sábado, 9 de maio de 2015

Da Fortaleza de São Miguel em Luanda

"Sobe à colina
olha o poente e o mar -
verás a eternidade.
Sorri à flor
capta o insensível do seu odor -
sentirás a eternidade.
Pára, escuta o inescutável do Ser
ausculta a melodia do Cosmos -
captarás a eternidade."
José Nuno Pereira Pinto, "Que Passem Sorrindo - Poesia reunida 1982-2004, Editor: Atelier de Produção Editorial, 2005
Para quem conhece  Luanda ou a esteja  a descobrir, nada ficará visto se não for à Fortaleza de São Miguel. E é quando chega ao cimo da colina,  antigo monte de São Paulo e, das ameias,  lança o olhar  que divisa a verdadeira beleza desta cidade. A nossos pés, Luanda saúda-nos, em traje de gala.
O horizonte azul, quando o dia está luminoso e  prateado, quando o sol preguiça, impõe-se na largueza do Oceano. Então, compreende-se por que razão quem a achou,  ali fez erguer um Forte. A descoberta é imediata . Entra-nos pelos olhos, sem qualquer resistência.  Erigiu-se uma   fortaleza do olhar  para vários olhares . Originalmente, o olhar seria sobre quem chegava, quem partia ou quem vinha sem ser quisto. Nos dias que correm, o olhar será para  quem apenas quer captar as sombras da  eternidade: o olhar dos que se deixam  assombrar.





Visiona-se tudo, quase  em simultâneo. Do lado direito, a estibordo, frente ao mar,  surge o Porto de Luanda, perdulário e generoso ao permitir que as barrocas se aproximem até tocarem a linha de prédios e construções que convive em gregária confraternização. Mas, em contínuo namoro, começa ali a  majestosa Marginal, Avenida 4 de Fevereiro, para circundar  uma baía que se estende pacificamente pelo mar  até ser debruada, a bombordo, pela Ilha do Cabo.


Rodando para essa direcção , surge, ao fundo, o desenho misterioso da Ilha do Mussulo , separado  da Praia do Bispo pelo mar. Vestígios de uma precária sanzala assinalam  a demolição de muitas casas. Escandalosamente, colinas de lixo  encimam um musseque que resiste agónico às mandíbulas das escavadoras.


A nova Luanda está ávida de espaço. Alarga-se desbragada e despudoradamente. O tempo  ditará como se embeleza arquitectonicamente uma cidade.

À ré , dorme a velha e a nova Luanda  numa simbiose pecaminosa. O sputnik, o monumento memorial do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, ergue-se no céu fazendo  jus ao nome  por que é designado  em gíria local.



O Palácio Presidencial fecha-se numa proximidade imponente e defensiva. A igreja  dos Jesuítas, onde se encontra sepultado Paulo Dias de Novais, fundador da cidade de Luanda, acena-lhe quase  em bênção para que os  altos poderes  se traduzam numa  boa e justa  governação.




A Fortaleza de São Miguel de Luanda é uma fortificação edificada no ano de 1634 . Ao longo dos anos teve várias utilizações de acordo com os interesses de cada época. No século XX , no final da década de trinta, foram realizadas importantes obras tendo em vista a sua adaptação a  Museu da História. A parte das obras mais relevante e que melhor acolhimento teve, pelo seu elevado valor artístico, foi o revestimento das paredes interiores da casamata com painéis de azulejos, do estilo da azulejaria portuguesa do século XVIII, com a singular beleza dos azuis cobalto.
Neste conjunto azulejar  foram  reproduzidos acontecimentos e motivos do século XV ao XIX, relativos à história, fauna e flora de Angola. 


A degradação do Museu foi ocorrendo até que se optou pela sua renovação tendo sido restaurados por especialistas ,Atelier Escola Antiga, todos os painéis que revestiam as paredes.
As portas de um  Museu totalmente renovado foram abertas em 2013, a 4 de Abril, Dia da Paz, em Angola.


Vista da cidade de S. Paulo de Luanda no século XVII. Painel inspirado numa gravura da obra de Dapper,  «Discription d'Afrique», Amesterdão, 1688
Painel representando a chegada a África das naus portuguesas, inspirado em aguarela de Roque Gameiro.
Painel representando o baptismo da Rainha Ginga.
Painel representando a reconquista de Luanda aos Holandeses por Salvador Correia de Sá Benevides em 1648.
Painel com uma vista de S. Paulo de Luanda, em 1856.
Painel dividido ao meio com um frontespício (F1) da obra de Cadornega. Lado Esquerdo tem uma vista das quedas de água Duque de Bragança no Lucala, (agora chamadas Quedas de Kalandula) inspirada numa foto do IICT, (arquivo Histórico Ultramarino). Lado direito do painel ,aspecto das Pedras de Ielala no rio Zaire (gravuras na rocha feitas por Diogo Cão no limite da navegabilidade do rio Zaire  em Out/Nov de 1485 ), inspirado em gravura antiga.


Resenha histórica e informativa sobre A Fortaleza de São Miguel, a maior obra de engenharia militar de Angola
“Foi a primeira fortificação a ser erguida em Luanda, no século XVI, durante o governo de Paulo Dias de Novais, primeiramente construída em taipa e adobe, substituídos em 1638 por barro, taipa e adobes. Nessa época, apresentava a forma de uma estrela com quatro pontas, com o sistema abaluartado, segundo os métodos italianos mais actualizados da época, sobretudo os do mestre Benedetto da Ravenna. Depois de oito anos de ocupação holandesa, começou a ser construída em alvenaria em 1669, fazendo parte das obras obrigatórias dos sucessivos governadores. Finalmente, no governo de D. Francisco de Sousa Coutinho (1764‐1772), as obras terminaram, com a construção de uma bateria do cavaleiro, armazéns à prova de bomba e uma cisterna que ficou conhecida como Cova da Onça, seguindo o estilo barroco militar, na base da ambiguidade, pluralidade e descentramento. Os muros foram‐se consolidando em pedra e cal em diferentes épocas, concluindo‐se já no século XX. Ficava assim completa a Fortaleza de São Miguel, a maior obra de engenharia militar de Angola.

Ao longo de 500 anos, o edifício foi-se transmutando continuamente. Reconstrução após reconstrução, não parou de mudar até aos inícios do século XX. O nome definitivo – Fortaleza de São Miguel – foi-lhe atribuído em 1650 por Salvador Correia, o responsável pela expulsão dos holandeses de território angolano.Com uma função eminentemente militar, o edifício passou a acolher, a partir de 1876, o chamado Depósito de Degradados. Por ali passaram milhares de desterrados portugueses – bandidos, criminosos, indesejados , entre os quais o famoso Zé do Telhado. O papel na história da então colónia foi determinante. Segundo os especialistas, a Fortaleza de São Miguel foi a única, em toda a África, a fundir canhões para a sua própria defesa. 
Do ponto de vista urbano, a fortaleza foi sempre um marco ordenador do espaço da cidade. Nos primeiros tempos, foi o limite do aglomerado que se desenvolvia para sudoeste, em direcção à Praia do Bispo. Mais tarde, cerca de 1648, quando a Barra da Corimba ficou assoreada, a cidade passou a desenvolver‐se para o lado norte, do outro lado do morro, mantendo desta forma o seu papel ordenador. Foi classificada como Monumento Nacional pela portaria provincial n.° 2837, publicada no Boletim Oficial n.° 48, de 02.12.1938. Actualmente, é Museu das Forças Armadas.
O Museu Nacional de História Militar de Angola, sucede ao “Museu Central das Forças Armadas” que ali estava instalado desde 1978, em condições precárias e com muitos dos seus elementos museológicos degradados. O Museu foi restaurado e tem excelentes condições. O acervo está totalmente recuperado e a Fortaleza foi sujeita a trabalhos que a deixaram muito imponente e esbelta. No cimo do “morro da fortaleza”, antes conhecido por monte de São Paulo – santo que também já deu nome a esta construção militar, assim como “Forte Aardenburgh” durante a ocupação holandesa da cidade (1641 a 1648) – unindo a cidade à “ilha” distingue-se hoje uma bandeira de Angola de enormes dimensões e a renovada fortificação. 
Esta “Bandeira-Monumento” com 18 metros de comprimento e 12 de largura, inaugurado na mesma data que o Museu, a 4 de Abril –Dia da Paz e Reconciliação Nacional – e também pelo Presidente da República, é dedicada “…aos heróis da Pátria e a todos os que contribuíram para a independência nacional, a paz e o progresso de Angola.

O Dia da Paz que é feriado em Angola, foi estabelecido em 2002, representando o fim do conflito armado e a reconciliação nacional, na sequência da morte de Jonas Savimbi em Fevereiro desse ano.





Na área exterior fronteira à fortaleza, na praça onde em 10 de Novembro de 1975 uma força militar portuguesa dos três ramos das Forças Armadas, prestou as honras militares no último arrear da Bandeira Portuguesa na então Província Ultramarina de Angola, estão hoje expostas, viaturas militares de várias origens utilizadas nos conflitos entre as forças dos três partidos políticos angolanos que dispunham de forças militares (MPLA, FNLA e UNITA) e ainda a República da África do Sul, peças de artilharia (muitas portuguesas) e 2 aviões “T-6” da Força Aérea Portuguesa. Tudo muito bem recuperado e mantido.



O avião , modelo T-6, número de cauda 1668, foi originalmente construído no Canadá (designava-se Harvard MK III), serviu na Fleet Air Arm da britânica Royal Navy, chegou a Portugal em 1956 integrado num lote de 15 destas aeronaves. O 1685 foi fornecido a Portugal por França em 1961, integrado num lote de 46 “North-American T-6G”. Ambos terão servido nos Aeródromos Base n.º3 (Negage) n.º 4 (Henrique de Carvalho/Saurimo), tudo isto de acordo com Adelino Cardoso no livro “Aeronaves Militares Portuguesas no Século XX”.



As estátuas de muitas figuras históricas portuguesas que   foram retiradas da cidade estão aqui em exposição e devidamente assinaladas.
Este renovado pólo de turismo cultural de Angola, situado na Rua 17 de Setembro, Bairro dos Coqueiros, Distrito de Ingombota, Município de Luanda, é sem dúvida um local a visitar, direccionado que está não só para estrangeiros interessados na História de Angola como para os nacionais que ali vêm exaltados os seus heróis nacionais, cumprindo assim – e a Bandeira Monumento é disso mais um exemplo – uma função educativa no sentido da criação e aprofundamento do sentimento de pertença à nação angolana.” Fontes: Wikipedia, Operacional e outros.

1 comentário:

  1. Bom trabalho feito na recuperação da Fortaleza.
    É um local de lembrança da História da Nação.
    Parabéns aos que trabalharam nesta recuperação. Tudo bem feito.

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