sábado, 31 de maio de 2014

Alberto Costa e Silva, Prémio Camões 2014

Triste vida corporal

“Se houvesse o eterno instante e a ave
ficasse em cada bater d'asas para sempre,
se cada som de flauta, sussurro de samambaia,
mover, sopro e sombra das menores cousas
não fossem a intuição da morte,
salsa que se parte... Os grilos devorados
não fossem, no riso da relva, a mesma certeza
de que é leve a nossa carne e triste a nossa vida
corporal, faríamos do sonho e do amor
não apenas esta renda serena de espera,
mas um sol sobre dunas e limpo mar, imóvel,
alto, completo, eterno,
e não o pranto humano.” Alberto Costa e Silva

“O escritor e historiador Alberto Costa e Silva, de 82 anos, «ficou pasmo» quando soube ter sido distinguido com o Prémio Camões, pois «está mais habituado a ser a júri», contou à Lusa o escritor Romano de Sant'Anna.
Affonso Romano de Sant'Anna, autor brasileiro que presidiu o júri desta edição do Prémio Camões, dava conta à Lusa da reacção do escritor, historiador e diplomata, antigo embaixador em Lisboa, quando soube por telefone que tinha sido distinguido.
Sant'Anna realçou o facto de Costa e Silva ter sido um «homem que trabalhou nos três continentes [América, África e Europa]», e sublinhou que esta distinção «reforça a presença da Língua Portuguesa no mundo».
O escritor salientou a «modéstia, integridade e honestidade» do carácter do distinguido, a quem se referiu como «uma pessoa generosa».
O júri, numa curta declaração, apresentou Costa e Silva como «poeta, memorialista, ensaísta, historiador e destacado especialista da história de África».
A sua ligação com o continente africano foi enfatizada por vários membros do júri. O escritor angolano José Eduardo Agualusa lembrou a poesia de Costa e Silva, composta quando foi diplomata em Lagos, na Nigéria, que «remete para África», e salientou o seu trabalho historiográfico sobre a escravatura, «ao qual nenhum africano pode passar ao lado».
O embaixador do Brasil em Portugal, Mário Vilalva, que esteve presente, esta sexta-feira, na cerimónia de anúncio do vencedor do Prémio Camões, asseverou que Costa e Silva «teve um importante papel na reaproximação do Brasil a África, no processo de democratização, depois da Ditadura no Brasil», que terminou em 1985.
O escritor moçambicano Mia Couto, que fez parte do júri, e que foi o distinguido no ano passado, realçou que Costa e Silva, através dos seus trabalhos de investigação, «resgatou a memória dos laços entre África, o Brasil e Portugal, mas com arte e elegância».
«É o trabalho de alguém que se encaminha pela história, mas com qualidade literária», disse.
O júri, que lhe outorgou o prémio, no valor de 100.000 euros, por unanimidade, salientou que «a obra de Alberto Costa e Silva é também uma contribuição notável na construção de pontes entre países e povos de Língua Portuguesa».
Os jurados Mia Couto, Rita Marnoto, José Carlos Vasconcelos, Affonso de Sant’Anna, António Carlos Secchin e José Eduardo Agualusa sublinharam que, «mantendo a elevada qualidade literária em todos os géneros que [Costa e Silva] praticou, a sua refinada escrita costurou uma obra marcada pela universalidade».
«Lendas do índio brasileiro», «Perfis Brasileiros», «Livro de linhagem», «Linhas da mão» são algumas das obras de Costa e Silva.
O autor publicou diversos livros sobre África, designadamente «A enxada e a lança» (1992), «A manilha e o libambo» (2002), «Um rio chamado Atlântico» (2003) e «Francisco Félix de Souza, mercador de escravos» (2004), assim como «Um passeio pela África» e «A África explicada aos meus filhos», que escreveu para os mais novos.
Em 2009, publicou «O quadrado amarelo», que reúne textos sobre arte e literatura, «cruzando referências populares e eruditas, recorrendo à memória e às suas experiências de viagem», segunda a editora brasileira Companhia das Letras.
Além de «Poemas reunidos» (2000), publicou dois volumes de memórias, «Espelho do Príncipe» (1994) e «Invenção do desenho» (2007).
Organizou as colectâneas «Poemas de amor de Luís Vaz de Camões» (1998) e «Antologia da poesia portuguesa contemporânea», com o ensaísta Alexei Bueno, em 1999.
Com a investigadora Lilia Moritz Schwarcz, dirigiu a edição das obras completas de Jorge Amado, para a Companhia das Letras.
Natural de São Paulo, é membro da Academia Brasileira de Letras, que presidiu entre 2002 e 2003, e sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa, entre outras instituições às quais pertence, como o PEN Clube do Brasil e Instituto Histórico Geográfico do Brasil.
Diplomata de carreira, serviu Brasília em várias partes do globo, designadamente em Lisboa, Madrid, Roma, Bogotá e Assunção.
O escritor que é 11.º brasileiro a ser distinguido com o Prémio Camões, nestas suas 25 edições, e foi já agraciado por Portugal, nomeadamente com a grã-cruz da Ordem do Infante, do Militar de Santiago da Espada e do  Militar de Cristo”. Lusa

sexta-feira, 30 de maio de 2014

O mundo é um grito



"Não me compreendo nem compreendo os outros. Não sei quem sou e vou morrer. Tudo me parece inútil e agarro-me com desespero a um fio de vida, como um náufrago a um pedaço de tábua.
Nem sei o que é a vida. Chamo vida ao espanto. Chamo vida a esta saudade, a esta dor; chamo vida e morte a este cataclismo. É a imensidade e um nada que me absorve; é uma queda imensa e infinita, onde disponho de um único momento.
Talvez o mundo não exista, talvez tudo no mundo sejam expressões da minha própria alma. Faço parte de uma coisa dolorosa, que totalmente desconheço, e que tem nervos ligados aos meus nervos, dor ligada à minha dor, consciência ligada à minha consciência.
Estou até convencido que nenhum destes seres existe. Este fel é o meu fel, este sonho grotesco o meu sonho. Estou convencido que tudo isto são apenas expressões de dor – e mais nada.
Nós não vemos a vida – vemos um instante da vida. Atrás de nós a vida é infinita, adiante de nós a vida é infinita. A primavera está aqui, mas atrás deste ramo em flor houve camadas de primaveras de oiro, imensas primaveras extasiadas, e flores desmedidas por trás desta flor minúscula. O tempo não existe. O que eu chamo a vida é um elo, e o que aí vem um tropel, um sonho, desmedido que há-de realizar-se. E nenhum grito é inútil, para que o sonho vivo ande pelo seu pé. A alma que vai desesperada à procura de Deus, que erra no universo, ensanguentada e dorida, a cada grito se aproxima de Deus. Lá vamos todos a Deus, os vivos e os mortos.
O mundo é um grito. Onde encontrar a harmonia e a calma neste turbilhão infinito e perpétuo, neste movimento atroz? O mundo é um sonho sem um segundo de paz. A dor gera dor num desespero sem limites.
Eu não sou nada. Sou o minuto e a eternidade. Sou os mortos. Não me desligo disto – nem do crime, nem da pedra, nem da voragem. Sou o espanto aos gritos.
O sonho completo é o universo realizado.
Cada vez fujo mais de olhar para dentro de mim mesmo. Sinto-me nas mãos de uma coisa desconforme. Sinto-me nas mãos de uma coisa imensa e cega – de uma tempestade viva.
Não só a sensibilidade é universal – a inteligência é exterior e universal.
O universo é uma vibração. A vida é uma vibração na vibração.
Toda a teoria mecânica do universo é absurda. Daqui a alguns anos todos os sistemas serão ridículos – até o sistema planetário.“ Raul Brandão, in “Humus”, Círculo de Leitores

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Crónica de Fidel sobre García Márquez

Fidel sobre Gabo: La novela de sus recuerdos
El líder histórico de la Revolución, Fidel Castro escribe una crónica sobre el amigo García Márquez
"Gabo y yo estábamos en la ciudad de Bogotá el triste día 9 de abril de 1948 en que mataron a Gaitán. Teníamos la misma edad: 21 años; fuimos testigos de los mismos acontecimientos, ambos estudiábamos la misma carrera: Derecho. Eso al menos creíamos los dos. Ninguno tenía noticias del otro. No nos conocía nadie, ni siquiera nosotros mismos.
Casi medio siglo después, Gabo y yo conversábamos, en vísperas de un viaje a Birán, el lugar de Oriente, en Cuba, donde nací la madrugada del 13 de agosto de 1926. El encuentro tenía la impronta de las ocasiones íntimas, familiares, donde suelen imponerse el recuento y las efusivas evocaciones, en un ambiente que compartíamos con un grupo de amigos del Gabo y algunos compañeros dirigentes de la Revolución.
Aquella noche de nuestro diálogo, repasaba las imágenes grabadas en la memoria: ¡Mataron a Gaitán!, repetían los gritos del 9 de abril en Bogotá, adonde habíamos viajado un grupo de jóvenes cubanos para organizar un congreso latinoamericano de estudiantes. Mientras permanecía perplejo y detenido, el pueblo arrastraba al asesino por las calles, una multitud incendiaba comercios, oficinas, cines y edificios de inquilinato. Algunos llevaban de uno a otro lado pianos y armarios en andas. Alguien rompía espejos. Otros la emprendían contra los pasquines y las marquesinas. Los de más allá vociferaban su frustración y su dolor desde las bocacalles, las terrazas floridas o las paredes humeantes. Un hombre se desahogaba dándole golpes a una máquina de escribir, y para ahorrarle el esfuerzo descomunal e insólito, la lancé hacia arriba y voló en pedazos al caer contra el piso de cemento. Mientras hablaba, Gabo escuchaba y probablemente confirmaba aquella certeza suya de que en América Latina y el Caribe, los escritores han tenido que inventar muy poco, porque la realidad supera cualquier historia imaginada, y tal vez su problema ha sido el de hacer creíble su realidad. El caso es que, casi concluido el relato, supe que Gabo también estaba allí y percibí reveladora la coincidencia, quizás habíamos recorrido las mismas calles y vivido los sobresaltos, asombros e ímpetus que me llevaron a ser uno más en aquel río súbitamente desbordado de los cerros. Disparé la pregunta con la curiosidad empedernida de siempre. "Y tú, ¿qué hacías durante el Bogotazo?", y él, imperturbable, atrincherado en su imaginación sorprendente, vivaz, díscola y excepcional, respondió rotundo, sonriente, e ingenioso desde la naturalidad de sus metáforas: "Fidel, yo era aquel hombre de la máquina de escribir".A Gabo lo conozco desde siempre, y la primera vez pudo ser en cualquiera de esos instantes o territorios de la frondosa geografía poética garciamarquiana. Como él mismo confesó, lleva sobre su conciencia el haberme iniciado y mantenerme al día en "la adicción de los best-sellers de consumo rápido, como método de purificación contra los documentos oficiales". A lo que habría que agregar su responsabilidad al convencerme no solo de que en mi próxima reencarnación querría ser escritor, sino que además querría serlo como Gabriel García Márquez, con ese obstinado y persistente detallismo en que apoya como en una piedra filosofal, toda la credibilidad de sus deslumbrantes exageraciones. En una oportunidad llegó a aseverar que me había tomado dieciocho bolas de helado, lo cual, como es de suponer, protesté con la mayor energía posible.
Recordé después en el texto preliminar de Del amor y otros demonios que un hombre se paseaba en su caballo de once meses y sugerí al autor: "Mira, Gabo, añádele dos o tres años más a ese caballo, porque uno de once meses es un potrico". Después, al leer la novela impresa, uno recuerda a Abrenuncio Sa Pereira Cao, a quien Gabo reconoce como el médico más notable y controvertido de la ciudad de Cartagena de Indias, en los tiempos de la narración. En la novela, el hombre llora sentado en una piedra del camino junto a su caballo que en octubre cumple cien años y en una bajada se le reventó el corazón. Gabo, como era de esperarse, convirtió la edad del animal en una prodigiosa circunstancia, en un suceso increíble de inobjetable veracidad.
Reproducción/Cubadebate
Su literatura es la prueba fehaciente de su sensibilidad y adhesión irrenunciable a los orígenes, de su inspiración latinoamericana y lealtad a la verdad, de su pensamiento progresista.
Comparto con él una teoría escandalosa, probablemente sacrílega para academias y doctores en letras, sobre la relatividad de las palabras del idioma, y lo hago con la misma intensidad con que siento fascinación por los diccionarios, sobre todo aquel que me obsequiara cuando cumplí 70 años, y es una verdadera joya porque a la definición de las palabras, añade frases célebres de la literatura hispanoamericana, ejemplos de buen uso del vocabulario. También, como hombre público obligado a escribir discursos y narrar hechos, coincido con el ilustre escritor en el deleite por la búsqueda de la palabra exacta, una especie de obsesión compartida e inagotable hasta que la frase nos queda a gusto, fiel al sentimiento o la idea que deseamos expresar y en la fe de que siempre puede mejorarse. Lo admiro sobre todo cuando, al no existir esa palabra exacta, tranquilamente la inventa. ¡Cómo envidio esa licencia suya!
Ahora aparece Gabo por Gabo con la publicación de su autobiografía, es decir, la novela de sus recuerdos, una obra que imagino de nostalgia por el trueno de las cuatro de la tarde, que era el instante de relámpago y magia que su madre Luisa Santiaga Márquez Iguarán echaba de menos lejos de Aracataca, la aldea sin empedrar, de torrenciales aguaceros eternos, hábitos de alquimia y telégrafo y amores turbulentos y sensacionales que poblarían Macondo, el pequeño pueblo de las páginas de cien años solitarios con todo el polvo y el hechizo de Aracataca. De Gabo siempre me han llegado cuartillas aún en preparación, por el gesto generoso y de sencillez con que siempre me envía, al igual que a otros a quienes mucho aprecia, los borradores de sus libros, como prueba de nuestra vieja y entrañable amistad. Esta vez hace una entrega de sí mismo con sinceridad, candor y vehemencia, que le develan como lo que es, un hombre con bondad de niño y talento cósmico, un hombre de mañana, al que agradecemos haber vivido esa vida para contarla.”Fidel de Castro
* Fuente: Granma Internacional, 08/12/2002

quarta-feira, 28 de maio de 2014

De vez em quando

De vez em quando
"Que é que muda em nós quando mudamos? Uma forma diferente de sermos o mesmo. As vagas do mar. Um céu que se descobre. A pele que se enruga. O ângulo do olhar.Vergílio Ferreira, in "Pensar", Bertrand

A voz de Nina Simone também nos muda de vez em quando. Sons que se descobrem para nos descobrirmos.  Em "Just say I love him" , Nina Simone revela-se  nos caminhos longos da Eufonia.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Numa curva do rio...

" Pousou o gorro cuidadosamente a seu lado, e então bebeu consoladamente a largos sorvos. A água estava muito fria, bem mais do que seria de esperar ali no vale, em pleno Verão, e deu-lhe um arrepio que todo o percorreu. Mas, tão transparente, tomaria nela um banho rápido, para refrescar-se, lavar-se apenas. E, sentado agora no chão, começou a tirar as botas. O cavalo afastara-se, procurando aqui e ali uma ervinha mais gostosa. Descalço, esfregou os pés devagar, remexendo os dedos num gesto infantil de como contá-los. Depois, levantou-se, desapertou o largo cinturão pregueado de ouro, e pousou-o ao lado das botas e do gorro. A longa túnica pendeu solta. Abaixando-se , segurou-lhe as fímbrias e puxou-a para a cabeça. Os cabelos louros e compridos, empastados de suor, desgrenharam-se numa desordem mole, que ajeitou com os dedos. Antes de desatar os cordões da pequena cueca que vestia, olhou em volta. Não havia sinal de gente. Ficou então completamente nu. E antes de entrar para a água, apalpou-se como quem se exibe, num ar de desafio. Ouviu de leve o riso casquinado. Arqueando as sobrancelhas, numa expressão de expectativa que nunca sentira, recuou mais para a fina erva, e alongou-se no chão languidamente. Carícias prolongadas que leves lhe corriam pela pele, beijos sussurrados que o mordiam pelo corpo adiante, mãos que se obstinavam, durezas que se encostavam...Num gemido ansioso abraçou-se ao espaço, voltou-se e rolou, e entregou-se ao Demónio, que fez dele o que quis, e a quem ele fez quanto ele desejou; e arquejava insaciado dos prazeres que não sentira nunca.Quando aquilo acabou, levantou-se, sacudiu-se, passou as mãos pelo corpo sujo, e sentiu a volúpia de estar sujo assim. Enfiou a túnica, olhando com displicência para o rio, e voltou para o cavalo. De um salto  , montou, e seguiu a trote pela margem abaixo. Numa curva do rio, por trás de um cabeço, um castelo apareceu, de pedra muito branca. Que castelo seria?" Jorge de Sena, in " O físico prodigioso", Edições ASA

Quem ganhou as Eleições?

Quem ganhou as Europeias? Hitler!
Por Jack Soifer*  Por
27/05/2014 - 01:30
“O pó seco e amargo é fácil de, com qualquer faísca extremista, explodir
O partido vencedor foi o ABN, Abstenção, Branco e Nulo, com 73% em Portugal e quase isso em muitos pequenos países. Em alguns concelhos chegou aos 77%, como em Albufeira. Este é um voto contra o sistema. A assim chamada democracia representativa deixou de representar os eleitores para representar alguns lóbis ou outros interesses.
Este nível do ABN é um alerta: são necessárias urgentes mudanças estruturais, a começar pelo sistema eleitoral. Por exemplo, nos EUA o congressista representa o seu eleitorado, pois não importa o partido, será penalizado se não o fizer. Como ele lá não tem reforma após oito anos, trabalha pelos seus eleitores, mesmo contra a orientação do partido. Aqui, em nome da “governança” exige-se fidelidade de voto, mesmo que seja contra os interesses do eleitor.
Este nível de ABN já ocorreu noutros países; é um alerta para tumultos populares. No Brasil, precedeu o golpe militar de 1964; no Chile, o de 1973. Na Grécia, os da década de 1970. Na Alemanha, o descrédito do Parlamento e da austeridade imposta durante a recessão dos 1930 trouxe ao poder extremistas da esquerda e da direita, como ocorreu agora na UE. Foi quando Hitler conseguiu tomar o poder e unir grande parte da Europa, para dominá-la com os seus simpatizantes e matar os outros. A promiscuidade entre os poderes legislativo, depois eliminado, o judicial, o executivo (Hitler) e o económico, trouxe um regime adorado pelos que com ele muito ganharam, odiado pelos pequenos países ocupados pelo nazismo xenófobo e assassino, que propagava, como a UE, que tudo estava bem.
Precisamos de uma outra UE para credibilizar o eleitor. Talvez um regresso ao Tratado de Maastricht que permitia alguma autonomia aos países pequenos e periféricos. Estes detalhes são discutidos cada vez mais pela elite pensante, e o livro bilingue Portugal pós-troika? Economic Democracy aborda este debate e apresenta soluções.
Continuar como está é querer tapar o sol com a peneira. O pó seco e amargo é fácil de, com qualquer faísca extremista, explodir.” Público
*Consultor internacional e autor de Como Sair da Crise e Portugal Pós-Troika

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Eleições Europeias


Le vignette di ItaliOggi
Le vignette di ItaliOggi
Cartoon Elias O Sem Abrigo de R.Reimão e Aníbal F., JN
Cartoon Elias O Sem Abrigo de R.Reimão e Aníbal F., JN
Kroll, Le Soir , Belgique
Kroll, Le Soir , Belgique
Kroll, Le Soir , Belgique
Bartoon, Público

Cartoon Henrique Monteiro
Tom Janssen, The Guardian
Tom Janssen, The Guardian
Viñeta Forges, El País
Viñeta  Erlich, El País
Viñeta  Peridis, El País



A l'issue des élections européennes de dimanche, la droite confirme son avance dans une grande majorité des vingt-huit Etats membres de l'UE.

A l'issue des élections européennes de dimanche, la droite confirme son avance dans une grande majorité des vingt-huit Etats membres de l'UE.

domingo, 25 de maio de 2014

Celebrar o aniversário de Eugénio Lisboa



Máquina de Assombros

Das humildes praias deste oceano, 
te olhámos , cosmos: era o começo.
De aqui, assombros vimos: cada ano
o milagre era um recomeço.
Eugénio Lisboa , in "O Ilimitável  Oceano", Edições Quasi

"O poeta  - em sentido formal - tem, em mim, aparecido pouco e quase clandestinamente. (...)Tem-me servido a poesia - como me tem também servido a prosa, que pode ser igualmente poética - para sondar os meus assombros  e os meus fantasmas: que são muitos e nunca inteiramente resolvidos." 
Assim o declara Eugénio Lisboa, o mais activo escritor português, em constante produção literária nas mais diversas formas.  Nasceu a 25 de Maio de 1930. Faz , hoje, 84 anos,  neste último Domingo de Maio. Um mês que nos saúda diferentemente. Tempo da Primavera onde moram os verbos renascer, florescer, crescer. Mês assertivo porque convive, também, com  explodir, confrontar, criar. Eugénio Lisboa é um criador que nos confronta, obstinadamente,   com uma excelente e longa explosão literária.
Lê-lo é reaprender  tudo o que nos ensinaram ou o quanto que descobríramos. A forma mágica e inteligente com que aborda qualquer tema, faz dele, além de um dos maiores escritores da actualidade , um excepcional pedagogo, um insigne Mestre. Com um percurso notável que vai desde a especialização em  Engenharia, Ensino Universitário em vários países a Conselheiro Cultural em Londres , sempre a par de uma intensa  actividade literária como pensador, crítico literário, poeta, escritor, ensaísta, cronista, Eugénio Lisboa continua enérgico e imparável.(1) 
Questionado sobre qual a actividade que prefere desenvolver, escolhe, sem hesitação,  o ensino. Ser Professor é o exercício que mais o apaixona e motiva. Interceptámo-nos, aí, nesse vértice. Como professora, tive, na sua produção ensaística, o apoio para enfrentar muitos desafios. Foi, muitas vezes, o meu dicionário de consulta ou o manual de aprendizagem. Como leitora, fiz de Eugénio Lisboa o meu escritor de eleição. A sedução da sua escrita capturou-me para sempre. 
Actualmente, está a escrever o IV volume das suas memórias, "ACTA EST FABULA IV", tomo referente ao período que medeia entre 1976 e 1995, e que deverá ser publicado este ano, pela editora Opera Omnia.
Eugénio Lisboa considera difícil definir cultura de forma competente e abrangente, pelo que prefere  utilizar as palavras de Ortega y Gasset: "  A cultura não é a vida na sua totalidade, mas apenas o seu momento de segurança, força e claridade."
Em Eugénio Lisboa encontramos esse momento. A cultura vive nele de uma forma tão intensa que nos deslumbra e contagia. Ouvir Eugénio Lisboa é escutar a voz profunda de um saber feito de muito conhecimento.
A Música deste Domingo pretende saudar este grande nome das letras e repetir ao amigo o quanto me preza e honra conhecer. 
Numa crónica sobre a cantora June Tabor, escreveu o seguinte:“Tenho visto muita pintura, escultura e desenho, como tenho ouvido muita música, e  até possuo uma discoteca considerável. Mas não tenho educação musical, num sentido técnico.
Tenho obsessões e vaidades como, por exemplo, possuir os 180 CDs, que compõem. na edição da Philips, a obra completa de Mozart. Tenho, neste sector, um gosto ecléctico: música clássica, jazz, música folclórica (alguma),  fado, música dos Beatles, do Zeca Afonso, da Edith Piaf, do Jacques Brel, do Regiani, da Béatrice Arnac e tutti quanti. (...) 
Com Tabor, estou um pouco à vontade porque ela, como eu, também não tem o que se chama educação musical. Usa o ouvido, a imaginação, a emoção, a obstinação, o talento e a alma. Estas coisas acontecem.(...) June Tabor leva-nos, sem vergonha, aos primórdios, àquelas grandes emoções primárias e fundadoras, de que os “sofisticados” têm tanta vergonha."
A Eugénio Lisboa , em jeito de gloriosos votos  de PARABÉNS, apresentamos dois excelentes registos  musicais.
- “Davide Penitente KV 469” de Wolfgang Amadeus Mozart, pela Orquestra Scarlatti Di Napoli, dirigida pelo  Maestro Gaetano Cuccio Pellegrini. As vozes são de Maria Grazia Schiavo, soprano, Letizia Colajanni, soprano, Domenico Ghegghi, tenor e o coro Ensemble Vocale di Napoli .

- A voz de June Tabor  acompanhada por  Iain Ballamy ( saxofone)  e Huw Warren ( piano), em  “ Near But Farway”.



(1) - No dia 20 deste mês, foi apresentada, no programa Mar de Letras, na RTP África, uma entrevista a Eugénio Lisboa que pode ser visualizada integralmente, aqui, por intermédio deste link: http://www.rtp.pt/play/p842/e154608/mar-de-letras

sábado, 24 de maio de 2014

Tudo foi defraudado


FALA O ARRUMADOR DE AUTOMÓVEIS

Assustado com a miséria e estes anos,
pouco espero de Deus e dos homens.
Não mendigo, olho de soslaio, adivinho,
sem gratidão guardo no bolso os óbolos.
E fui pescador, depois faroleiro: longe
deitava a alma, relâmpago
sobre falésias, em estrelas tocava,
a sirene era o meu grito de amor.
Transluzente e distante e bom
como clarões de um farol nunca foi fácil:
algo se afundava debaixo de mim,
desconhecida culpa. Odeio, sim, odeio
este parque onde chuva e sol impõem as mãos
e na pele penetram sem bálsamo.
Primeiro a luxúria, depois vinho,
escuridão. No fundo de um poço
cujas paredes ressumam lágrimas e avencas.
Custa ganhar a vida e perdê-la.
Tudo foi defraudado, sou eu
- eu ou alguém por mim- quem aperta
desde a infância o nó que me estrangula.
António Osório,in “ A Luz Fraterna”, Poesia reunida, Ed. Assírio & Alvim, 2009

sexta-feira, 23 de maio de 2014

A evolução do Universo

Foi publicado, no DN de 9 de Maio,  uma notícia relativa à  "mais realista simulação da evolução do universo criada por uma equipa de cientistas , com o uso de milhares de supercomputadores. A  simulação foi considerada a mais realista de sempre da evolução do universo e que inclui a mais correcta composição e distribuição das galáxias.
O estudo, publicado na última edição da revista Nature, insere-se no projecto Illustris liderado por Mark Vogelsberger do MIT que avança, significativamente, no 'retrato' do universo comparativamente a modelos anteriores.
Neste estudo, por exemplo, é possível ver não só a rede cósmica de galáxias de forma mais precisa mas analisa questões como conteúdos de gás e metal "representando um considerável passo adiante na formação de modelos da galáxia", refere a Nature.
Para a simulação a equipa de cientistas trabalhou ao longo de cinco anos num modelo matemático que cobre toda a evolução do universo, começando 12 milhões de anos depois do Bing Bang.
Usando mais de 100 mil linhas de código, os cálculos em si demoraram três meses a correr numa rede que usou 8.000 CPUs. Os cálculos são de tal complexidade que, caso tivessem sido realizadas num único computador, mesmo avançado, demorariam mais de 2.000 anos a terminar.
O resultado, em imagens, é uma simulação que mostra uma mistura de vários tipos de galáxias, com conteúdos de metal e de gás e que coincidem com a data recolhida até aqui por observação.
A equipa atribui o êxito da simulação aos rápidos avanços em poder computacional, melhoria nos algoritmos numéricos e modelos mais correctos da física relevante.
Avanços, sublinham, que permitiram simultaneamente modelar a evolução dos vários componentes da formação das galáxias tanto no que toca a matéria visível como a matéria negra, que compõe a maior parte da matéria do Universo.”

Acreditando na beleza das imagens que este estudo proporciona, apresentamos o respectivo registo que tem um fundo musical. 

quinta-feira, 22 de maio de 2014

A memória das águas

“Paseo a Orillo del mar" de Joaquín SOROLLA BASTIDA
(1863-1923)
«Mas a meio caminho voltou para trás, direita ao mar. Paulo ficou de pé no areal, a vê-la correr: primeiro chapinhando na escuma rasa e depois contra as ondas, às arrancadas, saltando e sacu­dindo os braços, como se o corpo, toda ela, risse.
Uma vaga mais forte desfez-se ao correr da praia, cobriu na areia os sinais das aves marinhas, arrastou alforrecas abandonadas pela maré. Eram muitas, tantas como Paulo não vira até então, espapaçadas e sem vida ao longo do areal. O vento áspero curtira-lhes os corpos, passara sobre elas, carregado de areia e de salitre, varrendo a costa contra as dunas, sem deixar por ali vestígios de pegada ou restos de alga seca que lhe resistissem.»

«Marcaste o despertador»
«Hã?»
«O despertador, Quim. Para que horas o puseste?»

«...E tudo à volta era névoa, fumo do mar rolando ao lume das águas e depois invadindo mansamente a costa deserta. Havia esse sudário fresco, quase matinal, embora, cravado no céu verde-ácido, despontasse já o brilho frio da primeira estrela do anoitecer...»

«Desculpa, mas não estou descansada. Importas-te de me passar o despertador?»
«O despertador?»
«Sim, o despertador. Com certeza que não queres que eu me levante para o ir buscar. És de força, caramba.»
«Pronto. Estás satisfeita?»
«Obrigada. Agora lê à vontade, que não te torno a incomodar. Eu não dizia? Afinal não lhe tinhas dado corda... Que horas são no teu relógio? Deixa, não faz mal. Eu regulo-o pelo meu.»

«- Mais um mergulho - pedia a rapariga. A dois passos dele sorria-lhe e puxava-o pelo braço; - Só mais um, Paulo. Não imaginas como a água está estupenda. Palavra, amor. Estupenda, estupenda, estupenda. Uma alegria tranquila iluminava-lhe o corpo. A neblina bailava em torno dela, mas era como se a não tocasse. Bem ao contrário: era como se, com a sua frescura velada, apenas despertasse a morna suavidade que se libertava da pele da rapariga. - Não, agora já começa a arrefecer - disse Paulo. - Vamo-nos vestir? Estavam de mãos dadas, vizinhos do mar e, na verdade, quase sem o verem. Havia a memória das águas na pele cintilante da jovem ou no eco discreto das ondas através da névoa; ou ainda no rastro de uma vaga mais forte que se prolongava, terra adentro, e vinha morrer aos pés deles num distante fio de espuma. E isso era o mar, todo o oceano. Mar só presença. Traço de água a brilhar por instantes num rasgão do nevoeiro. Paulo apertou mansamente a mão da companheira; - Embora? - Embora - respondeu ela. E os dois, numa arrancada, correram pelo areal, saltando poças de água, alforrecas mortas e tudo o mais, até tombarem de cansaço.» 
José Cardoso Pires, in “Uma simples flor nos teus cabelos claros - Jogos de Azar “ 1963, MORAES editores

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Eventos culturais e literários em Maio

EDUCAÇÃO ARTÍSTICA: UMA PRIORIDADE
1a sessão com o Filósofo Eduardo Lourenço. Dia 21 de Maio às 18h30 no CNC. Entrada livre
"As Artes na Educação são, há muito,consideradas um veículo privilegiado para assegurar na Escola espaços de liberdade, de manifestação da criatividade e inovação e do exercício da tolerância e solidariedade, valores incontornáveis na formação equilibradae pró-activa das crianças e jovens.
À volta deste tema, sempre actual e actuante, o Centro Nacional de Cultura em parceria com o Clube UNESCO de Educação Artística promovem uma série de tertúlias/encontros com personalidades de inquestionável mérito e reconhecidos pensadores em várias áreas do conhecimento."CNC
ECM LISBON SERIES
Norma Winstone| Klaus Gesing | Glauco Venier: Dance Without Answer
29 Mai 2014 - 21:00
Pequeno Auditório, CCB
M/6"
Este trio adaptável e engenhoso já tem uma longa história. Em actividade há mais de uma década, as suas raízes estão ainda mais atrás: Venier e Gesing colaboraram em vários projectos musicais desde meados dos anos 1990, nos quais se inclui um duo de longa duração.
(…)”A componente italiana presente no álbum origina alguns contrastes evidentes. «Gust Da Essi Viva», um poema de Novella Cantarutti, que escreveu em dialecto friulano, foi escrita anteriormente por Glauco para orquestra sinfónica com a Big Band Udine. «A Tor A Tor» é uma filastrocca friulana, uma saltitante canção de embalar musicada por Vernier.
A escassa instrumentação – um instrumento de palheta, um piano, uma voz – adapta-se a todos esses diferentes contextos: ao invés de impor limitações tem incentivado a criatividade. Winstone gosta da sensação de espaço na música, e dos silêncios que podem ser explorados ou autorizados a ressoar, bem como da flexibilidade de improvisação que os intérpretes partilham.
«Estando Winstone cada vez mais distante do Great American Songbook», escreveu a All About Jazz, «é certo que, com uns colegas de banda em tão grande consonância com ela como Gesing e Venier, muito pouco há que ela não consiga fazer.»CCB
28 Mai 2014 - 21:00
Grande Auditório- CCB
M/6
Duração 1h30
S/intervalo
 “A música de Rodrigo Leão tem um pendor claramente universalista e nunca se escusou a diálogos: ao longo da carreira, o músico-compositor arranjou espaço para o encontro com vozes notáveis e com instrumentistas de excepção, como Ryuichi Sakamoto ou Ludovico Einaudi. Prepara-se agora para dividir o palco com Ólafur Arnalds, multi-instrumentista islandês com um singular percurso, que conta com uma das suas composições na banda sonora do blockbuster The Hunger Games. Existe, pois, o terreno comum de uma música que tem conseguido chegar aos grandes ecrãs em filmes de grande sucesso de bilheteira. Em palco, cada um dos compositores apresentará a sua visão musical, reservando um momento mágico de diálogo entre os seus teclados para o final do concerto. Absolutamente a não perder.”

A escritora Maria Teresa Horta é distinguida, dia 22, com o Prémio de Consagração de Carreira, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). 
"Tenho dificuldade em expressar a alegria, mas na verdade fiquei muito satisfeita, sempre tive um percurso muito perto da literatura e sou uma mulher que amo, amo a literatura, tenho uma paixão pelos livros - adoro livros - e toda a minha escrita é atravessada pela reflexão sobre a própria escrita", afirmou Maria Teresa Horta à Lusa.
O galardão, que distingue a poeta e ficcionista, "pela qualidade, extensão e representatividade da sua obra", será entregue por José Jorge Letria numa cerimónia a realizar dia 22, quinta-feira, Dia do Autor, com transmissão em directo neste site.
"Toda a minha vida, eu andei a defender e a enaltecer a literatura, sinceramente acho que sim, que mereço este prémio, pois tive um trajecto em prol da literatura e da liberdade", declarou a autora de "A Dama e o Unicórnio".
"Não separo assim tanto a poetisa da jornalista, acho que são duas faces da mesma mulher, uma não pode viver sem a outra", acrescentou a escritora de 76 anos.
A autora, que viveu trinta anos sob o fascismo, como realçou à Lusa, afirmou que "devemos ter uma prática diária que é defender a liberdade que o 25 de Abril [de 1974] nos trouxe, e eu sou uma mulher de luta, uma lutadora da liberdade, uma sonhadora da liberdade e sempre lutei pela liberdade e pelos direitos das mulheres e os direitos humanos, desde os tempos do fascismo", atestou.” Lusa,DN

Em Cannes, um filme de Itália, 'Le Meraviglie', e outro de Espanha, 'Hermosa Juventud', propõem uma visão crítica de alguns elementos da atualidade social europeia
Por João Lopes
"Uma visão politicamente correta da actualidade obriga a problematizar muitas das crises do Velho Continente a partir das próximas eleições para o Parlamento Europeu e também, claro, da acção (ou inacção) dos elementos da classe política. O Festival de Cannes não existe, como é evidente, para desmentir a urgência de tal perspetiva - aliás, a sua agenda tem integrado diversos eventos sobre essa mesma atualidade, incluindo (ontem) uma Assembleia de Cineastas conduzida por uma pergunta muito concreta: "Que querem os cineastas da Europa de amanhã?"
Dito isto - e porque, apesar de tudo, convém não passar ao lado do essencial num certame deste teor - convém lembrar o mais óbvio: muitos sinais das nossas crises, observados e pensados para além dos clichés da cena política, estão, não nos discursos oficiais, mas nesses objetos peculiares que são os... filmes! Dois títulos da seleção oficial servem de exemplo revelador: o italiano Le Meraviglie (competição) e o espanhol Hermosa Juventud (Un Certain Regard).
Em Le Meraviglie, a realizadora Alice Rohrwacher coloca em cena uma família que, numa quinta decrépita de uma aldeia da Úmbria, sobrevive através do mel das suas colmeias. Num registo de estrito e desencantado realismo - incluindo no modo como expõe as ilusões românticas da filha mais velha -, Rohrwacher introduz na ação dois elementos perturbantes: por um lado, a chegada de um jovem alemão, com uma história de delinquência, ao abrigo de um programa social de reinserção; por outro lado, a invasão da região por um concurso de televisão que quer promover os habitantes locais que mantêm vivas as formas "tradicionais" de trabalho... No ziguezague que isso provoca, Le Meraviglie dá a ver um universo em que as muitas dificuldades de sobrevivência contrastam com os artifícios da demagogia televisiva.”DN
Philip Roth confirme qu'il se retire de l'écriture et de toute vie publique
Par LEXPRESS.fr, publié le 20/05/2014 à 07:53, mis à jour à 09:17
"L'immense écrivain américain, lauréat des prix littéraires les plus prestigieux, a accordé un dernier entretien à la BBC. Maintenant, il va pouvoir se consacrer au bavardage, dit-il. 
Il est l'auteur de La tache, Portnoy et son complexe, La Pastorale américaine... Il a remporté le Prix Pulitzer et la National Book Award. Philip Roth, considéré comme l'un des plus brillants romanciers américains de sa génération, a confirmé qu'il allait cesser d'écrire et se retirer de la scène publique après une ultime interview à la BBC qui en a diffusé lundi des extraits. L'interview dans son intégralité est diffusée ce mardi.
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Dans un documentaire en deux parties dont la première sera diffusée mardi, l'écrivain de 80 ans déclare au journaliste Alan Yentob: "Il s'agit de ma dernière apparition à la télévision, vraiment ma dernière apparition publique où que ce soit".
Philip Roth avait sidéré le monde de la littérature il y a 18 mois en annonçant au magazine français Les Inrockuptibles qu'il cessait d'écrire. "J'étais arrivé au terminus. Il n'y avait plus rien pour moi sur quoi écrire", a confié l'auteur de 31 livres en une cinquantaine d'années. "
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terça-feira, 20 de maio de 2014

A saga libertária de Manoel de Andrade

"Nos Rastros da Utopia", de Manoel de Andrade,  continua em destaque no meio literário brasileiro. Alvo da curiosidade e do interesse de um público em constante crescimento, Manoel de Andrade tem proferido diversas palestras em Universidades brasileiras.
Ao Manoel de Andrade , em jeito de saudação, apresentamos a transcrição de um outro excerto da sua saga libertária.
7. A " Peña de los Parra" e " la nueva canción chilena"
"Carmen 340. Quem não conheceu esse endereço , na década de 1960, em Santiago? A Peña de los Parra foi o berço da Nueva Canción  Chilena. Aqueles eram anos mágicos e o embalo da renovação musical contagiava a América inteira, a começar pelo Brasil, que de 1966 a 1972 realizou no Maracanãzinho o Festival Internacional da Canção, amplamente transmitido pela televisão. O fenómeno cultural, aparentemente sem nenhuma conexão internacional, era marcado pelo conteúdo social numa poética de protesto que era ouvida dentro mesmo dos Estados Unidos , na voz de Joan Baez e Bob Dylan. Em Cuba com a Nueva Trova protagonizada por Pablo Milanes e Silvio Rodriguez. São os anos em que o Brasil cantava com Geraldo Vandré, Chico Buarque , Tom Jobim e José Carlos Capinam e em que a América revolucionária cantava nas vozes de Athaualpa Yupanqui, Daniel Viglietti, Mercedes  Sosa, Soledad Bravo, Victor Jara e quando começava a se ouvir, no continente, a canção desterrada em toda a Espanha do catalão Joan Manuel Serrat.
A Nueva Canción Chilena foi marcada pelo aparecimento de novos intérpretes e solistas, compositores e conjuntos que deram uma diferença feição musical ao país. Sob a influência da música andina e as profundas raízes do folclore, sua bandeira estava tingida  com as cores das lutas sociais  desfraldadas contra a perseguição, a violência e a censura cultural da ultrarreacionária burguesia chilena. Comprometida historicamente com os ideais socialistas e com o povo, a Nueva Canción transformou as reivindicações operárias e camponesas em letra , ritmo, melodia  e encanto,  e sua voz ecoou nos grandes auditórios universitários, nos recitais para a classe trabalhadora, popularizando-se através das peñas do país - locais onde se ouvia a melhor música, comia-se empanadas, tomava-se o pisco e o bom vinho chileno.
As suas origens remontam à década de 1940, nas vozes de Margot Loyola e Violeta Parra, e começa a ecoar no fim dos anos 1960, alheia a toda música de consumo e questionando a penetração cultural imperialista. Teve sua alta ressonância durante a campanha presidencial e triunfo da Unidade Popular em 1970, ouvida, sobretudo, no recinto da Peña de los Parra e na interpretação de grandes conjuntos como Quilapayún e Inti Illimani.
Naquele Abril de 1969, a Peña de los Parra estava em plena floração e dali exalava o melhor perfume musical do Chile. Herdeiros da genialidade musical de Violeta Parra, seus filhos Isabel Angel Parra abrem, em meados  dos anos 1960, numa grande casa no centro velho de Santiago, o local de onde irradiaria  todo o significado musical do movimento. Foi ali que ouvi os irmãos Parra, Rolando Alarcón y Patrício Manns que incorporaram inicialmente o grupo, e depois, no meu retorno ao Chile em 1972, as inesquecíveis interpretações de Victor Jara. Era a época em que ali também cantavam o temucano Tito Fernández, Osvaldo " Gitano" Rodriguez e o conjunto Los Curacas. Sempre havia cantores convidados e por ali passaram o argentino Atahualpa Yupanqui e o espanhol Paco Ibañez.
Mas silenciou bruscamente em 1973, com a queda do Governo de Salvador Allende. E tanto no Chile como no Brasil este marcante fenómeno musical teve um momento culturalmente grandioso, mas historicamente trágico. No Brasil, depois de 1968, foi marcado com a prisão e o exílio dos grandes compositores. No Chile, terminou com um verdadeiro genocídio de bravos. No dia 11 de Setembro de 1973 - exactamente 38 anos antes do fatídico ataque dos aviões às Torres Gémeas, em Nova Iorque - um ataque da aviação chilena contra o Palácio de la Moneda derruba o primeiro governo socialista livremente eleito na América. Depois da morte de Salvador Allende, seguiram-se momentos de perseguição e pânico social. Do grupo que integrava a Peña de los Parra, Victor Jara foi um dos primeiros a ser preso. Detido no recinto da Universidad de Chile, onde trabalhava, foi levado com mais 600 estudantes para o  Estádio Chile - hoje Estádio Victor Jara. Durante quatro dias,  foi barbaramente torturado, quebraram-lhe  as mãos com golpes de revólver e finalmente foi assassinado com 44 tiros . Ao ver suas mãos totalmente quebradas, seus carrascos lhe disseram com ironia: " Agora pode tocar violão". Neste Dezembro de 2009, seu corpo foi exumado e seus restos sepultados , com a presença de 12.000 pessoas."
Manoel de Andrade, in " Nos  rastos da utopia, uma memória crítica da América latina, nos anos 70", Editora Escrituras, São Paulo, Brasil, 2014



segunda-feira, 19 de maio de 2014

Cada manhã


"Cada manhã, antes mesmo de abrir os olhos, reconheço minha cama, meu quarto. Mas se durmo à tarde, em meu estúdio, experimento às vezes, ao acordar, um espanto pueril: por que sou eu? O que me surpreende - como à criança quando toma consciência de sua própria identidade - é o fato de encontrar-me aqui, agora, dentro dessa vida e não de uma outra: por que acaso? Se a considero do exterior, em primeiro lugar parece inacreditável que eu tenha nascido. A penetração de um determinado óvulo por um determinado espermatozóide, os seus ancestrais, não tinha uma chance entre milhares de ocorrer. Foi um acaso, conforme o estado actual da ciência, totalmente imprevisível que me fez nascer mulher. Depois para cada instante de meu passado mil futuros diferentes me parecem concebíveis: adoecer e interromper meus estudos; não conhecer Sartre; qualquer outra coisa.” Simone de Beauvoir, in "Balanço final”, Nova Fronteira.

HORA VERMELHA
Por que vieste, pensamento?
Já me bastava o Mar violento,
Já me bastava o Sol que ardia…
P’los meus sentidos escorria
não sei lá bem que seiva forte
que a carne toda me deixava
qual uma flor ou uma lava
num riso aberto contra a Morte.

Já me bastava tudo isto.
Mas tu vieste, pensamento,
e vieste duro, turbulento.
Vieste com formas e com sangue:
erectos seios de mulher,
as carnes róseas como frutos.

Boca rasgada num pedido
a que se quer e se não quer
dizer que não.
Os braços longos estendidos.
A mão em concha sobre o sexo
que nem a Vénus de Camões.

Aí!, pensamento,
deixa-me a calma da Poesia!
Aqui na praia só com ela,
virgem castíssima, sincera!…
Sua mão branca saberia
chamar cordeiro ao Mar violento,
Pôr meigo, meigo, o Sol que ardia.
Mas tu vieste, pensamento.
Tua nudez, que me obsidia,
logo, subtil, encheu de alento
velhos desejos recalcados,
beijos mordidos
antes de os ver a luz do Dia.

Vai-te depressa, pensamento!
Deixa-me a calma da Poesia.
Fique em minh’alma o só perfume
da cerca alegre de um convento.

Os meus sentidos embalados
numa suave melodia.
(Ah!, não nos quero desgrenhados
como quem volta de uma orgia).

E então meus lábios mais serenos
do que se orassem sobre um berço,
sorrindo à Vida,
sorrindo à Morte.
Ah!, não nos quero assim grosseiros,
ébrios, torcidos,
como depois de um vinho forte.

Sebastião da Gama, in “Cabo da Boa Esperança”, 1ª edição, Portugália,1947.