domingo, 19 de julho de 2015

Ao Domingo Há Música

Ode Marítima
Sòzinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,

Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos.
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,
(...) 
                                              30.06.1914
Álvaro de Campos, em " Ode Marítima", ( publicado na revista Orfeu, nº 2 . Abril-Maio Junho de 1915 )  extraído  de " Poesias" , Obras Completas de Fernando Pessoa, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa


Este longo  poema de Álvaro de Campos,( heterónimo de Fernando Pessoa), é uma fantástica viagem que começa no cais deserto  , numa manhã de Verão. "Insinua-se no meu sangue toda essa sedução fina / E eu cismo indeterminadamente as viagens." (...) "E o giro lento do guindaste que, como um compasso que gira, / Traça um semicírculo de não sei que emoção / No silêncio comovido da minh'alma..."
Sobre  Ode Marítima,  o filósofo José Gil escreveu o seguinte: todo o poema pode ser encarado nesta perspectiva: como vencer a Distância, ou seja, todas as distâncias de todas as naturezas que surgem, uma após outra (entre o paquete e o cais, entre eu-agora e eu-outrora, entre um cais e O Cais, etc.); mas também, e porque é esse o verdadeiro fundamento de toda a distância — como fazer desaparecer a oposição entre os dois pólos da sensação, o interior e o exterior.
A viagem deste domingo  é entre o Brasil e Portugal. Poesia e Música vencem a Distância para se entregarem num compasso de sedução fina.
«Ver o invisível se tornar visível, é, diz o poeta, ir buscar... os beijos merecidos da Verdade ».
"A Valsa”, da autoria da cantora brasileira Maria Gadú, com a participação do fadista português Marco Rodrigues. Vozes que se juntam em harmonia perfeita.


" Carolina", nas vozes de Chico Buarque e Carminho. Cantar em português, num magnífico dueto.

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