sábado, 26 de março de 2016

Pediram-lhe prodígios e benesses


NON EST HIC

Pediram-lhe prodígios e benesses,
Como aos outros Rabis, ou feiticeiros.
Mas o pior foi que, sob esses,
Mataram seus milagres verdadeiros.

No pão e vinho que lhes deu, - provaram
Seu corpo e sangue, à santa mesa.
E a seguir, com um ósculo O entregaram,
E O negaram três vezes por fraqueza.

Mas o pior foi quando , sem figueira
Nem lágrimas contritas,
O atraiçoaram de maneira
Que às traições chamam benditas!

(…)

Na cruz infame O ergueram moribundo
Entre os dois justiçados desse dia.
Tremia a máquina do mundo
Quando, invocando o Pai, Ele desfalecia…

Tremia a máquina do mundo, e trevas
Caíram sobre a terra, e o sol baixara,
Quando Ele se extinguiu, perante as levas
Da soldadesca ignara.

Espetaram-lhe a lança, - estava morto,
Sangue manou, com água, dessa chaga…
Mas o pior é que, para nosso conforto,
Já tudo a Pia de água benta alaga!

No sepulcro O fecharam, e lhe deram
Guardas, - para impedir a sua Ressurreição.
Nada os guardas fizeram,
Que adormeceram, e Ele abriu a pedra do caixão.

Mas o pior foi que, ressuscitado,
Depois das mil sessões dum Teológico Processo,
Fizeram de Ele um Trino abstracto e complicado,
Ou um coração-de-Jesus gesso.

Os que ele mesmo ungira, temerosos
Do pânico Segredo,
Quando se lhes mostrou ficaram duvidosos,
Sobre a chaga quiseram pôr o dedo.

Mas o pior foi quando, não descrentes,
Sobre dogmas e incenso O ergueram no seu sólio,
E, nos degraus sentando-se, imponentes,
Fizeram de Ele monopólio.

Perdoa-lhes, Jesus! Não sabem o que fazem.
Rodam em dédalos sem fulcro…
Ou nunca mais virás, aos limbos em que jazem,
Quebrar, não já o teu, mas sim o seu sepulcro.

José Régio, in Chaga do Lado, Portugália Editor

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