quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O prazer do texto

"Há toda uma pequena mitologia que tem tendência para fazer  acreditar que o prazer ( e singularmente o prazer do texto) é uma ideia de direita. À direita, despacha-se para a esquerda com um mesmo movimento tudo o que é abstracto, aborrecido, político e guarda-se o prazer: sejam bem-vindos entre nós, vós que chegais enfim ao prazer da literatura! E à esquerda, por moral, (esquecendo-se os charutos de Marx e de Brecht), suspeita-se , despreza-se qualquer " resíduo de hedonismo". À direita , o prazer é reivindicado contra a intelectualidade, o clericato: é o velho mito reaccionário do coração contra a cabeça, da sensação contra o raciocínio, da " vida" (quente) contra a abstracção" (fria): o artista não deverá, segundo o sinistro preceito de Debussy, " procurar humildemente provocar prazer"?À esquerda, opõe-se o conhecimento, o método, o compromisso, o combate, ao "simples deleite" ( e todavia se o próprio conhecimento fosse também delicioso?). Em ambos os lados existe a ideia bizarra de que o prazer é uma coisa simples, e é por isso que o reivindicam ou o desprezam. 
O prazer, contudo, não é um elemento do texto, lógica do entendimento e da sensação; é uma deriva, qualquer coisa que é simultaneamente revolucionária e a-social e que não pode ser fixada por nenhuma colectividade, por nenhuma mentalidade, por nenhum idiolecto. Qualquer coisa de neutro? Compreende-se facilmente porque é que o prazer do texto é escandaloso: não por ser imoral, mas atópico." 
Roland Barthes , in " Le Plaisir du Texte", Editions du Seuil, 1973, Paris

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Cuba - A Sombra de Hemingway

PRO MEMORIA
Cuba – A Sombra de Hemingway
Por Eugénio Lisboa 
"Há poucas semanas, visitei Cuba pela primeira vez. Estava-me no imaginário, há bem cinquenta anos, desde quando, em 1959, Fidel Castro descera da Sierra Maestra, acompanhado do Che e dos restantes companheiros de luta, para expulsarem da Ilha o corrupto ditador Fulgencio Batista e os seus sórdidos acólitos. A minha geração, a que era de esquerda, festejou abertamente o triunfo de Fidel: na livraria Spanos, na baixa de Lourenço Marques, baratinando os analfabetos da PIDE, comprávamos, com alegria e brio, “paperbacks” de C. Wright Mills e de Sartre (em inglês) dedicados à revolução e aos “homens que não dormiam”. Disso, fica-nos sempre alguma coisa e não foi sem uma boa dose de melancolia que fui assistindo, ao longo dos anos, ao apodrecimento gradativo de todos os ideais e à perpetuação do poder por amor do poder. O Fidel de hoje não pode, contudo, apagar completamente o Fidel de há cinquenta anos. Houve uma aurora que nos alumiou e a ela – e para sempre – ficámos gratos. Quando agora fui a Cuba, por razões pessoais e familiares, levava comigo, a aquecer-me, a imagem desses dias de entusiasmo e tumulto. Mas não era só isso: Cuba fora também a residência, durante os últimos vinte e tal anos da sua vida, do escritor Ernest Hemingway, cuja obra se me deparara, com algum alarme, ainda no começo da minha adolescência. O autor de The Sun also Rises ficara-me  para sempre uma presença forte e mesmo obsessiva, até ao seu suicídio, em 2 de Julho de 1961 – e bem para além dessa data fatídica. Ir a Cuba serviria, pois, também, para exorcizar, de vez, esse dorido fantasma. Com essa visita, iria finalmente fechar as suas “obras completas”.
*
Tinha catorze anos quando, em Lourenço Marques, num fim de tarde, durante as férias grandes, isto é, de inverno, meu pai me trouxe, para me alimentar o vício da leitura, um livro de formato robusto, que se intitulava Os Melhores Contos Americanos e se inscrevia  numa série que dava pelo nome de Antologias Universais. Entre outros títulos de autores mais conhecidos que ali figuravam, um me saltou aos olhos e ao espírito, pela sua ameaça latente:  “Os Assassinos”. Era seu autor um desconhecido: Ernest Hemingway. Outros, igualmente estranhos, o acompanhavam: Faulkner (“O Funeral de um Negro”), Saroyan (“Setenta Mil Assírios”). Todos estes contos representaram, para mim, naquele tempo, um considerável alarme estético. Literalmente, desarrumaram-me, deixaram-me sem saber o que pensar de tudo aquilo. João Gaspar Simões, o director editorial e o responsável pela colecção e pelo volume, avisava, desde logo, em termos um tanto vagos mas suficientemente inquietantes, quanto do “projecto” do autor americano: “a purificação da narrativa de todos os elementos não essenciais a ela.” O conto, por via do título, prometia ao adolescente romântico que eu era baldes de acção, mas tudo quanto ali encontrava era um diálogo porfiado, seco, agressivo, brutal, ameaçando tudo, mas conduzindo aparentemente a algo que ficava, para sempre, fora do meu campo de visão. Muito barulho para nada? Nem por isso: ficava-se literalmente esmagado, desligado de vez  de não sei quantas ilusões de vida e de arte. É que era aquela uma arte seca, descascada, despojada de artifícios e de adjectivos, curtamente declarativa e, como muito mais tarde observaria o escritor E. L. Doctorow, “uma arte rigorosa de grande poder compressor”. O autor de “The Short Happy Life of Francis Macomber” – conto magistral, implacável e horrorosamente revelador – trazia à narrativa moderna uma dentada forte e inapagável, embora o seu enfoque e o seu processo não fossem  de aplicação ilimitada. Como observava o citado Doctorow, “ele era inquestionavelmente um génio, mas era-o daquela espécie que publicita os seus próprios limites.” Por outras palavras Hemingway não era Henry James nem poderia aspirar a ser Proust ou Thomas Mann. Mas o seu estilo tenaz, anti-literário era, como observará Anthony Burgess, no seu admirável e compacto livro dedicado ao autor de A Moveable Feast, “uma música nova e reconhecida como tal.”
*
Foi, pois, Hemingway que também me levou a Cuba. Mesmo na década que precedeu a sua instalação definitiva, em 1940, na Finca La Vigia – a poucos quilómetros de Havana -  Hemingway passava já grande parte do seu tempo naquela cidade, instalado – on and off – numa pequena “suite”, no 5º andar do Hotel Ambos Mundos, situado na esquina em que a Calle Obispo se cruza com a Calle Mercaderes. A “suite” é minúscula, nela mal cabendo a cama (com os pés voltados a Oriente, para que o sol nascente arrancasse o escritor, bem cedo, do repouso nocturno...) e uma mesinha para a máquina de escrever. É hoje um minúsculo museu. Perto, fica o porto, onde ancorava o seu iate.
Em Havana, Hemingway está omnipresente. É o grande ícon cultural, o inevitável caça-turistas, os quais atravancam a Bodeguita Del Medio, no Empedrado, onde o escritor ia beber, com regularidade, os seus “mojitos”. Na Calle Obispo, encontra-se também, no seu extremo ocidental, o bar Floridita, onde o autor de Death in the Afternoon ia beber, entre o fim da manhã e o meio da tarde, aquela dúzia de daiquiris duplos, cuja confecção ajudara a aperfeiçoar (aos quais acrescentava um largo copo cheio, que levava consigo, “for the road”). O daiquiri “aperfeiçoado” leva hoje, para turista ver, o nome do escritor. Terminada a libação, ia para casa ler, conversar, ver, de vez em quando, algum filme: tinha em casa um projector, com o qual revia, uma vez por outra, o único filme extraído de obra sua, que realmente estimava: The Killers, de Robert Siodmak, com Burt Lancaster, Ava Gardner e Edmond O’Brien, no elenco. Eis, nas próprias palavras do escritor, um resumo da sua vida em Havana:” Tive sempre sorte, a escrever em Cuba... Mudei-me de Key West para cá em 1938 e aluguei esta finca e comprei-a, finalmente, quando se publicou Por Quem os Sinos Dobram. É um bom lugar para trabalhar porque está fora da cidade e encravado numa colina... Levanto-me cedo quando o sol nasce e ponho-me a trabalhar e quando termino vou nadar e bebo um copo e leio os jornais de Nova Iorque e de Miami. Depois do trabalho pode-se ir pescar ou praticar tiro aos pombos, pela tarde. Mary [a quarta mulher] e eu lemos e ouvimos música e vamos deitar-nos. Algumas vezes vamos à cidade ou a um concerto. Outras, a uma peleja ou ver um filme e, a seguir, ao Floridita.”
Na magnífica Finca, que legou, por testamento, ao povo cubano, tudo se conserva modelarmente intacto e acarinhado: parece ainda habitado, com os donos apenas temporariamente ausentes. Ampla, arejada, cheia de livros bem arrumados – nove mil exemplares, fora os que terão ficado pelo caminho. Garcia Marquez, que lhe dedicou um livro, manipulou com amorosa minúcia a biblioteca e ali terá encontrado nas margens dos livros (lidos e anotados)  certa observação crítica, no mais puro hemingwayês: “Pura merda de elefante”. Foi também Garcia Marquez quem, ao contemplar a sapateira preservada na Finca, falou nos “seus grandes sapatos de morto”.
Na minha imaginação, nunca vira a Finca tão ampla e cercada por um jardim tão vasto e generoso, Neste, debaixo de um telheiro, imobiliza-se para sempre, o Pilar que, pilotado pelo inseparável Gregorio Fuentes (Grigorine) se fazia ao mar, para pesca graúda e, ocasionalmente, para dar caça aos submarinos alemães... Ali, em Cuba, de algum modo, Hemingway foi feliz, escrevendo. Porque, numa carta de 1940, ao seu amigo e editor Charles Scribner, dizia: “Tenho de escrever para ser feliz”.
*
Numa introdução que escreveu para uma selecção de contos de Hemingway, David Hughes diz isto que apetece registar: ”Quando o lemos, o nosso espírito começa a seguir os seus ritmos e a deitar fora todos os advérbios e a cortar todo o floreado verbal, a favor de uma narrativa plana e pictórica que apenas expõe o seu ponto de vista.(...) A sua capacidade de usar tão poucas e curtas palavras para convir questões de vida e morte era o resultado de uma longa luta com vista a banir o literário da sua linguagem.” Assim sendo que melancolia me avassala por me ter servido de tantas palavras para vos entregar aqui algumas das vivências cubanas  do autor de The Green Hills of Africa! Ainda por cima, não o vejo a usar a palavra “vivências”..." Eugénio Lisboa,em Crónica publicada no JL

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Um homem no cais

Um homem no cais

Que saldo trago da vida?!
da existência escassa e vadia que vivi?!
que emoções puderam transfigurar meu coração de marinheiro
e desviar meus passos do caminho do cais?!
eu, que tornei meu corpo ambulante
a vagar de porto em porto em busca de um navio!
em busca de um destino qualquer que flutuasse
e me levasse pra bem longe e sem destino,
fazendo de mim um homem sem pátria e sem ninguém!

Ah, minha vida...
imenso cais deserto!
e eu a perambular pelas cidades portuárias
em busca de um capitão!
minha vida sem sal e sem sol!
sempre à sombra dos grandes cascos,
aspirando as emanações das coisas marítimas,
derivando pela atmosfera buliçosa dos portos!
Contemplo a mim mesmo caminhando ao longo do pavimento sujo do cais!
a vadiar entre vagonetes de madeira, caixotes empilhados e fardos de mer-
                                                                                                         /cadorias!
e depois, cansado e com os pés doídos
sentar-me na calçada dos armazéns
para ver os estivadores e os guindastes em movimento
e os pesados lotes de carga que são engolidos pelas bocas dos porões.

Ah, convívio com os que ficaram à beira de todas as rotas!
e com os que vivem para partir ao largo e ao distante!
ah, criaturas das margens e criaturas dos horizontes!                                                       
gente com quem falei e com tantas profissões entrelaçadas!
gente de terra que entra e sai das docas,
vigias, conferentes, administradores do porto,                                                      despachantes, funcionários das capitanias,
homens dos rebocadores, dragas, barcaças,
dos pesqueiros e das pequenas embarcações costeiras
oficiais de bordo, embarcadiços,
tripulantes de muitas nacionalidades que sobem e descem pelas escadas dos
                                                                                                            /navios,
Ah, essa vida misteriosa dos homens do mar!
ah, marinheiros debruçados nas amuradas
a olhar com impaciência a lida dos trabalhadores do cais!
a que distância estás da tua pátria?!
há quanto tempo não beijas tua amada?!

Contemplo a mim mesmo no alto do tombadilho dos cargueiros atracados!
olhando os navios que chegam e os navios que saem;
os que ancoram além da barra e os que são vistos ao largo das baías;
os que vêm chegando com as manhãs de sol
e aqueles que começam a manobrar à tardinha e logo depois, partem ilumi-
                                                                                                            /nados.

Ah, meu barco que nunca chega e que nunca parte!
enquanto te aguardo caminho pela areia colorida das praias
e pelo dorso dos planaltos!
e hoje,
depois de tanto andar
sem bússola
sem cansaço
e quase comovido com minha vida vagabunda
eu, com vinte e sete anos de idade,
conhecendo dezessete estados do meu país imenso
e mais três nações do continente americano
trago ainda meu sonho imaculado
e minhas retinas dilatadas para visões mais amplas e azuis.
 
De tantas cidades percorridas,
de tantos rios atravessados,
trago apenas 
a nostalgia de terras que não vi
e a saudade do marinheiro que não fui!
Quantos anos vividos
ao lado e na distância do homem que me deixei num cais
sem barco e sem destino!

Ah, meu sonho!
minha vida naufragada.
Eu contemplo a mim mesmo
o rapaz que foi a pique numa tarde de novembro.

Tudo, ah, tudo em mim partiu pro mar!
e eu fiquei ausente
sempre algemado ao momento da partida
com um nó atravessado na garganta do meu sonho!

E agora
meu canto marítimo
chega ainda com a brisa dos oceanos
e na maré alta
banha meu sonho primeiro
e quem sabe, o derradeiro.

Nesse tempo de embarque
tudo esteve pronto e ainda está:
meu passaporte, meu diário em branco,
o violão e o poeta;
meu corpo sadio e forte para as tarefas de bordo
e a imaginação que escolheu as roupas de trabalho
e o traje para descer nos portos escalados:
camisa e sapatos brancos, o paletó azul-marinho
e a calça acinzentada;
a pele bronze, a barba bem crescida
e no peito tatuado qualquer nome de mulher
que eu diria ser o nome da mulher amada.

Vivendo deste sonho
eu fui partindo...
embarcava com os tripulantes
e estava no convés de tudo o que se fazia ao mar 
e desaparecia na curva do horizonte.
eu também acenei para os que ficavam
eu acenei a mim mesmo.
Parti com os navios mercantes, vasos de guerra,
transatlânticos, escunas, veleiros...
                                                       
fiz amigos e inimigos entre marinheiros,
aprendi a língua deles
trabalhei, ri, cantei, me embriaguei com eles.
desci em portos de países longínquos e misteriosos,
conheci outros continentes,
salguei meus olhos nas águas de todos os oceanos
e dos mares interiores,
senti meu coração seduzido pela beleza das baías e enseadas,
golfos e estreitos,
e tudo que eu vi...
ah, perdão!
tudo o que eu vi foi com a imaginação apenas!
eu nunca fui além do cais!
são estórias que ouvi de marinheiros!
de livros que li há muito tempo.

Mas ai de mim!
vivendo deste sonho
eu fui morrendo em tudo mais na minha vida.
e assim, o que de bom esteve ao meu alcance
e que poderia encher meu coração em terra firme
foi sempre provisório e desbotável.
O amor, o grande amor, não sei quem foi, não percebi...
os anos cresceram pesados e exigentes
e a única herança recebida
foi o imenso mar que se espraiou na minha infância.

Ah, meus dias foram outros!
e tudo o que de mim restou de belo,
está distante
está no mar
e nesta ânsia de cantar.

                                                                          Curitiba, Setembro – 1968
Manoel de Andrade, poeta brasileiro, in " Cantares ", Ed. Escrituras, São Paulo, Brasil, 2007

domingo, 27 de setembro de 2015

Ao Domingo Há Música

"A queda da opressão foi sancionada pela humanidade e é a maior aspiração de cada homem livre." 
"Os valores da solidariedade humana que outrora estimularam a nossa demanda de uma sociedade humana parecem ter sido substituídos, ou estar ameaçados, por um materialismo grosseiro e a procura de fins sociais de gratificação instantânea. Um dos desafios do nosso tempo, sem ser beato ou moralista, é reinstalar na consciência do nosso povo esse sentido de solidariedade humana, de estarmos no mundo uns para os outros, e por causa e por meio dos outros." Nelson Mandela, in Long Walk to Freedom

Porque o tempo nos faz olhar o futuro através das  ásperas e  fundas pregas dos dias que correm , recordar a singular personalidade de Nelson Mandela é um motivo para acreditar que, quando o Homem quer, a História também se pode escrever com belos e surpreendentes parágrafos.
Eis uma linda canção," Bleed  for love", extraída da banda sonora do filme Winnie Mandela, na voz de Jennifer Hudson que interpretou o papel de Winnie Mandela.

sábado, 26 de setembro de 2015

Tempos de violência : o êxodo dos refugiados

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De onde vêm tantos refugiados?
Nove guerras civis simultâneas devastam mundo islâmico. Há algo comum entre elas: a destruição dos Estados nacionais árabes e o estímulo ao ultra-fundamentalismo, promovidos por EUA e seus aliados
Por Patrick Cockburn* | Tradução: Inês Castilho
São tempos de violência no Oriente Médio e Norte da África, com nove guerras civis acontecendo em países islâmicos, situados entre o Paquistão e a Nigéria. É por isso que há tantos refugiados tentando escapar para salvar as suas vidas. Metade da população de 23 milhões da Síria foi expulsa de suas casas; quatro milhões transformaram-se em refugiados em outros países.
Cerca de 2,6 milhões de iraquianos foram deslocados pelas ofensivas do Estado Islâmico, o Isis, no último ano, e espremem-se em tendas ou edifícios inacabados. Invisíveis para o mundo, cerca de 1,5 milhão de pessoas foram deslocadas no sul do Sudão, desde que os combates recomeçaram por lá, no final de 2013.
Outras partes do mundo, notadamente o sudeste da Ásia, tornaram-se mais pacíficas nos últimos 50 anos, mas na grande faixa de terra entre as montanhas Hindu Kush e o lado ocidental do Saara, conflitos religiosos, étnicos e separatistas estão destroçando os países. Em toda parte há Estados em colapso, enfraquecidos ou sob ataque; e em muitos desses lugares, as insurgências islâmicas radicais sunitas, em ascensão, usam o terror contra civis para provocar fuga em massa.
Outra característica dessas guerras é que nenhuma delas parece estar próxima do fim, de modo que as pessoas possam voltar para suas casas. A maioria dos refugiados sírios que fugiram para a Turquia, Líbano e Jordânia em 2011 e 2012 acreditava que a guerra acabaria em pouco tempo e elas poderiam voltar. Só perceberam nos últimos dois anos que isso não vai acontecer e que precisam buscar refúgio permanente noutro lugar. A própria duração destas guerras significa uma destruição imensa e irreversível de todos os meios de se ganhar a vida, de modo que os refugiados, que a princípio buscavam apenas segurança, são também movidos por necessidade.
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Guerras estão sendo travadas actualmente no Afeganistão, Iraque, Síria, Sudeste da Turquia, Iémen, Líbia, Somália, Sudão e Nordeste da Nigéria. Algumas começaram há muito tempo, a exemplo da Somália, onde o Estado entrou em colapso em 1991 e nunca foi reconstruído, com senhores da guerra, jihadistas radicais, partidos rivais e soldados estrangeiros controlando diferentes partes do país. Mas a maioria desses conflitos começou após 2001, e muitos depois de 2011. A guerra civil total no Iémen só começou no ano passado, enquanto a guerra civil turco-curda, que matou 40 mil pessoas desde 1984, recomeçou em Julho com ataques aéreos e de guerrilha. É rápida a escalada: um caminhão carregado de soldados turcos foi explodido há poucas semanas por guerrilheiros do PKK curdo.
Quando a Somália caiu, num processo que os EUA tentaram reverter numa tentativa fracassada de intervenção militar, entre 1992-1994, parecia ser um evento marginal, insignificante para o resto do mundo. O país tornou-se um “Estado fracassado”, frase usada para exprimir pena ou desprezo, à medida em que  se tornava o paraíso dos piratas, sequestradores e terroristas da Al-Qaeda. Mas o resto do mundo deveria olhar para esses Estados fracassados com medo, além de desprezo, porque foi nesses lugares – Afeganistão nos anos de 1990 e Iraque desde 2003 – que foram incubados movimentos como o Talibã, o Al-Qaeda e o Isis. Os três combinam crença religiosa fanática e conhecimento militar. A Somália pareceu um dia ser um caso excepcional, mas a “somalização” mostrou-se destino de uma série de países — notadamente Líbia, Iraque e Síria — onde até recentemente as pessoas tinham acesso a comida, educação e saúde.
Todas as guerras são perigosas, e as guerras civis sempre se notabilizaram pela impiedade, sendo as religiosas, as piores. É o que está acontecendo agora no Médio  Oriente e Norte da África, com o Isis – e clones da Al-Qaeda como Jabhat al-Nusra ou Ahrar al-Sham na Síria. Assassinam ritualmente seus opositores e justificam as suas acções alegando o bombardeamento  indiscriminado de áreas civis pelo governo de Assad.
O que é um pouco diferente nessas guerras é que o Isis faz publicidade deliberada das atrocidades que comete contra xiitas, yazidis ou qualquer outra pessoa que considere seu inimigo. Isso significa que as pessoas apanhadas nesses conflitos, particularmente desde a declaração do Estado Islâmico, em Junho do ano passado, sofrem uma carga extra de medo, o que torna mais provável que fujam para não voltar. Isso é verdade tanto para professores da Universidade de Mosul, no Iraque, quanto para moradores dos vilarejos da Nigéria, Camarões ou Mali. Não por acaso, os avanços do Isis no Iraque têm produzido grandes ondas de refugiados , os quais têm uma perfeita ideia do que lhes acontecerá se não fugirem.
No Iraque e na Siria, estamos de volta a um período de drástica mudança demográfica, jamais vista na região desde que os palestinianos foram expulsos ou forçados a fugir pelos israelitas em 1948, ou quando os cristãos foram exterminados ou empurrados para fora do que hoje é a Turquia, na década que se seguiu a 1914. As sociedades multiconfessionais do Iraque e da Síria estão se esfacelando, com consequências terríveis. Potências estrangeiras não sabiam ou não se importavam com os demónios sectários que estavam liberando, nesses países, ao quebrar o velho status quo.
O ex-conselheiro de Segurança Nacional do Iraque, Mowaffaq al-Rubaie, costuma dizer aos líderes políticos norte-americanos, que levianamente sugeriram que os problemas colectivos do Iraque poderiam ser resolvidos dividindo o país entre sunitas, xiitas e curdos, que eles deviam compreender como seria sangrento esse processo, provocando inevitavelmente massacres e fuga em massa “semelhantes aos da partilha da Índia em 1947 “.
Por que razão tantos desses Estados estão caindo aos pedaços e gerando essas ondas de refugiados? Que falhas internas ou insustentáveis pressões externas têm em comum? A maioria conquistou autodeterminação quando as potências imperiais se retiraram, depois da Segunda Guerra Mundial. No final dos anos 1960 e início dos 1970, foram governados por líderes militares que dirigiam Estados policiais e justificavam seus monopólios de poder e riqueza alegando que eram necessários para estabelecer a ordem pública, modernizar os seus países, assumir o controle dos recursos naturais e resistir às pressões separatistas sectárias e étnicas.
Eram geralmente regimes nacionalistas e com frequência socialistas, cuja perspectiva era esmagadoramente secular. Por essas justificativas para o autoritarismo serem geralmente hipócritas e auto-interessadas; por  mascararem a corrupção generalizada da elite dominante, frequentemente se esquecia que países como o Iraque, a Síria e a Líbia tinham governos centrais muito poderosos por alguma razão e se desintegrariam sem eles.
São esses regimes que vêm enfraquecendo e estão entrando em colapso em todo o Oriente Médio e Norte da África. Nacionalismo e socialismo não oferecem mais o cimento ideológico para manter juntos Estados seculares ou para motivar as pessoas para lutar por eles até a última bala — ao contrário do que fazem os que crêem, em relação ao islamismo sunita de tipo fanático e violento incorporado pelo Isis, Jahat AL-Nusra e Ahrar AL-Sham. As autoridades iraquianas admitem que uma das razões por que o exército de seu país se desintegrou em 20014 e nunca foi reconstituído com êxito é que “muito poucos iraquianos estão dispostos a morrer pelo Iraque.”
Grupos sectários como o Isis cometem deliberadamente atrocidades contra os xiitas, sabendo que isso irá provocar retaliação contra os sunitas — o que os deixará sem alternativa senão ver no Isis seus defensores. Fomentar o ódio comunal trabalha a favor do Isis, e está contaminando as comunidades, umas contra as outras, como no Iémen, onde anteriormente havia pouca consciência da divisão sectária, embora um terço de sua população de 25 milhões pertencessem à seita xiita Zaydi.
A probabilidade de fugas em massa torna-se ainda maior. No início deste ano, quando houve rumores de um ataque do exército iraquiano e de milícias xiitas, para recapturar a cidade de Mosul, esmagadoramente sunita, a Organização Mundial de Saúde e o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur) começaram a estocar comida para alimentar um milhão de pessoas a mais, que calcularam em fuga.
Os europeus foram sacudidos pelas fotos do pequeno corpo inerte de Alyan Kurdi numa praia na Turquia e por sírios quase mortos de fome amontoados em comboios húngaros. Mas no Oriente Médio, a nova diáspora miserável dos impotentes e despossuídos é evidente há três ou quatro anos. Em Maio, eu estava prestes a cruzar o rio Tigre entre a Síria e o Iraque, num barco com uma mulher curda e sua família, quando ela e seus filhos foram colocados para fora por causa de uma letra errada num nome, em seus documentos.
“Mas estou há três dias com minha família na beira do rio!”, ela gritou desesperada. Eu ia para Erbil, a capital curda, que até um ano atrás aspirava ser “a nova Dubai”, mas agora está cheia de refugiados amontoados em hotéis inacabados, shoppings e quarteirões de luxo.
O que precisa ser feito para deter tais horrores? Talvez a primeira pergunta seja como evitar que fiquem piores, recordando que cinco das nove guerras começaram a partir de 2011. A presente crise dos refugiados na Europa é muito mais o impacto real, sentido pela primeira vez, do conflito na Siria sobre o continente. É verdade: o vácuo de segurança da Líbia significou que o país é agora o canal de fuga, para as pessoas dos países empobrecidos e atingidos pela guerra às margens do Saara. É pela costa líbia, de 1,8 mil quilómetros, que 114 mil refugiados passaram até agora, este ano, em direcção à Itália, sem contar os vários milhares que se afogaram pelo caminho. Ainda assim, embora tão má, a situação não é muito diferente da do ano passado, quando 112 mil fizeram essa rota para a Itália.
Bem diferente é a guerra na Síria e no Iraque, onde saltou de 45 mil para 239 mil, no mesmo período, o número de pessoas que tentam alcançar a Grécia pelo mar. Por três décadas o Afeganistão produziu o maior número de refugiados, de acordo com a Acnur. Mas no ano passado, a Síria tomou seu lugar, e um em cada quatro novos refugiados, um agora é sírio. Uma sociedade inteira foi destruída, e o mundo fez muito pouco para deter esses acontecimentos. Apesar de uma recente onda de actividade diplomática, nenhum dos muitos actores na crise síria mostra urgência na tentativa de acabar com eles.
A Síria e o Iraque estão no centro das crises actuais de refugiados também de uma outra maneira. É lá que o Isis e grupos tipo al-Qaeda controlam parte significava do território e conseguem espalhar o seu veneno sectário para o resto do mundo islâmico. Eles revigoram os gangs de matadores que operam mais ou menos do mesmo modo — estejam na Nigéria, no Paquistão, no Iémen ou na Síria.
A fuga em massa de pessoas vai continuar enquanto a guerra na Síria e no Iraque continuarem." Patrick Cockburn , Outras Palavras,17.09.2015
*Patrick Cockburn é um jornalista irlandês. Foi correspondente no  Médio Oriente, primeiro para o Financial Times e depois pelo Independent. Já escreveu três livros sobre o Iraque e a invasão americana no país.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Um dia e outro dia

Um dia e outro dia                                  
                                                                    

          Um dia e outro dia
                          A surpresa perdura
Raiada cada vez mais
De negro

As águas prosseguem
                              indiferentes dir-se-ia
A uma e outra margem
Que não se encontrarão
Nunca

É tudo cada vez menos
Compreensível
Os olhos permanecem
Inteiramente abertos
Ao assombro

Segundo tudo indica
O rio não tem princípio
Nem fim

Nem depende do ser

Londres, 20 de Setembro 98
Alberto Lacerda, in Horizonte, Ed. INCM

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

"Minha Cuba , antes e depois - escritos políticos e literários"

Guillermo Cabrera Infante y su esposa, 
Miriam Gómez, en 1998.Daniel Mordzinski

La dictadura castrista marcó la vida de Guillermo Cabrera Infante. Un volumen reúne sus escritos políticos: desde su temprano apoyo a la revolución hasta el desencanto y el exilio

Este libro de 1.250 páginas no contiene ninguna novela, pero sí el apasionante relato de varias vidas, todas encarnadas en la figura de Guillermo Cabrera Infante. El primero, que podría titularse ‘El hijo de los comunistas’, empieza por el principio, y el montaje diacrónico del material publicado se agradece, como en las epopeyas fundacionales. En 1951, el autor es un joven periodista que —alimentado desde la cuna con una estricta dieta marxista prescrita por sus padres, cofundadores en Cuba del Partido por antonomasia y fieles a su ortodoxia hasta el fin de sus días— se confiesa, en la impagable crónica autobiográfica de cierre, que le hace un guiño a Sterne, como “criatura con suficientes anticuerpos comunistas como para estar efectivamente vacunado de por vida contra el sarampión revolucionario”.
Pero el apasionado lector y espectador en sus facetas más degustativas y selectas se da de cara un día, por sus amistades y sus afinidades, con la Historia, en mayúscula. Ha fundado con un grupo de cinéfilos también muy jóvenes la Cinemateca de Cuba, ha conocido a una muchacha con la que poco tiempo después se casará, y publica su primer cuento en Bohemia, por el que (Fulgencio Batista acababa de dar su golpe de Estado) se le expulsa de la escuela de periodismo y se le encarcela. Sale de prisión y, ya casado y padre de una hija, da el salto a su segunda personificación novelesca: nace G. Caín, de la costilla del cine, pues con ese seudónimo —inicialmente una tapadera— formado por las primeras sílabas de sus apellidos se da a conocer, de un modo que deslumbró pronto dentro y fuera de Cuba, escribiendo sobre películas en la revista Carteles y convirtiéndose, junto a James Agee, Manny Farber, José Luis Guarner o Pauline Kael, en uno de los críticos más ocurrentes e inteligentes que ha habido.

Merece destacarse el retrato del artista como crítico en sus semblanzas de José Martí, Lezama o Alejo Carpentier
Pero el Caín vividor y sensual, humorístico, dado al invento verbal y vacunado contra los maximalismos, no puede dejar de mirar a su alrededor. Y así en 1957 ve a varios de sus amigos detenidos o muertos a manos de la policía batistiana, entra él mismo en actividades clandestinas, se compromete. Al año siguiente aparece en su vida Miriam Gómez, escribe la mayoría de cuentos y ácidas viñetas de violencia política que después formarían su primera obra narrativa, Así en la paz como en la guerra, y la palabra no le basta: sirve de enlace entre los comunistas paternales y el recién creado Directorio Revolucionario de la guerrilla, a la que le pasa armas de contrabando, y estaba preparándose, a modo de jefe de prensa no-oficial, para llevar a dos periodistas norteamericanos a la Sierra Maestra cuando, el 31 de diciembre, abdica, así lo escribe él, el dictador Batista.
Castroenteritis
V. M. F.
Fidel Castro, el rey Juan Carlos y Felipe González
en la Cumbre de Cartagena de Indias de 1994. / 
Marcelo Salina (Ap)
Lo último que escribió Cabrera Infante, poco antes de morir, fue un artículo publicado el 27 de febrero de 2005 en las páginas de Opinión de EL PAÍS y que concluye este volumen de su obra completa. Se llamaba ‘La Castroenteritis aguda’, y no era la primera vez que él usaba ese término médico-paródico para calificar la infección fidelista; en 1990, ‘La Castroenteritis’ aún no era aguda, en el artículo de ese título recogido después en Mea Cuba, aunque ya lleva, dice el articulista, más de tres décadas causando víctimas. En años posteriores, el mal dará paso por escrito a otras variantes: ‘La castradura que dura’ y la ‘Castrofobia’, síndrome que sin duda aquejó al escritor.
Es sin embargo en el primer texto, el de 1990, donde lo detecta: “Una enfermedad del cuerpo (te hace esclavo) y del ser (te hace servil), y la padecen nativos y extranjeros”, estos últimos, apostilla, ocupando la planta de la “Gastroenteritis chic”. Cabrera, que ya desde finales de los sesenta sufría la anatema no sólo del régimen castrista, sino de ciertos medios intelectuales afines, hace un poco de cirugía, y saca a relucir las insuficiencias democráticas de Carlos Barral, Felipe González y Julio Cortázar, por quien se sintió traicionado en un notorio y debatido episodio, tras haber trabajado en el guion cinematográfico de un cuento del argentino.
Es en todo caso un hecho irrebatible para quienes a principios de los años setenta lo experimentamos de cerca, dudando aún entonces juvenilmente sobre quién tenía razón, que Cabrera Infante fue objeto del cordón sanitario que se aplica a los apestados, y que entre sus practicantes hubo grandes escritores que “lo vieron tarde” o, como en el caso de García Márquez y Saramago, no lo vieron nunca. A todos ellos, siguiendo en el registro medicinal, el autor cubano les diagnostica y les receta: “Aunque la enfermedad es infecciosa […] y a veces suele ser fatal, tiene un antídoto poderoso: la verdad. La verdad desnuda crea anticuerpos que combaten la Castroenteritis eficazmente”. Cabrera Infante fue el médico de su honra, pero no sabemos si su tratamiento, aún rechazado por no pocos, acabará imponiéndose en la salud pública de su tierra natal.
‘Mea Cuba’ antes y después es el segundo volumen de la obra completa en curso, pero hay que decir que además de ofrecerse en sus páginas una ordenación ampliada de aquel devastador Mea Cuba que hizo decir a Susan Sontag en los años ochenta, cuando empezaron a aparecer sus textos en distintos medios, “He was the first to see it” (“Fue el primero que lo vio”), el tomo tiene como entrada fuerte las casi doscientas páginas inéditas en libro, y sus tres singularidades. Por un lado reflejan la formación de ese gran cronista que fue, cuando el oficio no tenía el relieve que hoy tiene, Cabrera Infante, ya antes de iniciar su autoconstrucción como novelista. Por otro dan la medida de lo que significó Lunes de Revolución, de donde proceden estos artículos firmados por él, responsable también del semanario. Y en tercer lugar, el más crucial, componen un retrato que muchos parecen haber querido, si no borrar, olvidar: el de un hombre de 30 años que fue parte de una vanguardia intelectual comprometida en la lucha contra la dictadura y que creyó fervientemente en la revolución no tutelada por el comunismo soviético que empezó siendo el movimiento guerrillero de Fidel Castro. Una revolución en la que, además de la justicia social y la libertad democrática, cabría un acercamiento a la realidad que pudiese armonizar la dialéctica materialista, el psicoanálisis y el existencialismo, por citar literalmente las palabras sin firma, escritas por Cabrera Infante, que aparecen a modo de presentación del número 1, de 23 de marzo de 1959, de la citada revista.
Hace un mes pasé dos tarde enteras en la casa que el escritor cubano de pasaporte inglés habitó casi cuarenta años en el centro de Londres con su segunda esposa, Miriam Gómez, una viuda de escritor emprendedora, fiel y muy valiente en las decisiones. La mayor parte de la primera tarde la ocupó el examen de los tres grandes volúmenes encuadernados en un cartoné algo gastado que recogen la mayoría, pero no la totalidad, de la colección de aquel legendario suplemento semanal que en su trayectoria, desde marzo de 1959 hasta noviembre de 1961, traza de modo sucinto pero esclarecedor la novela de una decepción personal y el fin de una revolución audaz y liberadora.
Esos volúmenes que yo repasaba tienen su propia historia. Cuando el autor de Tres tristes tigres abandonó para siempre su país a finales de 1965, en circunstancias de thriller esperpéntico que él ha narrado con gran viveza en su libro póstumo Mapa dibujado por un espía, pudo llevar a sus dos hijas adolescentes del primer matrimonio, pero no, en un limitado y muy vigilado equipaje, sus libros, y entre ellos, la valiosa y bien conservada colección de la revista. Una década después, Juan Goytisolo viajó a Cuba, cuando ya la verdad de la dictadura se hacía palmaria para quienes, como él mismo, la defendieron tantos años con buena fe y esperanza, y, en un gesto admirable y no sin riesgo, decidió hacerles un obsequio a sus amigos Guillermo y Miriam: rescatar esos cuatro volúmenes de Lunes de Revolución que seguían en poder del padre del escritor, ya entonces repudiado por el régimen castrista; meter en su maleta tres de los cuatro (falta el volumen correspondiente al año II), pasar la aduana y entregárselos en Londres a quien, junto con Carlos Franqui, el, digamos, editor, y Pablo Armando Fernández, subdirector, había hecho posible su existencia.
Más allá de cualquier mitomanía, la lectura de muchas páginas de esos tres mamotretos tamaño sábana produce la emoción de la obra bien hecha en circunstancias difíciles y aurorales. En el mismo texto de presentación antes mencionado, ‘Una posición’, Cabrera Infante expresa con modestia que la finalidad es “realizar para Cuba la labor divulgatoria que hiciera en España una vez la Revista de Occidente”, añadiendo a continuación una coda de premonición optimista que tampoco deja de impresionar, sabiendo nosotros ahora lo que pasó apenas tres años después de haber sido escrita: “Jamás se volverá a dar una ocasión como ésta —también en el orden de la vida diaria— en que una revista que antes estaría dedicada a una exigua minoría se vea repartida entre los 100.000 ejemplares de Revolución. Se trata ni más ni menos que de un regalo que hace el diario de la Revolución a sus lectores y a la cultura”.
El regalo queda en los anales y en las bibliotecas. El primer número, bellamente compaginado e ilustrado, tiene unos contenidos de asombrosa calidad: un trabajo de Sergio Rigol sobre las raíces nazistas de Heidegger, un perfil de James Dean firmado por Edgar Morin, entre artículos de Max­well Anderson y Lydia Cabrera y dibujos de Saul Steinberg. En el número 2, Ionesco, Isaac Babel y Piñera, en el 29 un atrevido diseño letrista (casi avant la lettre), y en todos un sinfín de grandes colaboradores entre los que destacan Bruno Schulz o Gertrude Stein, nombres nada frecuentes entonces, compartiendo espacio con Lezama Lima, Calvert Casey y portafolios de fotografía americana de vanguardia. La revista antidogmática.

Cabrera Infante (al volante) en Cuba, en 1959.
Detrás, el cineasta Tomás Gutiérrez Alea.
El grueso libro que recopila el tomo I del año III (no hubo ya volumen II, ni año IV) da motivos para la melancolía. Por imperativos superiores que Franqui le comunicó a Cabrera Infante, se suceden números sobre Laos, Vietnam o Rumania que huelen a boletín de propaganda: cánticos de alabanza de infames poetas, panorámicas de campos de maíz y alegres labriegos, gráficos explicativos de los triunfos del socialismo leninista. Corría el año 1961, y al suplemento se le permitió un canto del cisne, el número especial sobre Picasso, con 48 páginas de inéditos literarios del pintor y trabajos de, entre otros, Albert Skira, Apollinaire y Juan Larrea, de quien se imprime su texto sobre el Guernica poco tiempo antes leído en el MOMA.
Los propios artículos de Cabrera Infante en Lunes de Revolución reflejan el conflicto que desgarraría al escritor. En alguno de 1960 como ‘Peregrinaje hacia la Revolución’ o ‘La marcha de los hombres’ leemos aún su entusiasmo por la nueva era iniciada y su invectiva sardónica contra quienes la desdeñan, aunque ya en el primero una conversación suya con el presidente Dorticós vaticina las amenazas de la vigilancia ideológica en el trabajo intelectual: “La Revolución entrará lentamente en la obra de nuestros artistas y de nuestros escritores”, le dice el presidente.
Es de enorme interés ‘Las vértebras de España’, en el que relata su paso por Madrid, volviendo de un viaje oficial a la URSS, con una mezcla de pena, clarividencia y crudeza crítica. La obra maestra de este conjunto, ‘La letra con sangre’, íntima crónica bélica de la “guerrita de Bahía de Cochinos”, introduce muy sutilmente la sombra de la sospecha que había empezado a materializarse, según lo ha contado quien la sintió con él, Miriam Gómez, al ver una madrugada, saliendo en automóvil de la ciudad de Matanzas, su marítima Vía Blanca llena de enormes camiones tapados con lonas y circulando sin identificación, como fantasmas; el preludio de la intervención soviética que él mismo vería en el campo de batalla junto a su gran amigo Walterio Carbonell. Cuando Cabrera volvió de Playa Girón, aún con el rostro tiznado por la pólvora, se abrazó a su mujer, Miriam, y le dijo: “Este hijo de puta nos ha engañado”.

Este libro es el reflejo de una obsesión con Castro que recuerda la de Max Aub con Franco y la de Bulgákov con Stalin
Aunque haya mayoría de textos combativos, de uno y otro signo, ‘Mea Cuba’ antes y después recupera, en una colocación que lo aclara y realza, su extraordinario libro de prosas Vista del amanecer en el trópico, con sus viñetas de gran potencia lírica sobre la violencia, tanto la revolucionaria como la que la precedió y la siguió. Pero hay otro factor que merece ser resaltado: el retrato del artista como crítico literario, que ya se vio en la primera edición de Mea Cuba, pero aquí, en el desdoblamiento de contenidos que el autor decidió en su momento y ha sido enriquecido, cobra una notable dimensión. Un recorrido informado y agudo sobre la literatura de Cuba, un pequeño país rico en escritores de la talla (y sólo citamos a unos cuantos) de José Martí, Lezama Lima, Lydia Cabrera, Lino Novás, Alejo Carpentier, Carlos Montenegro, Virgilio Piñera, Calvert Casey, Heberto Padilla, Reinaldo Arenas, de quienes escribe semblanzas llenas de buen juicio.
Los nombres más presentes en el utilísimo índice onomástico son los de dictadores: Batista, Franco, Hitler y Stalin, todos por detrás de Fidel Castro, que cuenta con varios cientos de anotaciones. Este libro, que es la múltiple historia de un desengaño, un doloroso exilio, un descrédito y una reivindicación final de la decencia y la verdad, es también el reflejo de una obsesión con un espíritu maléfico, y recuerda en eso la de Max Aub con Francisco Franco y más aún la de Bulgákov con Stalin. Estos dos magníficos escritores obsesos se guiaron por el humor en su diatriba, y así lo hizo Cabrera Infante, quien por encima de la indeseada encomienda de ser la conciencia de un triste país, tuvo el mérito de expresarla sin perder la risa. •
‘Mea Cuba’ antes y después. Escritos políticos y literarios. Guillermo Cabrera Infante. Edición y prólogo de Antoni Munné. Galaxia Gutenberg. Barcelona, 2015. 1.262 páginas, 39 euros." Babelia,El País

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Manhã de Setembro




Fim de Setembro


Ó manhã, manhã
manhã de Setembro,
invade-me os olhos,
inunda-me a boca,
entra pelos poros do corpo, da alma,
até ser em ti,
sem peso e memória ,
um acorde só
do vento e da água,
uma vibração
sem sombra  nem mágoa.
Eugénio de Andrade, in " Ostinato Rigore", Ed. Assírio&Alvim

Equinócio de Outono

GianlucaLombardiSunrise_Web
Nascer do sol com o raio verde, de Gianluca Lombardi.
Equinócio de Outono ocorre hoje
"Em 2015 o Equinócio de Outono ocorre no dia 23 de Setembro às 09h20min. Este instante marca o início do Outono no Hemisfério Norte. Esta estação prolonga-se por 89,81 dias até ao próximo Solstício que ocorre no dia 22 de Dezembro às 04h48min.
Equinócio: instante em que o Sol, no seu movimento anual aparente, passa no equador celeste. A palavra de origem latina aequinoctium agrega o nominativo aequus (igual) com o substantivo noctium, genitivo plural de nox (noite). Assim significa “noite igual” (ao dia), pois nestas datas dia e noite têm igual duração, tal é a ideia que permeia a sociedade.

Vai-te ao longo da costa discorrendo,
e outra terra acharás de mais verdade,
lá quase junto donde o Sol ardendo
iguala o dia e noite em quantidade.
Ali tua frota alegre recebendo,
Um Rei, com muitas obras de amizade,
Gasalhado seguro te daria
E, pera a Índia, certa e sábia guia.”

Sussurrava o deus Mercúrio em sonhos a Vasco da Gama: que fugisse de Mombaça e se acercasse de Melinde, mais norte e próxima do equador onde o dia iguala a noite, guiando-o para a Índia. Lusíadas, canto II, estância 63.
….
Sobre a duração igual das noites no equinócio, na realidade, não é bem assim… Os equinócios estão definidos como o instante em que o ponto central do sol passa no equador e, por isso, o centro solar nasce no ponto cardeal Este e põe-se exactamente a Oeste, encontrando-se durante 12 horas acima do horizonte matemático em qualquer lugar da Terra nestes dias.
Contudo este facto não resulta numa duração do dia solar de 12 horas, pois a luz directa no chão surge quando o bordo superior do sol nasce, tal como desaparece no ocaso, e o sol tem um diâmetro aparente de 32′ (minutos de arco). Além disso há refracção atmosférica: quando o bordo superior está no horizonte o centro do sol encontra-se ≈50′ abaixo do horizonte, mais do que o seu diâmetro.
Com estas condições físicas e devido ao movimento da translação terrestre, apenas no dia 26 de Setembro de 2015 haverá 12,00 horas com luz solar directa no solo. Nesse dia o disco solar nasce às 7h 28m e põe-se às 19h 28m em Lisboa, com apenas 10 segundos de desvio às 12h certas." Observatório Astronómico de Lisboa