quarta-feira, 1 de julho de 2015

Será a política um desporto de elite?

 Manual de direitização
"Desfiles de protesto, participação nas eleições, exercício do poder. Estes três tipos de acção política têm uma característica comum: as categorias populares estão a afastar-se ou a ser afastadas deles. Quando, a 11 de Janeiro último, milhões de franceses manifestaram a sua solidariedade com as vítimas dos atentados de Paris, a mobilização das classes médias contrastou uma vez mais com a do mundo operário e a da juventude dos bairros desfavorecidos, relativamente mais modesta. Há anos que a «rua» está a aburguesar-se. As urnas também. A cada nova eleição, ou quase, as taxas de participação regridem, em conjunto com o nível de rendimento. E a «representação nacional» não é em nada menos privilegiada, uma vez que o seu rosto se confunde com o das classes superiores. Será a política um desporto de elite?
Isto já se observa no caso da esquerda europeia. Criado no início do século XX pelos sindicatos, o Partido Trabalhista britânico tinha a vocação de representar o eleitorado operário. Em 1966, 69% dos trabalhadores manuais davam-lhe o seu voto; esta percentagem passou para 45% em 1987, e depois para 37% no escrutínio de 7 de Maio último. O blairismo pensava que era preciso dar prioridade às classes médias. Missão cumprida: é com o eleitorado mais burguês da sua história que os trabalhistas acabam de sofrer uma estrondosa derrota eleitoral …
«A crescente desafeição dos meios populares pelos partidos de esquerda, observável em todas as democracias ocidentais electivas», salienta o politólogo Patrick Lehingue, «não é sem dúvida alheia à rarefacção dos eleitos que eram oriundos dos meios desfavorecidos e haviam passado pelas condições de vida ali existentes». Veja-se o caso francês. Em 1945, um quarto dos deputados franceses eram operários ou empregados antes de serem eleitos; hoje já são apenas 2,1%. Em 1983, setenta e oito autarcas de comunas com mais de 30 mil habitantes provinham ainda destas duas categorias sociais (maioritárias na população); passados trinta anos eram apenas seis [1].
Será o sistema representativo? Mais de metade dos americanos consideram que o Estado devia redistribuir a riqueza taxando fortemente os mais abastados. Entre estes últimos – é humano – só 17% partilham tal desejo [2]. Contudo, o funcionamento das democracias ocidentais garante que a sua opinião será vencedora, uma vez mais sem debate real. Uma classe consciente dos seus interesses mostra-se tanto mais serena quanto diversos temas de distracção realçados pelos media que ela detém continuarem a encantar o debate público. E a opor entre si as categorias populares.
Quando este sistema está bem oleado, já só falta convocar peritos muito sapientes cuja missão é recordar-nos que tanto a apatia de uns como a cólera dos outros se explicam pela «direitização» das nossas sociedades…"
Serge Halimi, em Editorial de Le Monde Diplomatique, segunda-feira, 8 de Junho de 2015
Notas
[1] Patrick Lehingue, «Les classes populaires et la démocratie representative en France», Savoir/Agir, n.º 31, Bellecombe-en-Bauges, Março de 2015.
[2] Cf. Noam Scheiber, «2016 hopefuls and wealthy are aligned on inequality», The New York Times, 30 de Março de 2015.

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