sábado, 13 de junho de 2015

127º Aniversário de Fernando Pessoa

Fernando Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, a 13 de  Junho de 1888, e morreu a  30 de Novembro de 1935, aos 47 anos de idade. Celebra-se hoje o 127º aniversário, no dia do padroeiro da sua cidade natal, o Santo António de Lisboa.

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
(...)
Álvaro de Campos, in " Poemas"
O guardador de rebanhos manuscrito por Fernando Pessoa
O guardador de rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
(...)
Alberto Caeiro, in " O Guardador  de Rebanhos", Atlântico Press

Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
A que distância!…
(Nem o acho…)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes…
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim…
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Muito se escreveu sobre Fernando Pessoa. Antologias, Ensaios, Teses de Mestrado ou de Doutoramento. Ilustres escritores, doutos críticos e sábios estudiosos produziram valiosas análises e estudos profundos  sobre a obra deste nosso grande poeta.
Por pura limitação de espaço, reproduzimos algumas das muitas palavras que Jorge de Sena dedicou ao poeta e à sua obra.

(…) V. não foi um mistificador, nem foi contraditório. Foi complexo, da pior das complexidades – a sensação do vácuo dentro e fora, V. não foi um poeta do Nada, mas, pelo contrário, poeta do excessivamente tudo, do excessivamente virtual, de toda a consciência trágica de probabilidade, que a crença no Destino não exclui. (…)
[Jorge de Sena, Fernando Pessoa & Cª Heterónima (estudos coligidos 1940-1978), edições 70, 2000, Carta a Fernando Pessoa, pág. 19]

(…) Só o poeta que se domine conscientemente e voluntariamente, durante a gestação do poema cujo significado desconhece ainda (e cuja complexidade significativa lhe escapará em parte), só ele será capaz de atingir, tão mais de perto quanto possível, uma verdade não perturbada pelas circunstâncias factuais da criação, as quais se cifram em imagens recorrentes, em tópicos analogicamente sugeridos, em ritmos de respiração momentânea, nos inúmeros escolhos que o ambiente, a idiossincrasia, a cultura, a educação, as tendências ideológicas, o momento político, etc., propõem uma gestação, difícil, para que ela naufrague na comodidade, no hábito e até no virtual aplauso do público e da crítica. (…)
Jorge de Sena, Fernando Pessoa & Cª Heterónima (estudos coligidos 1940-1978), edições 70, 2000, «O poeta é um fingidor» (Nietzsche, Pessoa e outras coisas mais), págs. 98/99

(…) Fernando Pessoa sabia perfeitamente (e desde muito cedo na vida) que, apesar do génio de um ou outro dos seus amigos e companheiros, e de alguns outros na geração seguinte, a primeira metade do século XX, em poesia escrita em português, seria sua, para lá da grandeza que lhe daria um lugar muito próximo de Camões na história literária. Eu ainda conheci muitas pessoas da geração dele, dos grandes e dos menos grandes, e pude por mim próprio verificar quanto se curvavam ou tinham curvado à sua indisputada superioridade intelectual, do mesmo passo que defendiam com unhas e dentes de serem devorados ou transformados em «heterónimos» - o que faziam com sorrir-se de tais mistificações, ou com acentuar a que ponto Pessoa insistia em dizer que morreria sem realizar por completo a sua obra… (…)
Jorge de Sena, Fernando Pessoa & Cª Heterónima (estudos coligidos 1940-1978), edições 70, 2000, Fernando Pessoa: o homem que nunca foi, págs. 357/358

PESSOA GRANDE ÀS MAIS PEQUENAS
RECITAL DE ESCRITOS PESSOANOS PARA CRIANÇAS
13 DE JUNHO
SÁBADO ÀS 15H20
DURAÇÃO 60’
ENTRADA LIVRE
M/6
Fernando Pessoa nasceu no dia de Santo António. O programa da CFP nos dias 12 e 13, sexta e sábado, brinda a essa data.
Um programa Sem casas não haveria ruas, leituras e contos entre a Casa Fernando Pessoa, a Fundação José Saramago e a BOCA
No dia de Santo António, a 13 de Junho de 1888, pelas 15 horas e 20 minutos, no 4.º andar esquerdo do n.º 4 do Largo de São Carlos, nascia Fernando Pessoa, pequenino. Ensaiava a orquestra, a prima-dona cantava... E o menino? Sonhava?
"Minha alma é uma orquestra oculta”, escreveu mais tarde Pessoa na voz de Bernardo Soares. “Não sei que instrumentos tange e range, cordas e harpas, tímbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia."
Em dia de aniversário de Pessoa, e ainda perto do dia da criança, o ciclo Sem casas não haveria ruas propõe um recital de escritos pessoanos para pessoas a partir dos seis anos. Ana Sofia Paiva,Otto Pereira e Raquel Reis propõem-se encontrar a Sinfonia de Pessoa, as cordas e os tambores da sua relação com a infância, do seu propósito neste mundo, da sua complexa identidade.
No dia de Santo António, a 13 de Junho de 2015, às 15 horas e 20 minutos, no auditório da Casa Fernando Pessoa, o maestro sacode a batuta e começa o recital, a infância, a poesia, o sonho.
Com Ana Sofia Paiva (voz, selecção de textos e dramaturgia), Otto Pereira (violino) e Raquel Reis (violoncelo)
Todos os meses a editora BOCA sai para a rua e celebra a palavra em casa amiga. À Fundação José Saramago leva contadores de histórias, reinventores da melhor tradição oral e popular. Na Casa Fernando Pessoa desfruta em voz alta dos vários géneros da literatura consagrada e por consagrar. Fica o encontro marcado: um sábado na Casa Fernando Pessoa, na Fundação Saramago uma sexta-feira do mês seguinte e por aí adiante alternadamente.

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