quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Da resistência em Portugal III

“POESIA ÚTIL” E LITERATURA DE RESISTÊNCIA
"Poucos, muito poucos foram os poetas que se mantiveram alheios aos anos de ferro e manha da ditadura salazarista. De forma mais explícita ou mais discreta, mais pessoal ou pública, com palavras de indignação, de denúncia ou verrina, raros foram aqueles que não lavraram um pequeno ou grande incêndio nos seus livros, num ou noutro poema, num verso apenas que fosse. (José Fanha in apresentação De Palavra Em Punho – Antologia Poética da Resistência. De Fernando Pessoa ao 25 de Abril. Porto, Campo das Letras, 2004) 
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SONETO AO SENHOR CORREIO

Senhor Correio, Senhor Dom Correio,
por favor, por favor, Vossa Excelência
não abra as minhas cartas porque é feio
e tudo o que for feio falta à decência.

Eu leio as suas cartas? Não, não leio.
Se suas cartas lesse era demência.
Senhor Correio, veja se há um meio
de ter um pouco menos de inclemência.

Porque enfim o que escrevo a mim o devo,
Senhor Correio, é meu tudo o que escrevo,
e a tinta expressando as minhas falas.

É qualquer coisa mais que intimidade.
Senhor Correio, sabe que é verdade,
violar minhas cartas é matá-las.

Sidónio Muralha, “Poemas de Abril” (1974) in Obras Completas do Poeta, Lisboa: Universitária Editora, 2002, pág. 253.

NOTÍCIAS DO BLOQUEIO
Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval,
a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.

Tu lhes dirás do coração o que sofremos
os dias que embranquecem os cabelos…
Tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos – contrabando – aos teus cabelos.

Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
– único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.

Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima…

Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos

feridos de silêncio duro e violento.

Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.

Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.

Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.

Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva e a esperança reproduz-se.
Egito Gonçalves,in  Notícias do Bloqueio, 1952
"Notícias do Bloqueio ‑ Série de nove "fascículos de poesia" publicada no Porto, entre 1957 e 1961, sob a direcção de Egito Gonçalves, Daniel Filipe, Papiniano Carlos, Luís Veiga Leitão, Ernâni Melo Viana e António Rebordão Navarro.
A designação da revista, retirada do título de um poema de Egito Gonçalves, publicado no 4.° fascículo de Árvore, remete para um programa de poesia de resistência, aludindo metaforicamente ao cerco a que estavam submetidos os intelectuais portugueses.
Sem apresentar texto programático, nem textos de crítica ou teoria poética, a publicação reúne criação poética de autores com opções estéticas diversas (além da direcção, Jorge de Sena, Casais Monteiro, Miguel Torga, Afonso Duarte, António José Fernandes, Vasco Costa Marques, Mário Henrique Leiria, Maria Almira Medina, João Ribeiro Melo, Orlando da Costa, José Fernandes Fafe, António Reis, Daniel Filipe, Joaquim Namorado, João Rui de Sousa, Alexandre O'Neill, Mário Dionísio, Armindo Rodrigues, José Augusto Seabra, Pedro Alvim, Maria Teresa Rita, Gastão Cruz), mas que colaboram sistematicamente com composições subordinadas a um intuito de denúncia e combate. Cada fascículo incluía, ainda, nas últimas páginas, tradução de poetas estrangeiros (Brecht, Guillevic, Stephan Hermlin, Jorge Carreara Andrade, Jean Todrani, Nicolau Vaptzarov). Os fascículos 6 e 8 são dedicados a poetas moçambicanos e angolanos.
Egito Gonçalves (1920-2001) foi poeta, editor e tradutor. Participou na fundação e na direcção de diversas revistas literárias, como A Serpente (1951), Árvore(1952-54), Notícias do Bloqueio (1957-61), Plano (1965-68), Limiar(1992). O poema "Notícias do Bloqueio" (1952) e é certamente o mais emblemático de sua trajectória poética tendo-se tornado um símbolo da militância política em tempos da ditadura e gerando o nome da revista que ele dirigiu entre 1957 e 1961."




"No Limite da Dor é uma profunda reflexão sobre a resistência, o medo, a humilhação, a dor e a dignidade do ser humano -- é esta a proposta que fazemos ao espectador de hoje, às novas gerações: o confronto com a realidade portuguesa vivida por milhares de portugueses às mãos da PIDE/DGS.
Georgina, Aurora, Conceição e Domingos não são personagens teatrais, são personagens reais que testemunham as experiências por eles vividas e que nos chamam a atenção para a importância dos ideais, das convicções e da família.
No Limite da Dor é uma peça que colocamos nas mãos do espectador actual, sobretudo pela importância de dar a conhecer e suscitar o debate, sobre as situações colocadas pelas personagens.
São, sem dúvida, dados importantes para que possamos preservar uma memória colectiva, sobre acontecimentos tão dramáticos vividos pelo povo Português."
Ficha técnica/ artística
A partir do Livro "No Limite da Dor" de Ana Aranha e Carlos Ademar
Encenação/Dramaturgia Julio Cesar Ramirez
Interpretação Ana Ademar | António Revez | Marisela Terra
Cenografia Julio Cesar Ramirez
Figurinos, Grafismo e Fotografia Ana Rodrigues
Banda Sonora João Nunes | Fernando Pardal
Desenho de Luz e Sonoplastia Ivan Castro
Operação de Luz e Som Ivan Castro
Construção de Cenário Ana Rodrigues | Ivan Castro
Produção Executiva Rafael Costa
Estreado no Espaço Os Infantes a 24 de Maio
Lendias d'Encantar 2014


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