sábado, 10 de dezembro de 2016

O génio da Europa

" A Europa foi e é percorrida a pé . Isto é fundamental. A cartografia da Europa é determinada pelas capacidades, pelos horizontes percepcionados dos pés humanos. Os homens e mulheres percorreram a pé os seus mapas, de lugarejo em lugarejo, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade. O mais das vezes, as distâncias têm uma escala humana, podem ser dominadas pelo viajante que se desloque  a pé , pelo peregrino até Compostela, pelo promeneur, seja ele solitaire ou gregário. Há extensões de terreno árido, proibitivo; há pântanos; os alpes elevam-se. Mas nada disto constitui um obstáculo intransponível. (...)
Este facto determina a existência de uma relação essencial entre a humanidade europeia e a sua paisagem. Metaforicamente, mas também materialmente , esta paisagem  foi moldada, humanizada , por pés e mãos. Como em nenhuma outra  parte do globo, as costas , os campos, as florestas e os montes da Europa, de la Coruña a S. Petersburgo, de Estocolmo a Messina , tomaram forma, não tanto devido ao tempo geológico como ao tempo histórico-humano.
Na ponta do glaciar está sentado  Manfred (1). Chateaubriand fala com paixão dos promontórios  rochosos. Os nossos acres , encontrem-se eles cobertos de neve  ou no zénite  amarelo do Verão, são aqueles vividos por  Bruegel, Monet ou Van Gogh. Os bosques  mais sombrios  têm ninfas ou fadas, ogres literatos ou eremitas pitorescos. O viajante parece nunca estar completamente fora do alcance dos sinos  da aldeia mais próxima. Desde tempos imemoriais , os rios têm vaus, vaus usados também pelos bois (2) , " Oxfords", e pontes  sobre as quais  dançar , como em Avinhão. As belezas da Europa  são inextricavelmente inseparáveis da pátina  do tempo humanizado.
(...) O génio da Europa é aquilo que William Blake teria chamado " a santidade do pormenor diminuto". É o génio da diversidade linguística, cultural e social, de um mosaico pródigo que muitas vezes percorre uma distância trivial, separado  por vinte quilómetros, uma divisão entre mundos." Geoge Steiner, in " A ideia de Europa", Editora Gradiva, 2013, pp 28, 29, 49
(1) - Referência a "Manfred",poema  dramático de Lord Byron. (N. da T.)
(2) - Em inglês , " vaus"  e " bois" dizem-se , respectivamente , fords e oxen. Daí , oxford.(N. da T.)

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