terça-feira, 11 de outubro de 2016

As distopias na Literatura




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Detalhe da capa de "A Revolução dos Bichos" (edição da Penguin)

A Literatura da Distopia
"Foram necessários romances que mostravam bárbaros regimes totalitários, fábulas com porcos, gangues violentos, controle biológico, uso indiscriminado de drogas e queima de livros para finalmente entendermos como era impraticável o modelo de utopia construído há alguns séculos atrás. Por isso são tão importantes os autores de "1984", "Laranja Mecânica", "Admirável Mundo Novo" e "Farenheit 451".
Como vimos no já publicado A Literatura da Utopia, as tentativas de adequação do presente para alcançar uma sociedade perfeita acabaram por desencadear uma desordem na organização racional do mundo. Muitas vezes, fizeram-nos viver submetidos a valores distorcidos e no risco de uma eterna aceitação de factores hostis que são meio para um fim que parece justificá-los: a perfeição.
Ao perceberem isso, autores como Aldous Huxley e George Orwell resolveram desconstruir os conceitos de utopia existentes. Segundo eles, a moralidade humana não conseguiria seguir uma evolução tão ligeira e, mesmo nos casos em que as sociedades perfeitas são alcançadas, a personalidade corrompida do homem colocaria tudo a perder.
As chamadas distopias podem ser entendidas filologicamente como "utopias negativas". Este neologismo foi cunhado por Gregg Webber e John Stuart Mill num discurso ao Parlamento Britânico em 1868: "É, provavelmente, demasiado elogioso chamar-lhes utópicos; deveriam em vez disso ser chamados dis-tópicos, ou caco-tópicos. O que é comumente chamado utopia é demasiado bom para ser praticável; mas o que eles parecem defender é demasiado mau para ser praticável."
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Admirável Mundo Novo (fotograma do filme)
Na literatura, as utopias sempre possuem raízes no presente e são taxadas como o caminho ideal a ser seguido - mesmo que impraticável. Nas distopias, não há qualquer ligação com o presente: partem da utopia já alcançada. Nelas, os problemas actuais seguiram como que camuflados pela perfeição aparente e, a certo momento, eclodem da forma mais bruta. Estes romances geralmente são contados do ponto de vista de uma personagem consciente imersa na estupidez colectiva. São explorados recursos como a coerção física e moral, o uso de drogas e robots e o monopólio do conhecimento, todos agindo de forma directa na contenção social
A actual idolatria ao género literário pode ser explicada pela crescente visibilidade da política de esquerda no âmbito contemporâneo. Vários dos autores desta "escola" foram activistas políticos da oposição e deixaram claros seus fundamentos no pensamento Marxista. George Orwell, por exemplo, conviveu muito tempo com pobres e operários. Apesar de odiar os conflitos entre os partidos de esquerda, dizia-se socialista e simpatizante de partidos anarquistas. Conseguiu se tornar um crítico de sua própria ideologia:as suas magnum opus são 1984 e A Revolução dos Bichos (O Triunfo dos Porcos, em Portugal); na primeira retrata um regime totalitário que, através de constante supervisão e monopólio da História, constrói uma sociedade colectivista auto-punitiva; no segundo, uma sátira directa ao stalinismo mostra que o governo do Estado sempre será susceptível às fraquezas humanas, desmembradas pelo carácter sedutor do poder.
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                                       Admirável Mundo Novo (fotograma do filme)
Outros autores também levantaram questões que hoje se mostram mais presentes do que nunca. Aldous Huxley, autor de Admirável Mundo Novo - escrito num período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial -, descreveu um futuro hipotético onde estaríamos aprisionados pela obrigação de bem-estar, seja através da divisão social, do uso indiscriminado de drogas reguladoras ou do controle biológico - uma espécie de eugenia. Isso numa época onde tentativas de clonagem e fertilização in vitro não passavam de experiências fracassadas.
Anthony Burguess, em Laranja Mecânica (obra imortalizada no cinema por Stanley Kubrick, em 1971), via, num futuro indeterminado, que a predisposição humana à violência não acompanharia o ritmo da evolução intelectual, o que resultaria num colapso da sociedade e esdrúxulos e impositivos métodos de contenção psicológica desta característica "primitiva" baseado no Método Ludovico, uma espécie de behaviorismo radical levado ao extremo.
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Laranja Mecânica (fotograma do filme de Kubrick)
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Laranja Mecânica (fotograma do filme de Kubrick)
Ray Bradbury, autor de Fahrenheit 451 (adaptado com louvor por François Truffaut, em 1966) formula um futuro onde a principal arma de opressão utilizada pelo Estado é a censura dos livros, o que faz da televisão o único (e manipulado) instrumento de informação e diversão. É um ensaio sóbrio (ainda que fantástico) sobre a censura e os limites entre entretenimento e alienação que meios de comunicação em massa devem respeitar.
Discutir os problemas sociais actuais através de romances satíricos muito bem elaborados foi o recurso que muitos autores utilizaram para chamar a atenção para os problemas que a eterna busca pela sociedade perfeita encara. Os já considerados clássicos da literatura moderna revolucionaram a forma como pensamos, enxergamos e lidamos com o destoamento da utopia para onde a sociedade caminhava. Há quem diga, inclusive, que já estamos inseridos em distopias tais quais nos livros."
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Fahrenheit 451 (fotograma do filme de Truffaut)
Fontes das imagens: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7.

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