sábado, 20 de fevereiro de 2016

Umberto Eco morreu esta sexta-feira

O escritor italiano Umberto Eco morreu esta sexta-feira aos 84 anos de idade.
A notícia foi avançada pela família ao diário italiano La Repubblica.
Desde há vários anos que o autor sofria de um cancro.
O seu primeiro romance, “O Nome da Rosa”, publicado em 1980 tornou-se um êxito imediato vendendo milhões de exemplares. A obra seria ainda traduzida em 43 línguas. O romance receberia ainda o Prémio Strega em 1981.
Umberto Eco nasceu em Alesssandria , em 1932.Tem uma obra variada e extensa onde se podem destacar obras como "O Pêndulo de Foucault", "A Ilha do Dia Antes" , O Cemitério  de Praga" e Ensaios como  " O signo: os limites da Interpretação , Kant e o Ornitorrinco", "A passo de caranguejo", "Obra aberta".  Era uma das principais figuras da cultura italiana. Para além de escritor, Eco era ainda filósofo, ensaista, semiólogo e professor universitário.
A sua última obra “Número Zero”, publicada o ano passado, abordou questões relacionadas com o jornalismo na era digital." Notas com base em notícia da Euronews

Nesta obra “Número Zero”,  a "redacção de um diário reunida à pressa prepara um jornal dirigido , mais do que à informação, à chantagem, à intriga, ao lodo, às reportagens ignóbeis, que a chefia exige para aumentar as vendas. Um redactor paranóico  que, circulando por uma Milão alucinada ( ou alucinado por uma Milão normal), reconstrói uma história com cinquenta anos, tendo como pano de fundo um plano diabólico arquitectado em torno do cadáver  putrefacto de um pseudo Mussolini. E , na sombra, o Gladio, a P2, o assassínio do Papa Luciani, a CIA, os terroristas vermelhos manobrados pelos serviços secretos, vinte anos de massacres e de pistas falsas, um conjunto de factos inexplicáveis que parecem inventados, até que uma transmissão da BBC vem provar que são verdadeiros ou, pelo menos, são agora confessados pelos seus autores.
Uma história que se desenrola em 1992, em que se prefiguram muitos dos mistérios e loucuras dos vinte anos seguintes, precisamente quando os dois protagonistas pensam que o pesadelo terminara. Um caso amargo e grotesco que se desenrola na Europa desde o fim da Segunda Guerra até aos nossos dias.
Este é o manual perfeito para o mau jornalismo que, gradualmente, nos impossibilita de distinguir uma invenção de um directo."
Eis um excerto deste livro,“Número Zero”:

"Sozinho, nunca sei iniciar uma jogada, mas se outro me passar a bola, às vezes consigo marcar golo. É que Maia ainda é ingénua, enquanto , a mim, a idade tornou-me sábio. E se sabes que és um perdedor, o único consolo é pensar que todos , à tua volta, são uns vencidos, mesmo os vencedores. 
Assim, retorqui a Maia:
" Amor, não estás a considerar  que, pouco a pouco, também a Itália se está a tornar como os países de sonho para onde te queres exilar. Se somos capazes, em primeiro lugar, de aceitar e em seguida, de esquecer todas as coisas que nos contou a BBC, isso significa que estamos a habituar-nos a perder a vergonha. Não viste  como todos os entrevistados  desta noite contavam tranquilamente que tinham feito isto ou aquilo, e que estavam quase à espera de uma medalha? Não mais claros-escuros do barroco, coisas de Contra-Reforma - os tráficos emergirão en plein air, como se os impressionistas os pintassem: corrupção autorizada, o mafioso oficialmente no parlamento, o evasor fiscal no governo, e na prisão só os pilha-galinhas albaneses. As pessoas de bem continuarão a votar nos patifes, porque não acreditarão na BBC, ou não quererão ver programas como os desta noite, porque terão aderido a qualquer coisa mais trash, provavelmente as televendas de Vimercate acabarão no horário nobre, será morto alguém importante, funerais de Estado.  Nós ficamos fora de jogo: eu volto a traduzir do alemão e tu voltas à tua revista  para coiffeurs pour dames e salas de espera de dentistas. Quanto ao resto, um bom filme à noite, o weekend aqui em Orta - e que se lixem todos os outros. Basta  só esperar: uma vez que, tendo-se tornado definitivamente Terceiro Mundo, o nosso país será plenamente habitável, como se tudo fosse " Copacabana, a mulher é rainha, a mulher é soberana."
Mais restituiu-me a paz , a confiança em mim mesmo, ou, pelo menos, a calma desconfiança no mundo que me rodeia. A vida é suportável, basta conformarmo-nos. Amanhã ( como dizia Scarlett O'Hara - outra citação, eu sei , mas renunciei a falar na primeira pessoa e deixo falar só os outros) é outro dia.
A ilha de San Giulio voltará a brilhar ao sol. "
Umberto Eco, in Número Zero, Editora Gradiva, Lisboa, Maio de 2015, pp. 162-163.

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