segunda-feira, 1 de junho de 2015

Por amor

"O essencial é amar os outros. Pelo amor a uma só pessoa pode amar-se toda a humanidade. Vive-se bem sem trabalhar, sem dormir, sem comer. Passa-se bem sem amigos, sem transportes, sem cafés. É horrível, mas uma pessoa vai andando. 
Apresentam-se e arranjam-se sempre alternativas. É fácil. 
Mas sem amor e sem amar, o homem deixa-se desproteger e a vida acaba por matar. 
Philip Larkin era um poeta pessimista. Disse que a única coisa que ia sobreviver a nós era o amor. O amor. Vive-se sem paixão, sem correspondência, sem resposta. Passa-se sem uma amante, sem uma casa, sem uma cama. É verdade, sim senhores. 
Sem um amor não vive ninguém. Pode ser um amor sem razão, sem morada, sem nome sequer. Mas tem de ser um amor. Não tem de ser lindo, impossível, inaugural. Apenas tem de ser verdadeiro. 
O amor é um abandono porque abdicamos, de quem vamos atrás. Saímos com ele. Atiramo-nos. Retraímo-nos. Mas não há nada a fazer: deixamo-lo ir. Mais tarde ou mais cedo, passamos para lá do dia a dia, para longe de onde estávamos. Para consolar, mandar vir, tentar perceber, voltar atrás. 
O amor é que fica quando o coração está cansado. Quando o pensamento está exausto e os sentidos se deixam adormecer, o amor acorda para se apanhar. O amor é uma coisa que vai contra nós. É uma armadilha. No meio do sono, acorda. No meio do trabalho, lembra-se de se espreguiçar. O amor é uma das nossas almas. É a nossa ligação aos outros. Não se pode exterminar. Quem não dava a vida por um amor? Quem não tem um amor inseguro e incerto, lindo de morrer: de quem queira, até ao fim da vida, cuidar e fugir, fugir e cuidar? "
Miguel Esteves Cardoso, in Último Volume, Ed.Assírio&Alvim 


Namorados de Lisboa

Namorados de Lisboa 
à beira-Tejo assentados 
a dormir na Madragoa. 
Namorados de Lisboa 
num mirante deslumbrados 
à beira-verde acordados 
namorados de Lisboa! 

Ao domingo uma cerveja 
uma pevide salgada 
uma boca que se beija 
e que nos sabe a cereja 
a miséria adocicada 
à beira-parque plantada: 
namorados de Lisboa! 


Sempre sempre apaixonados 
mesmo que a tristeza doa 
namorados de Lisboa! 


Namorados de Lisboa 
na cadeira de um cinema 
onde as mãos andam à toa 
à procura de um poema. 
Namorados de Lisboa 
que o mistério não desvenda 
até que o escuro se acenda. 

Namorados de Lisboa 
a apertar num vão de escada 
o prazer que nos magoa 
e depois não sabe a nada. 
Namorados de Lisboa 
a morar num vão de escada 
namorados de Lisboa! 


Sempre sempre apaixonados 
Mesmo que a tristeza doa 
namorados de Lisboa! 
Ary dos Santos, in 'As Palavras das Cantigas', Edições Avante

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