terça-feira, 31 de maio de 2016

Prémio Camões para Raduan Nassar

Raduan Nassar é o vencedor do Prémio Camões
Por Isabel Lucas e   Luís Miguel Queirós  
“É o 28.º autor, e o 12º brasileiro a receber aquele que é considerado o mais importante prémio literário destinado a autores de língua portuguesa.
O Prémio Camões 2016 foi esta segunda-feira atribuído por unanimidade ao escritor Raduan Nassar, de 80 anos, o 12.º brasileiro a receber aquele que é considerado o mais importante prémio literário destinado a autores de língua portuguesa. O júri sublinhou "a extraordinária qualidade da sua linguagem" e a "força poética da sua prosa".
"Através da ficção, o autor revela, no universo da sua obra, a complexidade das relações humanas em planos dificilmente acessíveis a outros modos do discurso", diz a justificação do júri, acrescentando que "muitas vezes essa revelação é agreste e incómoda, e não é raro que aborde temas considerados tabu". O júri realça ainda "o uso rigoroso de uma linguagem cuja plasticidade se imprime em diferentes registos discursivos verificáveis numa obra que privilegia a densidade acima da extensão".
Com apenas três livros publicados – os romances Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera (1978) e o livro de contos Menina a Caminho (1994) –, a exiguidade da obra não impede que Raduan Nassar seja há muito  considerado pela crítica um dos grandes nomes da literatura brasileira, ao nível de um Guimarães Rosa ou de uma Clarice Lispector.
Se a singularidade de Nassar lhe garantiu desde cedo um círculo de admiradores fiéis, e se os seus romances alcançaram algum sucesso internacional já na primeira metade dos anos 80, quando foram traduzidos para francês e inglês, a popularidade da sua obra aumentou significativamente com a adaptação cinematográfica de Um Copo de Cólera, em 1999, numa realização de Aluizio Abranches, e de Lavoura Arcaica, em 2001, num filme de Luiz Fernando Carvalho.
Já este ano, Nassar foi um dos 13 escritores escolhidos para a longlist do MAN Booker International Prize, com a tradução inglesa de Um Copo de Cólera, mas não chegou à lista de seis finalistas, que incluiu o angolano José Eduardo Agualusa.
Com um valor pecuniário de cem mil euros, o prémio foi anunciado ao fim da tarde no Hotel Tivoli pelo secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, após a reunião do júri, que este ano incluiu a professora e ensaísta Paula Morão e o poeta e colunista Pedro Mexia, os professores universitários, críticos e escritores brasileiros Flora Süssekind e Sérgio Alcides do Amaral, e ainda o autor moçambicano Lourenço do Rosário, reitor da Universidade Politécnica de Maputo, e a ensaísta são-tomense Inocência Mata, actualmente radicada em Macau.
Instituído em 1988 pelos governos de Portugal e do Brasil, o prémio Camões é atribuído a “um autor de língua portuguesa que tenha contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum”, diz o respectivo protocolo, na sua versão revista de 1999. O acordo obriga a que o prémio seja alternadamente atribuído em território português e brasileiro, e a sua história sugere que tem também prevalecido a intenção de equilibrar o número de vencedores portugueses e brasileiros, bem como a preocupação de fazer representar as várias literaturas africanas.
Antes do prémio agora atribuído a Nassar, Portugal e Brasil estavam empatados com 11 autores de cada país. Miguel Torga foi o primeiro escritor a receber o Camões, em 1989, e o prémio voltou a ficar em Portugal mais dez vezes: Vergílio Ferreira recebeu-o em 1992, José Saramago em 1995, Eduardo Lourenço em 1996, Sophia de Mello Breyner Andresen em 1999, Eugénio de Andrade em 2001, Maria Velho da Costa em 2002, Agustina Bessa-Luís em 2004, António Lobo Antunes em 2007, Manuel António Pina em 2011 e Hélia Correia em 2015.
A lista de premiados brasileiros começa com João Cabral de Melo Neto, em 1990, e inclui Rachel de Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), António Cândido (1998), Autran Dourado (2000), Rubem Fonseca (2003), Lygia Fagundes Telles (2005), João Ubaldo Ribeiro (2008), Ferreira Gullar (2010), Dalton Trevisan (2012) e Alberto da Costa e Silva (2014).
O poeta moçambicano José Craveirinha foi o primeiro autor africano a receber o Camões, em 1991. Em 1997, Pepetela, então com 56 anos, tornava-se simultaneamente o primeiro angolano e o mais jovem autor de sempre – ainda o é – a ser galardoado com este prémio, que só voltaria à literatura africana em 2006 para reconhecer a obra do angolano Luandino Vieira, que recusou o galardão. Em 2009, venceu o poeta cabo-verdiano Arménio Vieira, e em 2013 o escolhido foi o romancista moçambicano Mia Couto." Público, 30.05.2016

Sobre Um copo de Cólera de Raduan Nassar:

"... e estava assim na janela, quando ela veio por trás e se enroscou de novo em mim, passando desenvolta a corda dos braços pelo meu pescoço, mas eu com jeito, usando de leve os cotovelos, amassando um pouco seus firmes seios, acabei dividindo com ela a prisão a que estava sujeito, e, lado a lado, entrelaçados, os dois passamos, aos poucos, a trançar os passos, e foi assim que fomos directamente pro chuveiro."
"O corpo antes da roupa", afirma a personagem de Um copo de cólera ao narrar o que acontece numa manhã qualquer, depois de uma noite de amor, quando a aparente harmonia entre ele e sua parceira se rompe de repente. Tensa, contundente, a linguagem de Um copo de cólera alcança tal intensidade e vibração que faz desta narrativa uma obra singular da literatura brasileira, um clássico dos nossos tempos.!" Companhia das Letras

segunda-feira, 30 de maio de 2016

A propósito do Acordo Ortográfico

Novos argumentos contra o Acordo Ortográfico de 1990
Por Manuela Barros Ferreira*
“Qualquer crítica - e qualquer defesa - que se baseie sobretudo em insultos não é crítica nem defesa: é mero desabafo. Não vale nada. Por isso apresento uma série de argumentos relativos à eficiência operativa do OA 90 e a aspectos de ordem linguística, educativa, sociológica, diplomática, económica e de preservação patrimonial que me levam a não concordar com a sua aplicação.
1. Argumento da pouca eficácia
O AO 90, em vez de diminuir o número de palavras que se escreviam diferentemente em Portugal e no Brasil, aumentou-o consideravelmente. Segundo um estudo de Maria Regina Rocha (que exclui três tipos de vocábulos), 2.691 palavras que se escreviam de forma diferente mantêm-se diferentes; apenas 569 que eram diferentes se tornaram iguais; 1.235 palavras que eram iguais tornaram-se diferentes e, destas, 200 mudaram apenas em Portugal, dando origem a soluções aberrantes como aceção, conceção, confeção, contraceção, deceção, impercetível..., enquanto no Brasil se continua a escrever acepção, concepção, confecção, contracepção, decepção, imperceptível, etc. (cf. “A falsa unidade ortográfica”, Jornal Público, 19.01.2013, retomado em http://ciberdúvidas.iscte-iul.pt/.)
2. Argumento de ordem fonológica
Uma das características da língua portuguesa falada em Portugal é a chamada “elevação das vogais átonas”, ou seja: para nós, a pronúncia das vogais “a” , “e” e “o” em posição tónica não é a mesma que a que têm em posição átona. Compare-se o primeiro “a” de “casa” com o de “casinha”: na primeira palavra o “a” é aberto, e na segunda o “a” é fechado. Compare-se o “e” de “mesa” com o primeiro de “meseta”: em “mesa” pronunciamos “ê”, em “meseta” o “e” é mudo. Mesmo que esse “e” desapareça da fala e digamos “mzeta”, continuamos a perceber que se trata de “meseta”. Dizemos “tolo” com “ô” mas em “tolice”, o “o” é fechado. Esta regra é de aprendizagem automática, desde a primeira infância. Existem excepções, por motivos etimológicos e de paradigma morfológico: caveira, dilação, especar, especular, padeira, relator, retrovisão e algumas mais. Algumas dessas palavras até costumavam, até certa altura, levar um acento grave para indicar que a vogal era aberta: pàdeira e rètaguarda por exemplo. Hoje ele só subsiste como indicador da junção do artigo “a” com a preposição “a” e com os demonstrativos aquele, aquela, aquilo (“Dei um bolo à Maria”, “Àquele nunca falo”). Em 1971 no Brasil e em 1973 em Portugal foi eliminado dos advérbios de modo, e assim “sòmente” e “fàcilmente” passaram a escrever-se “somente”, “facilmente”. Considerou-se inútil porque “os falantes da língua sabiam como se pronunciavam as palavras”. Foi talvez essa a primeira “facada” que os legisladores da língua deram na transparência que a escrita devia ter para quem o português não era a língua materna – como era o caso da maior parte dos nativos das colónias de então. Noutros casos subsistia porém o recurso a letras etimológicas, com a função de indicar que as vogais que as precediam eram abertas. É o caso de “nocturno”,“espectador”, “tractor”. Sem esse auxílio, a regra de fechamento da vogal que não tem acento tónico tende a aplicar-se. É por isso que o AO 90 induz a que se leia “nuturno” ou, quando muito, “nôtúrno”; “espetador” como um derivado de “espeto” e “trator” com “a” fechado, vocábulo que não existe. Quer dizer, o AO aumentou desmesuradamente o número das excepções a uma regra de pronúncia que permitia uma leitura intuitiva.
3. Argumento de ordem morfológica
Há um princípio básico de qualquer ortografia: a coerência morfológica. O AO 90, seguindo estritamente a produção fonética, exige que se escreva “os egípcios são os nativos do Egito”. Conserva-se, e muito bem, o “p” do “egípcio” porque se pronuncia, mas em “Egito” perde-se a ligação gráfica entre o nome do país e o dos seus habitantes.
4. Argumento de linguística histórica
A língua portuguesa é, como todas as línguas naturais, um produto da História. A nossa deriva maioritariamente do latim, tem muitas raízes gregas, muitas achegas vocabulares árabes, tem remodelações renascentistas, tem neologismos oriundos das nações até onde viajou e dos variadíssimos povos, objectos e ideias que aqui foram chegando através dos séculos. A escrita reflecte essa riqueza.
Sobretudo com o Renascimento, a nossa língua sofreu um impulso extraordinário. A partir dessa altura foram criadas ou recuperadas numerosas palavras com base no grego e latim. Não falemos nos termos da Botânica, Medicina, Biologia, Química, que não há lugar nem tempo para tamanha empresa. Falemos apenas de um processo: o da criação de palavras derivadas.
Se repararem bem, a coerência morfológica que mencionei acima, é coisa que aparentemente falha: as palavras derivadas muitas vezes diferem daquela que lhes deram origem. Por exemplo, “lunar” e “luneta” não derivam de “lua”, “pedal” não deriva de “pé”, “lacticínio” não deriva de “leite”, “nocturno” não deriva de “noite”. Todas estas (e tantas, tantas outras...) palavras foram criadas, não a partir da palavra portuguesa (que sofreu todas as evoluções que o tempo imprimiu à raiz latina), mas sim directamente a partir do étimo latino, recuperado por pessoas eruditas: “luna-”, “pede-“, “lacte-“, “nocte-“. Uma coisa é o ter-se a pronúncia do latim transformado por via popular, através dos séculos (perdendo o “n“, o “l” e outras consoantes sonoras intervocálicas, transformando “–ct” em “-it”, etc.) outra coisa é criar-se uma palavra nova, aproveitando, reciclando um étimo já longínquo para fazer frente às novas necessidades de vocabulário. Deste modo, muitas das nossas palavras derivadas conservaram o étimo latino a partir do qual foram criadas. Elas fazem parte do património da língua, veiculando uma dupla marca de origem: social (erudita) e temporal (tardia).
5. Argumento educativo
Como ensinar a uma criança que “soturno” se lê com “o” fechado, pronunciado “u” na maior parte do país, e a palavra “noturno” se lê com “o” aberto”? A resposta é fácil: não se fala no assunto e fica o caso arrumado. Como ensinar a uma criança que da palavra “noite” se formou “noitada”, mas que “noiturno” e “noitívago” não existem, o que existe para o AO 90 é “noturno” e a dupla grafia “notívago” e “noctívago”?
Não seria mais fácil escrever estas últimas com “ct” e dizer-lhe que são palavras entradas na língua por via erudita e não por via popular? E que, se elas, crianças, comeram papa “láctea”, esta é outra palavra também erudita, tal como “lacticínios” ? Escrever “laticínios” não remete para outra coisa a não ser para “lata”. Talvez a lata de leite condensado que se vende nos supermercados?
6. Argumento sociológico
Antes de 1990 já existiam duas grafias em Portugal: a norma de 1945, muito bem destrinçada e explicada em Prontuários Ortográficos; e uma grafia difusa, sempre em reconstrução e evolução - a das mensagens juvenis - caracterizada pela simplicidade extrema, minimalista, com consoantes isoladas representando palavras, sem pontuação, nem cedilhas nem tiles. Esta tendência não fez senão acentuar-se com a generalização do uso electrónico. É nesta situação dicotómica que se insere uma terceira forma ortográfica, a do AO 90. Os defensores da norma de 45 agridem verbalmente os defensores da de 90 e vice-versa. E os jovens? Uns são penalizados nas notas por escreverem à antiga algumas palavras-ratoeira; outros são menosprezados porque escrevem à sua, deles, moda “simplex”; e os que escrevem “à moderna” deixam de respeitar as edições existentes na biblioteca da sua escola e inclusive invocam o pretexto da “confusão gráfica” para deixarem completamente de ler.
Se o AO 90 não é um erro sociológico, não sei o que será.
7. Argumento diplomático
O Acordo Ortográfico de 1990 tinha-se proposto unificar a escrita de todos os países de língua oficial portuguesa. Este objectivo não foi conseguido. Portugal impôs unilateralmente uma grafia que não tem o acordo de todos .
Diz-se que o AO 90 foi feito, essencialmente, para aumentar as vendas de livros portugueses no Brasil. Para isso pretendia unificar a escrita. Não unificou. Temos, por exemplo, acentos agudos onde os brasileiros têm acentos circunflexos (fenómeno /fenômeno, o que corresponde a uma efectiva diferença de pronúncia); e eliminamos o “c” e o “p” que são pronunciados em palavras brasileiras e não o são nas correspondentes portuguesas. Por exemplo, no Brasil: respectivo, perspectiva, recepção; em Portugal, segundo o AO: respetivo, perspetiva, receção, embora os “e” destas palavras não se pronunciem como os de “repetido” e “recessão”.
Angola e Moçambique não assinaram o AO 90 (o que me parece um grande exemplo de bom senso, sobretudo se tivermos em conta o argumento que se segue). A opinião destes países de língua oficial portuguesa devia ter sido ponderada e tida em conta pelo governo português antes de avançar para uma “situação de facto” extremamente difícil de reverter.
8. Argumento económico
O que seria economicamente mais recomendável?
Adoptar como obrigatório o AO 90 em nome de futuras vendas de futuros livros, tornando obsoletas as bibliotecas existentes? Ou manter a escrita de 1945, com todo o enorme acervo literário e científico que produziu?
Leiamos as palavras da escritora moçambicana Paulina Chiziene:
“Quantos dicionários Moçambique terá de comprar de novo? Quantos livros terá de mandar reescrever? Quantos livros de escola terão de ser refeitos, em nome de um acordo ortográfico? Será que vale a pena sacrificar tanto dinheiro dos pobres só para tirar um “c” e um “p” do que está escrito? [...] Penso que é um capricho tão desnecessário quanto caro”. (Tradutores contra o Acordo Ortográfico).
9. Argumento da preservação patrimonial
É natural que uma língua que se começou a escrever e ensinar há relativamente pouco tempo – por exemplo, o mirandês, no fim do século XX – não tenha qualquer obrigação de respeitar formas que os portugueses foram elaborando ao longo dos séculos. Porém a mim parece-me que todos nós, portugueses, que dispomos de uma língua escrita desde, pelo menos, D. Afonso II, temos obrigação de manter o mais possível as marcas históricas das palavras que até nós chegaram.
A grafia portuguesa já em tempos renunciou a algumas marcas históricas: por exemplo, o “ph” e os “ll” etimológicos (pronunciados “f” e “l”), dado que esse modo de escrever induzia a leituras erradas, e podia, por isso mesmo, ser descartado. Porém o AO 90 vai longe demais, ao afectar de modo evidente a leitura das vogais não acentuadas e a íntima conexão lógica que existe dentro de cada paradigma vocabular.
Ao modificar-se a escrita, com base numa (suposta) maior facilidade da sua aprendizagem, estabeleceu-se uma enorme confusão nessa mesma escrita e perdeu-se a possibilidade de jovens e menos jovens compreenderem os mecanismos de formação das palavras. Perdeu-se o nexo entre elas.
Para terminar:
Outra coisa ainda deveria ser tida em conta: ao renunciar de modo cego às marcas históricas, este “acordo” insere-se num movimento global de apagamento da memória e de negação da História. Terrível movimento, que cada dia se torna mais evidente e que deixará sem raízes, sem passado, uma série de povos, se não a maioria. E que já está deixando o mundo à deriva, presa dócil de todas as tiranias. Admiramo-nos do modo como estão sendo destruídos monumentos, museus, cidades, inúmeras etnias e línguas. Este desrespeito, este crime que hoje nos parece abrupto, começou devagar, por pequenas coisas, aparentemente insignificantes.
É inelutável? Será irreversível? Há quem diga que é demasiado tarde para recuar. Mas talvez ainda se possa fazer qualquer coisa. Mesmo este Acordo, que ainda não está instaurado em todo o mundo lusófono, é passível de emendas fundamentais.”Manuela Barros Ferreira

* ex-investigadora do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, em artigo de opinião ,publicado no Jornal Expresso, em 11.05.2016

domingo, 29 de maio de 2016

Ao Domingo Há Música

                                                 
                                            Ergue-te de mim,
                                            substância pura do meu canto.
                                            Luz terrestre, fragrância.
                                            Eugénio de Andrade, in Introdução ao Canto      

Regressar. Quando a certeza se esvaiu e a incerteza tomou os dias , a vida retoma outro sabor no dia em que se regressa e se descobre que o Sol tem um brilho incomparável , que o céu tem a cor do sonho,  que as águas de Maio podem regar o chão, mas que, no Mar,  a agitação se queda para nos receber. São as ondas dóceis a mostrar  um areal límpido à nossa espera. E como marinhos que somos, a praia estende um manto para nos cobrir de maresia. Então, o ar enche-se de sons e a alegria de estar vivo toma conta de nós. É , de novo, o momento de celebrar.
O milagre da redenção repete-se. A vida é a incerteza de um tempo que ninguém pode calcular nem aprazar. Viver é sempre o risco da precariedade. Dar-lhe forma e sentido faz de cada dia um desafio.
Assim se faz o tempo, assim se cumpre a  vida.
John Barry, em " Return to the Present".

terça-feira, 17 de maio de 2016

O sonho que transforma o mundo.

 


No dia da cor verde

Le sel de la terre est le plaisir qu’on éprouve à faire  plaisir à quelqu’un.
Henry de Montherlant, in “ Va jouer avec cette poussiére”, Carnets 1958-1964

A palavra foi feita para dizer.
Graciliano Ramos

Abençoados os corações flexíveis, pois nunca serão partidos.
Albert Camus

O medo assaltara-o. Temera aquele dia. O mundo mudara muito. Nada era mais o que fora. As imagens de uma outra  memória  não correspondiam àquilo que via,  à medida que avançavam os dias   e de nova cor se vestia. A surpresa era tão forte que se hauria em sufoco. O ar pesava, obstruindo-lhe os pulmões. Que dor.
O verde fora o campo que lavrara, a seara  que vira crescer ,  o fruto que apanhara, a massa que levedara, o pão que repartira,  a fome que matara, o refúgio que  abrigara,  o chão que habitara, o tecto que partilhara, o jardim que plantara. O verde era o desejo de ser feliz numa Primavera sempre renovada. A Esperança que alimenta os corações do homem. A dimensão que faz do Presente um Futuro sido. O sonho que se materializa nos lábios de cada criança.
Que acontecera? Onde estavam as cidades verdes? Prometeram-lhe sobrevivência. Um mundo vestido de verde. Um mundo à procura de si mesmo. Um mundo com amanhã, de braços abertos à tolerância, à inclusão , à generosidade, à compreensão, à partilha , à  dádiva, à multiculturalidade, à cidadania. Um mundo sem arame farpado, sem muros, sem fronteiras para quem perde tecto , para quem é perseguido, para quem foge das armas, da fome, do opróbrio, da tirania que persiste e renasce no fel dos  déspotas. Um mundo aberto ao Homem.
Onde estava esse mundo? A memória não se apagara. Tinha-a viva. Intacta. Indelével.
«Pois não era só memória. Memória era só a metade disso, não era bastante.” Que fazer, então?
Aplanaira tantas arestas antes de partir. O equilíbrio era já uma certeza  em desenvolvimento. Com intensidade, chegavam-lhe, de novo, as palavras de um ilustre escritor, de um filósofo do tempo da reconstrução. Ambos se tinham envolvido na arte da palavra. Na recuperação de um mundo que fora violado nas suas mais recônditas entranhas. Nesse tempo, muitas palavras tinham desaparecido. Algumas esfumaram-se nos escombros que se estendiam por toda a parte. Outras jaziam doentes, numa enfermidade endémica, que resistia aos primeiros cuidados.
Ele afinava as palavras com uma arte ímpar. Nunca lhe aprendera o método. Era um afinador singularmente  brilhante. Com ele partira uma voz que dava às palavras a música que só o verde conhece.
Fora uma perda irremediável quando morreu  três anos após ter proferido as palavras que, tão nitidamente  saudosas e vivas,  lhe acorriam neste  agora. Palavras  plenas de sentido, redondas na intemporalidade e na sempre justa sabedoria:
Tem-se dito que as grandes ideias vêm ao mundo sobre patas de pomba. Talvez então, se apurássemos o ouvido, ouvíssemos, no meio da balbúrdia dos impérios e das nações, como um fraco ruído de asas, a doce  agitação da vida e da esperança.
A comoção chegava-lhe, sem que pudesse controlá-la. Interrompe .Que tempo de dádiva e de abnegação vivera com este insigne homem. Ficara marcado. O coração inquietara-se, mas   retoma o pensamento para que a  grandeza e a eloquência das palavras possa prosseguir   e revelar a grande verdade: 
Dirão uns que esta esperança é trazida por um povo , outros por um homem. Eu creio que é, pelo contrário, suscitada, reanimada, sustentada por milhões de solitários cujas acções e obras,  em todos os dias, negam as fronteiras e as mais grosseiras aparências  da história, para fazer resplandecer fugitivamente a verdade sempre ameaçada que cada um, por sobre os seus sofrimentos e alegrias, constrói por todos.1
E era essa verdade que tinha de ser reconstruída. Não em novos campos de arame farpado, numa Europa devassada pelo vento do visionismo egoísta . Não, numa Europa que se  muralha  , temendo uns  cavalos de Troia que não virão. Mas pelo mundo , onde  sucumbe a paz, onde o vitupério dizima e rouba a esperança de uma sobrevivência entre pares que se digladiam.  Pelo mundo , onde o crepúsculo acontece não pela violência das armas, mas pelos fumos tóxicos das fábricas assassinas, pelo pesticidas  enganadores que contaminam os solos, produzidos por multinacionais fraudulentas, pelos abates indiscriminados  das florestas, pela constante agressão dos poluentes ao ambiente, pela inclusão cega dos transgénicos na cadeia alimentar, pela infame redução da biodiversidade, pela capitosa ambição de um mundo reduzido a saldo bancário.
A Esperança falecia neste mundo. Que verde tão destemperado a cobria. Era uma morte anunciada. Sem verde perdia-se a terra  e com ela ia o sonho que transforma o mundo.
Como socorrer. Era urgente descobrir o caminho que liga a terra ao sonho.  Sabia que nele estaria a esperança.
Assim se interrogava. Assim se castigava, quando aos ouvidos lhe chegou, ténue e abafado,  o som de um marulhar distante. Seria o Mar. Seriam as ondas vestidas de um verdágua marinho a  expelir, de novo,  a música do tempo primeiro, do arranque iniciático.  Como fora possível esquecer a beleza dessas águas. A pureza inicial.
Correu até ao areal. Arfando, a Esperança seguiu-o num passo trôpego e arrastado. Ali estava o mar colorido de um verdágua translúcido e fulgente.
Ao ver a Esperança depauperada, murcha, encardida, desvitalizada, as ondas  enrolaram-na com extrema perícia e, em gestos requebrados, apanharam  toda a família daquela sedutora palavra.
E aconteceu. O tempo parou . Um espectáculo de intensa magia encheu aquele beira-mar. As ondas e as palavras ,  entre espuma e gemidos,  dançaram ao som compassado de um mar quente de verão, num movimento que jamais alguma ninfa se permitiu inspirar.
Quando a música se extinguiu, o mar  repôs na areia doirada uma Esperança revestida do mais límpido verde marinho. Trazia uma longa  e luminosa cauda de algas verde-esperança, suportada por todas as outras palavras que dão ao mundo  a promessa de um futuro.
A verdade estava reposta. E quem a quisesse descobrir , bastaria apurar os sentidos e abrir o coração para sentir a   doce  agitação da vida e   a promissora pulsão  da Esperança. 
Maria José Vieira de Sousa, in " O Afinador de Palavras ", 2016

1-Albert Camus na Conferência “O artista e o seu tempo”, 14 de Dezembro de 1957, Upsala

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Um povo entre povos

Ainda a essência de Portugal...
por Guilherme d'Oliveira Martins
"O tema da «essência de Portugal» merece que nos atardemos um pouco na sua consideração. Lembramo-nos dos debates que tiveram lugar na «Raiz e Utopia», no final dos anos setenta e das reflexões de Eduardo Prado Coelho e de António Tabucchi, que recusaram a lógica do circuito fechado de uma história retrospectiva, abrindo perspectivas críticas, em lugar de uma tentação essencialista. Tratava-se de partir da questão que temos connosco mesmos, como Alexandre O’Neill no-lo disse, melhor que ninguém. E lembramo-nos da célebre conferência sobre «os elementos fundamentais da cultura portuguesa», proferida por Jorge Dias em Washington, nos idos de 1950, que começava significativamente por dizer: «no estado actual dos nossos conhecimentos não é possível desenvolver satisfatoriamente o tema que me foi designado neste Colóquio». Mas não esquecemos as considerações então proferidas, cheias de cautelas e interrogações. E vêm-nos à memória as últimas palavras proferidas: «é um povo paradoxal e difícil de governar. Os seus defeitos podem ser as suas virtudes e as suas virtudes os seus defeitos, conforme a égide do momento». Eis o que temos de entender. Não cuidar de mitos enganosos, mas de um sentido crítico relativamente aos problemas. Não cuidar de consensos ilusórios, mas de compromissos sérios, em busca dos interesses e valores comuns. Nos últimos dias, o tema voltou à ribalta e foi já alvo de intervenções nas páginas do «Público», através de João Teixeira Lopes (28.3) e de Miguel Real (31.3), perante o mote dado pelo Presidente da República sobre Portugal: «aqui se criaram e sempre viverão comigo aqueles sentimentos que não sabemos definir, mas que nos ligam a todos os portugueses. Amor à terra, saudade, doçura no falar, comunhão no vibrar, generosidade na inclusão, crença em milagres de Ourique, heroísmo nos instantes decisivos». A invocação de memórias de infância leva a uma interrogação que faz sentido – quem somos?
Melhor que ninguém, Eduardo Lourenço tem reflectido, ao longo da sua fecunda obra, sobre o excesso e a míngua da identidade nacional e sobre a ciclotimia que nos invade. E o certo é que não devemos iludir-nos com as simplificações. Eis por que motivo a Geração de 1870, de Antero e Eça (menos Vencidos que Vencedores, no largo prazo, como reconheceu Unamuno), mas também António Sérgio, Jaime Cortesão, Raul Proença e António José Saraiva nos ensinaram a denunciar o fatalismo do destino ou do atraso. José Medeiros Ferreira recusava, nessa linha, a lógica das comunidades de destino – fossem nacionais ou outras… Não! Não somos melhores nem piores que outros. Não! Não somos marcados por qualquer messianismo ou escolha providencial. António José Saraiva identificou sebastianismo e loucura. Maria de Lourdes Belchior falou mesmo, em termos insuspeitos, de sermos avessos aos clericalismos. E hoje podemos ler a reflexão completa do Padre António Vieira na sua «Clavis Profetarum», percebendo que o tal Quinto Império não tem a ver com qualquer privilégio histórico, mas com a responsabilidade e o compromisso (aberto e não de uma nação só) e com uma cultura de paz e de dignidade humana. Daí a nossa heterodoxia congénita e o inconformismo. Jorge Dias referiu, por isso, o nosso carácter paradoxal… E Eduardo Lourenço fez uma síntese sobre nós, de modo lapidar: «Saído de ilusões (…), povo missionário de um planeta que se missiona sozinho, confinado no modesto canto de onde saímos para ver e saber que há um só mundo, Portugal está agora em situação de se aceitar tal como foi e é, apenas um povo entre povos. Que deu a volta ao mundo para tomar a medida da sua maravilhosa imperfeição»…
Lembramo-nos bem dos amargos de boca sentidos por Alexandre Herculano quando deixou a memória dos lusitanos lá para trás e contestou a historicidade de Ourique, até por se tratar de um mito reinventado nas vésperas da Restauração… Basta lermos o autor de «Eurico» para percebermos que o Portugal histórico foi produto de complexas metamorfoses, que o Estado precedeu a Nação e que foi a vontade do povo e a costa marítima que conformaram a independência política. E o português tornou-se língua de várias culturas e cultura de várias línguas (de Camões a Cesária Évora, de Rosalia de Castro a Mia Couto). Tudo se prende, em suma, à vontade de sermos nós mesmos enquanto quisermos. Eis por que razão o fundamental não será o debate nacional sobre uma qualquer essência, tema irresolúvel, mas sobre os desafios a que temos de responder - Portugal como problema, assente num saber todo de experiências feito… Os factores democráticos são o que importa aprofundar. É uma Europa aberta e diversa, não fechada nos seus egoísmos, que está em causa. É uma geometria variável de compromissos e cooperações que importa prosseguir. Essencialmente do que se trata é de assumir Portugal como é, que é o modo de considerar uma vocação própria, enquanto encruzilhada de influências (o cadinho ou melting pot da Finisterra, o «continente em miniatura» de que falou Orlando Ribeiro, projectado nas Sete Partidas). O debate urgente não é sobre «uma essência», mas sobre a audácia de ligar liberdade, igualdade, coesão, justiça, confiança, rigor, transparência, aprendizagem e solidariedade. É uma democracia de resultados, da legitimidade do exercício, da responsabilidade e da prestação de contas que devemos aprofundar. Urge, pois, perante as transformações da sociedade global, que possamos assumir a exigência de tornar a informação conhecimento e de transformar o conhecimento em inovação. Se pagamos os nossos impostos temos de cuidar da qualidade acrescentada dos serviços públicos, se ansiamos por mais justiça distributiva temos de combater o desperdício, se precisamos de qualidade de vida, temos de garantir a sobriedade e de preservar a Segurança Social, o Serviço Nacional de Saúde e os seus resultados, bem como melhor Educação e formação para todos, Ciência e Cultura! Se há essência de que deveremos cuidar não é a dos castelos no ar, mas a dos resultados e a do sentido crítico, em nome dos factores democráticos - «olhando para diante».
Guilherme d'Oliveira Martins,in Público | 4 de Abril de 2016

domingo, 15 de maio de 2016

Ao Domingo Há Música

 Figura sentada, Mali (século XIII)
Sentia mais prazer de brincar com as palavras
do que de pensar com elas.
(...)
Gostava mais de fazer floreios com as palavras do
que de fazer ideias com elas.”

Manoel de Barros, in Poeminha, em Língua de Brincar
Há quem pense com as palavras e há quem as cante floreando, mas pensando.
Pelo mundo fora , há vozes geniais que dão às palavras o som inconfundível do belo, do harmónico. Chegam dos países mais distantes, de uma África quente que, neste mundo globalizado, se escutam em directo.
Do Mali, vêm  canções que nos encantam, interpretadas por alguns dos seus artistas maiores. 

Peace, nas vozes de Salif Keita e Cesaria Évora
Salif Keif  é  um grande cantor e compositor do Mali e Cesária Évora, a nossa inesquecível voz de Cabo Verde. Peace é uma das obras de Salif a que junta as vozes de Oliza, Nayanka, Hadja Kouyate.

Salif KEITA, em  "Folon", no palco do  Cercle de Minuit.
Outra voz do Mali, Roki Traore, cantora e compositora , em Kounandi, uma canção muito bela  do Mali.
Rokia Traore, em Sabali, uma canção com África dentro.

sábado, 14 de maio de 2016

Porque tudo é real


Quando vier a primavera
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.


Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma


Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.


Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Alberto Caeiro,  “Poemas Inconjuntos”,in Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa, (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).
Mário Viegas diz Jorge de Sena "*Carta a meus filhos..." do disco "Pretextos para dizer" (1978)

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Memórias de Jorge Amado

( Rio de Janeiro, 1960 - Reeleição)
"Sentindo-se popular, aplaudido pelo povo devido ao carácter democrático, progressista  de seu governo - a implantação da indústria automobilística, a construção de Brasília -, quando se aproximava o fim do mandato , Juscelino  Kubitschek sonhou com a possibilidade de reeleição. Não era fácil, a Constituição proibia, mas...Consultou Otto Lara Rezende, o oráculo lhe disse: quem sabe um manifesto encabeçado por homens de cultura poderia dar início ao movimento. Fui contactado juntamente com alguns outros escritores.
Para começo de conversa, Eduardo Portella e eu pusemos de pé uma carta  de reivindicações referentes à política interna e externa, reivindicações reclamadas por muitos intelectuais  e pelas massas populares. Se Juscelino se comprometesse com tal programa talvez fosse possível lançar-se uma campanha pela reeleição. Eram quinze ou vinte itens,  quantos e quais já não guardo memória , sei, porém, que o Presidente, ao examiná-los concordou com todos menos com um. Aquele que reclamava posição independente  do Brasil na guerra pela independência das colónias africanas sujeitas ao império luso: exigíamos que o governo brasileiro deixasse de apoiar o poder salazarista na reacção contra os movimentos independentistas, deixasse de ser sabujo e se proclamasse neutro. Juscelino, até então entusiasmado com nosso programa, arrepiou carreira:
- Isso não. Não posso fazer uma coisa dessas com doutor António.
Doutor António  era António de Oliveira Salazar, os políticos brasileiros, mesmo os que se intitulavam progressistas , lambiam as botas do ditador de Portugal. Quem veio romper com tais dependências históricas e humilhantes , da política externa  do Brasil foi mesmo Jânio Quadros, queiram ou não aqueles que escrevem a História ao sabor das ideologias." 
Jorge Amado, in " Navegação de Cabotagem, Apontamentos para um livro de Memórias que jamais escreverei", Publicações Europa-América, Setembro de 1992, pp 293, 294

quinta-feira, 12 de maio de 2016

quarta-feira, 11 de maio de 2016

A Música , pura magia

                 
O homem que não tem música dentro de si e que não se
emociona com um concerto de doces acordes é capaz de
traições, de conjuras, de rapinas. William Shaskepeare

A Música não vive para mim , mas vive em mim. Não sei se alguém já o disse de igual jeito. Se o tiver feito, não tem qualquer relevância E quando digo que vive em mim, não pretendo dizer que sei fazer música. Não. Esse talento, esse dom, essa extraordinária capacidade não habitam em mim. Não. E como lamento. Seria prodigiosa, tocada pela pura magia.
A música  sempre foi um dos meus espantos. Não sei se o maior, porque com ela fui despertada  por outros tantos,  ao longo da vida. Não há nenhuma lacuna, nenhum hiato neste nosso relacionamento. Música, diversa, mas sempre Música. Descobri-a no colo materno. Passeava-se entre os  muros  da casa. Mais tarde , enquanto  a estudei , encantei-me com a beleza das  suas diversas faces. Passei a celebrá-la em todos os géneros. E ficou comigo. Permitiu que amadurecesse aos sons dos múltiplos instrumentos que se foram apresentando solitários ou em perfeita comunhão de número e de género. 
Aprendi a amá-la. E é nessa relação de pura afectividade, de necessária completude  que a celebro. São vozes , melodias, acordes  que  são convocados  de acordo com o momento.
Hoje, retorno a June Tabor, uma das grandes cantoras do meu memorial.

June Tabor, em Lassie Lie Near Me,  do Álbum "At The Woods Heart". O poema é de Robert Burns (1790).
Lang hae we parted been,
Lassie my dearie;
Now we are met again,
Lassie lie near me.

Near me, near me,
Lassie lie near me;
Lang hast thou lien thy lane,
Lassie lie near me.
Robert Burns (1790)



June Tabor , em False False.

Near But Far Away  com Tabor, Ballamy, Warren. June Tabor é a VOZ;Iain Ballamy : saxophones;Huw Warren : piano.

June Tabor, em  Sudden Waves.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

O admirável Universo


Teoria do Big Bang - A grande explosão
A teoria do Big Bang é actualmente a teoria mais aceite pela grande maioria dos cosmólogos para explicar como foi o início do Universo. O termo Big Bang sugere-nos a ideia que o Universo começou com uma Grande Explosão. O Universo seria inicialmente extremamente quente e denso, e ao longo dos muitos milhões de anos foi pouco a pouco arrefecendo e tornando-se menos denso, até chegarmos à situação Actual.
A teoria do Big Bang surgiu inicialmente na década de 1920, proposta de forma independente por Alexander Friedmann e por Georges Lemaître, tendo também o físico George Gamow dado um contributo decisivo para esta teoria. Alexander Friedmann concluiu que as equações da Teoria da Relatividade Geral de Einstein previam um Universo em expansão. Georges Lemaître defendeu que o Universo começou com uma explosão chamando a esta teoria de “hipótese do átomo primordial”. Ele defendia a ideia que o Universo estava a expandir-se em consequência da grande explosão do início do Universo.
Em 1929, o astrónomo Edwin Hubble descobriu que as galáxias estão a afastar-se uma das outras, e quanto maior a distância entre elas maior a velocidade com que elas se afastam. A descoberta de Hubble dava assim base observacional para a teoria do Big Bang.
Em 1965 dá-se outra descoberta importante que viria reforçar a credibilidade da teoria do Big Bang. George Gamow, Ralph Alpher e Robert Herman tinham previsto que deveria ainda de existir uma radiação electromagnética criada nos primórdios do Universo que preencheria todo o Universo, radiação essa resultante da Grande Explosão (Big Bang). No referido ano de 1965, Arno Penzias e Robert Wilson detectaram essa radiação cósmica de fundo em micro-ondas, conforme previa a teoria.
A teoria do Big Bang ganhava cada vez mais credibilidade em detrimento de uma teoria rival chamada de teoria do estado estacionário (ou modelo do estado estacionário). Esta teoria do estado estacionário caiu em descrédito para a esmagadora maioria dos cosmólogos.
Durante muito tempo houve um intenso debate entre aqueles que defendiam que o Universo existia eternamente, nunca teria tido um início, e entre aqueles que defendiam que o Universo tinha tido um início. De facto, as evidências apontam fortemente para que o Universo teve um início, não existiu desde sempre. Ou seja a ideia da criação ganhou à ideia de que o Universo existe eternamente. A ideia bem fundamentada de que o Universo teve um início envolve não apenas questões científicas mas também questões teológicas, que não iremos aqui desenvolver.
WMAP – Fundo Cósmico de Microondas
Com o objectivo de conhecer melhor a radiação cósmica de fundo, em 1989 foi lançado para o espaço o satélite COBE (Cosmic Background Explorer) que, através dessa radiação, permitiu-nos ter acesso a um mapa onde podemos observar como era o Universo nos seus primórdios, quando tinha aproximadamente 380.000 anos. O COBE detectou flutuações muito pequenas de temperatura na radiação cósmica que estão relacionadas com a criação das estrelas e galáxias.
O satélite COBE permitiu-nos conhecer muito mais sobre o início do Universo. Entretanto teve um sucessor, o WMAP (Wilkinson Microwave Anisotropy Probe) lançado para o espaço em 2001, munido de instrumentos mais precisos que os do COBE, permitiu-nos ter acesso a um mapa do Universo primordial muito mais preciso. Entre as inúmeras descobertas feitas por intermédio destes satélites, uma deles tem a ver com a possível idade do Universo. Actualmente estima-se que o Universo tem possivelmente cerca de 13,7 mil milhões de anos.
A teoria do Big Bang com o tempo foi ganhando cada vez mais defensores, e ainda que alguns possam contestar a sua validade, a teoria do Big Bang é aceite pela maioria da comunidade cientifíca. Tudo indica que a teoria do Big Bang veio para ficar.
Um aspecto importante a ter em conta, é que quando falamos no Big Bang (Grande Explosão), temos que ter em mente que não se trata de uma explosão que ocorreu num espaço vazio, pois não existia esse espaço vazio para além do Universo. Todo o Universo estaria concentrado num pequeno ponto, sem existir espaço exterior a ele. A “explosão” é na verdade a expansão repentina desse pequeno ponto." Patrick Francisco, in Astronomia
Europa
Europa – Satélite de Júpiter
"Europa, o quarto maior satélite natural do planeta Júpiter. Uma das 4 luas de Júpiter descobertas por Galileu em 1610 quando este apontou o recém-inventado telescópio para o planeta Júpiter. Já se passaram mais de 4 séculos desde sua descoberta, já descobrimos muitas coisas, mas ainda muito temos a descobrir sobre Europa.
Europa tem cerca de 3121 km de diâmetro, sendo um pouco mais pequeno que a nossa Lua. Europa, Ganimedes, Io e Calisto formam o grupo dos 4 maiores satélites do planeta Júpiter, satélites esses que também são conhecidos como luas galileanas, visto terem sido descobertos por Gaileu Galilei.
A lua Europa orbita a uma distância média de cerca de 671.000 km do planeta Júpiter, demorando um pouco mais de 3,5 dias terrestres a completar uma volta ao planeta. Esse é o mesmo tempo que demora a completar uma rotação (uma volta sobre si próprio), fazendo com que Europa tenha sempre o mesmo lado voltado para Júpiter.A superfície de Europa é composta por gelo. É uma superfície brilhante, muito lisa, com poucas crateras, e com um número significativo de riscos coloridos. Dada a sua distância ao Sol, a temperatura média em Europa deverá rondar os -171 ºC. Apesar dessa baixa temperatura, acredita-se que por baixo da crosta gelada deste satélite de Júpiter, exista um oceano de água salgada com várias dezenas de km de profundidade. A fonte de calor necessária para fazer com que exista água em estado líquido por debaixo da superfície gelada de Europa possivelmente é devido às forças de maré, ou seja, resulta da força de gravidade que Júpiter e os satélites Io e Ganimedes exercem sobre Europa.
Foram várias as sondas espaciais que chegaram a Júpiter e que também visitaram a sua lua Europa, aumentado assim o nosso conhecimento sobre este interessante satélite. Essas missões espaciais foram: Pioneer 10 e Pioneer 11, Voyager 1 e Voyager 2, Galileo, e a New Horizons na sua passagem a caminho de Plutão.”Patrick Francisco, in Astronomia

domingo, 8 de maio de 2016

Ao Domingo Há Música

 
                                                  Como todos os homens, sou inacabado.
                                                  Jamais termino de ser.
                                                            Lêdo Ivo, poeta brasileiro

Neste Domingo, a música vem do Brasil. Recordamos uma das grandes vozes desse imenso país. Num tempo conturbado que se arrasta, a memória traz-nos a certeza de que tudo se concerta quando as vontades se congregam. E que , tal como no passado, a Liberdade vingará para que, em  Democracia, o Brasil possa pacificar o coração.

Elis Regina  interpreta  "Como Nossos Pais", canção icónica de um tempo  cinzento do Brasil, composta por Belchior  e extraída do  Álbum "Falso Brilhante" de 1976.


A voz de Elis Regina, em " Aos nossos filhos", uma bela e singular canção de Ivan Lins e Vitor Martins

 Aos nossos filhos

Perdoem a cara amarrada,
Perdoem a falta de abraço,
Perdoem a falta de espaço,
Os dias eram assim...

Perdoem por tantos perigos,
Perdoem a falta de abrigo,
Perdoem a falta de amigos,
Os dias eram assim...

Perdoem a falta de folhas,
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha,
Os dias eram assim...

E quando passarem a limpo,
E quando cortarem os laços,
E quando soltarem os cintos,
Façam a festa por mim...

E quando lavarem a mágoa,
E quando lavarem a alma
E quando lavarem a água,
Lavem os olhos por mim...

Quando brotarem as flores,
Quando crescerem as matas,
Quando colherem os frutos,
Digam o gosto pra mim...

Digam o gosto pra mim...
Ivan Lins e Vitor Martins

sábado, 7 de maio de 2016

Vivemos de memórias inesquecíveis

Um certo Abril*
Numa igreja dos Altos Pirenéus está inscrita: "Todas as horas nos ferem; a última mata-nos." 
Por Baptista-Bastos
“O que foi não voltará a ser. Mas temos de estar sempre preparados para a felicidade, acaso para a descobrir ou inventar. As imagens ditosas desses dias antigos estão delidas. Fomos envelhecendo quase sem dar por isso e aquele ali já não sou eu, nem ela é ela: somos outros com a absurda ilusão de que somos os mesmos.
 Passámos pelo tempo. O tempo não magoa: pune; não damos por ele, mas ele dá por nós. Numa igreja dos Altos Pirenéus está inscrita esta sentença, em forma de velado aviso: "Todas as horas nos ferem; a última mata-nos."  Vivemos rodeados de perigos; porém, o prestígio da palavra revolução exultava-nos e convidava-nos a ir em frente. As revoluções são produto de jovens: são os beijos que nos eram proibidos, os beijos frescos e felizes que prendiam o tempo, e parecia que os não queríamos largar. Vivemos de memórias inesquecíveis e estas constroem a saudade, é o que é. E as memórias são inesquecíveis porque as seleccionamos, e somos sempre novos antes que a realidade nos surpreenda com a desconfiança e o sofrimento.
Claro que os velhos, com a consciência de o ser, propendem para a melancolia, pois talvez entendam que já não são precisos. Os velhos. Preenchem o que lhes sobra com a ideia de que alguma vez foram felizes. Isso basta aos velhos. Não sabem quanto das suas lembranças enfada os novos; não sabem ou não querem saber, o que vem a dar no mesmo.
Todavia, viveram, arrebatados, os vertiginosos dias de Abril, porque eram muito novos, e a esperança era o sonho cuja substância se tornara palpável. Não queriam "mandar aqui": os desejos eram mais modestos: apenas desejavam que a felicidade se prolongasse. Ainda não tinham sido castigados com a evidência de que até o amor morre. As revoluções, não: transformam-se, mas a raiz inicial é sempre a mesma, singela e única: o homem precisa de liberdade e de ser feliz.” Baptista-Bastos, em Crónica publicada no Correio da Manhã de 27.04.2016

*Ao Francisco e ao Manuel, os tempos novos