quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Famílias Felizes

Mesa de café, oléo sobre tela, Ernst Ludwing Kirchner,
 1923, Museu Folkwang, Essen
Por Moacyr Scliar
Fevereiro de 2010
"As famílias felizes são todas iguais; mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira”, escreveu Leon Tolstoi (1828- 1910) no início mesmo do romance Anna Karenina. A observação ajuda a entender o interesse de muitos autores pela vida familiar, sobretudo pelas histórias infelizes... A desventura parece ser mais interessante (ao menos do ponto de vista literário) que a felicidade. Isso pode ser constatado em três célebres romances, todos relativamente recentes e ostentando nomes de famílias.

O primeiro é Os Maias, de Eça de Queirós (1845-1900), um dos mais importantes escritores portugueses. A trama de Os Maias (que já deu origem a uma minissérie de televisão no Brasil) passa-se na segunda metade do século XIX, apresentando-nos a história de três gerações. Afonso da Maia, é um homem nobre e rico; seu filho único, Pedro da Maia é emocionalmente instável, sujeito a crises de depressão. Ele melhora ao se casar com a bela e exuberante Maria Monforte, com quem tem dois filhos, Carlos e Maria Eduarda. Pouco depois do nascimento da menina sua esposa apaixona-se por um italiano e foge com ele, levando a filha. Desesperado, Pedro suicida-se. Afonso dedica a vida a cuidar do neto, que cresce, forma-se em medicina e torna-se amante de Maria Eduarda, que – tragédia é tragédia, com todas as coincidências às quais a tragédia tem direito – é a irmã que ele não conheceu. Quando descobre a verdade, Carlos continua mantendo uma relação incestuosa com Maria Eduarda. Afonso da Maia, ao saber disso, tem um acidente vascular cerebral e morre. Maria Eduarda e Carlos separam-se e seguem cada um a sua vida, em um final amargo.

O segundo romance é Os Buddenbrook. O alemão Thomas Mann (1875 – 1955) tinha apenas 26 anos quando publicou essa importante obra. A literatura estava em seu genoma: o irmão mais velho, Heinrich, também escritor. Três dos seus seis filhos, Erika, Klaus e Golo, dedicaram-se à literatura. O romance, que foi um sucesso e lhe  deu  o Prémio Nobel de Literatura (1929), tem como subtítulo O declínio de uma família. A obra mostra a decadência de um clã mercantil de Lübeck, na Alemanha, ao longo de quatro gerações. Nisso, Thomas seguia a trajectória de Heinrich, que anos antes escrevera o romance In einer Familie (Numa família). Além de reflectir os dramas pessoais dos personagens, o livro é um gigantesco painel histórico, mostrando a revolução de 1848, a guerra austro-prussiana e a formação do império germânico.

Também num cenário histórico conturbado transcorre Os Thibault, do francês Roger Martin du Gard (1881-1958), escritor que, para a minha geração, foi um verdadeiro guru. Como Os Buddenbrook, a obra monumental (três ou cinco volumes, conforme a edição) deu ao autor o Nobel de Literatura (1937). De família de classe média, Gard era um grande leitor e inspirou-se em Guerra e Paz, de Tolstoi, para mostrar a decadência social no período anterior à Primeira Guerra. Os principais personagens são os irmãos Jacques Thibault, socialista e pacifista, e Antoine Thibault, médico de rigoroso espírito cartesiano. Personalidades opostas, portanto, constituindo uma espécie de bipolaridade emocional. Ambos morrem em consequência da guerra; a agonia de Antoine, vítima de um ataque de gás (armas químicas eram então comuns), é particularmente pungente.

Nos três romances – que, por coincidência, têm como título sobrenomes de famílias – impressiona a capacidade dos escritores em descrever e interpretar os conflitos familiares, situando-os num contexto histórico e cultural. Psicologia das famílias está hoje na ordem do dia, e para esse tema Eça de Queirós, Thomas Mann e Roger Martin du Gard ofereceram uma contribuição valiosa e original. " Moacyr Scilar

Sobre Moacyr Scilar

"Nasceu em Porto Alegre, Brasil,  em 1937 e faleceu em 27 de Fevereiro de 2011. É autor de mais de 80 livros, uma obra que abrange vários géneros: ficção, ensaio, crónica e literatura juvenil. Muitos destes foram publicados nos Estados Unidos, França, Alemanha, Espanha, Portugal, Suécia, Argentina, Colômbia, Israel e outros países, com grande repercussão crítica. Entre outros, recebeu os prémios: Prémio Joaquim Manoel de Mace­do (1974), Prémio Erico Verissimo (1976), Prémio Ci­da­de de Porto Alegre (1976), Prémio Guimarães Rosa (1977), Prémio Brasília (1977), Prémio Jabuti (1988, 1993 e 2000), Prémio Associa­ção Paulista de Críticos de Arte (1989), Prémio Casa de las Americas (1989), Prémio Pen Clube do Brasil (1990), Prémio José Lins do Rego (Academia Brasileira de Letras, 1998). Formou-se em medicina em 1962, especializando-se em saúde pública. Em 1993 e 1997 foi professor visitante na Brown University (Departament for Portuguese and Brazilian Studies), nos Estados Unidos.
Moacyr Scliar foi colunista dos jornais Zero Hora e Folha de S.Paulo e colaborou em vários órgãos da imprensa no país e no exterior. Tem textos adaptados para cinema, teatro,TV e rádio, inclusive no ex­te­rior. Em 2003, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. " in  site da Editora L&PM

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