sábado, 14 de novembro de 2015

Há nove anos

O irmão já cá andava. Nascera há quatro anos sem que ele soubesse. E logo ele que ficaria, por causa dessa circunstância, o benjamim. O irmão mais novo, o filho mais novo, o neto mais novo e ainda o sobrinho mais novo.  Lembrava-se tenuemente desse dia. Não tinha bem a certeza porque isso de nascer também dá algum trabalho. Não é apenas sair todo pintalgado  e começar a gritar . Não. Os momentos, que antecedem essa saída, cansam; exigem perícia e controlo de movimentos. Levanta-se um tumulto que impulsiona todo o corpo, em sobressaltos ritmados e espaçados. Com o rodar do relógio, os sobressaltos convertem-se em convulsões que fazem vibrar e rodopiar o corpo como se fosse uma bola lançada ininterruptamente entre duas balizas.    A agitação é tanta que se não se sai,  quase se sufoca dentro dessa estufa que a  mãe acondiciona há nove meses. E, ao sair , chora-se, grita-se porque se vem cansado e dorido de tanto esforço. Além disso,  aquele túnel, à saída, é estreito. Assusta e obriga a comprimir. 
Nascer é um exercício de destreza. Não sei bem quem se comprime mais : a mãe ou o filho? O que sei é que não foi fácil. Mas , no meio  de alguns gritos, como gostei de  ver o rosto da  mãe.  Tinha olhos bonitos e sorria-me. E não é que o sono chegou e lá  me entregaram, lavadinho, bem cheiroso, aos lençóis de um berço daquela Maternidade hospitalar, no Sul de Portugal.
Onde estaria o pai? Tinha  escutado que ele vinha de longe, de muito longe . Ainda em trabalho de parto , alguém dissera que chegaria mais tarde porque o avião vinha com atraso. O pai tinha uma voz melodiosa, doce. Quando estávamos em casa, antes de termos vindo para Portugal, por causa do meu nascimento, ele falava de mim ao meu irmão. Dizia-lhe que estava feliz e que  comigo seria diferente. Teria alguém que se tornaria inseparável: um irmão, um amigo para sempre . Não entendia bem o que ele queria dizer. Apenas o ouvia com algum tremor dentro de mim. Creio que era  o meu coração a respirar.
E agora, que já cá estou, descubro que cresci. Que passaram nove anos desde aquele dia 14 de Novembro de 2006. E como o pai tinha razão. O meu irmão Ricardo é o meu grande companheiro. Mima-me e ralha sempre que pode. Mas gosta de mim como um grande irmão. E o pai continua com aquela voz assertiva em doçura e atenção. É o melhor pai do mundo. E não é que é o meu!
Miguel Vieira de Sousa, Novembro de 2015

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