quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Também nós tivemos um nome

As coisas

Há em todas as coisas uma mais-que coisa
fitando-nos como se dissesse: " Sou eu",
algo que já lá não está ou se perdeu
antes da coisa, e essa perda é que é a coisa.

Em certas tardes altas, absolutas,
quando o mundo por fim nos recebe
como se também nós fôssemos mundo,
a nossa própria ausência é uma coisa.

Então acorda a casa e os livros imaginam-nos
do tamanho da sua solidão.
Também nós tivemos um nome
mas, se alguma vez ouvimos, não o reconhecemos.
Manuel António Pina, in Como se desenha uma casa (2011) - Todas as Palavras, Poesia Reunida , Assírio & Alvim, Lisboa


O regresso

Como quem, vindo de países distantes fora de 
si, chega finalmente  aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o  passado no passado, o presente no presente
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho.

Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama.
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades, estações do ano.
E come agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.
Manuel António Pina, in Como se desenha uma casa (2011) - Todas as Palavras, Poesia Reunida , Assírio & Alvim, Porto Editora

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