícita imagem de um português assassinado pela ganância não vá ferir a sensibilidade dos teus leitores, num texto denunciado por um estrangeiro. Mas isso não é nada ante a denuncia do genocídio frio e planejado de 7.500 índios da região. Algo parecido com o que aconteceu aos mapuches depois da Independência do Chile. Contei essa história em meu último livro. De qualquer forma creio que essa é a linha de LIVRES PENSANTES e você, com o aval do Platão, sabe que " A coisa mais importante a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento". Parabéns pela publicação e ao Frederico pela lucidez deste texto chocante e primoroso.
    Manoel de Andrade

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