sábado, 23 de agosto de 2014

O Desterro dos Poetas


O DESTERRO DOS POETAS
                                             Manoel de Andrade

Nada vos quisera dizer que sonegasse o encanto
mas transito  por um mundo sombrio
e por caminhos degradados.
Já não vejo flores nas campinas
nem lírios à beira das estradas,
já não ouço o cantar dos pássaros
nem o murmúrio das fontes.
Restou-nos a paisagem decepada e nua,
de quando em quando, pequenos bosques solitários
e o sibilar melancólico do vento.

Viandantes milenares da estesia e do mistério,
hoje somos seres desgarrados e silentes.
Nossas imagens foram abatidas,
nossos símbolos calcinados,
globalizaram as metáforas,
plastificaram as rosas,
poluíram as estrelas.

Restaram-nos o espanto e os pressentimentos,
e, nessa patética realidade,
entre rimas e a paixão pelo lirismo,
a poesia mendiga descalça pelo mundo,
trajando seu rosário de versos encolhidos.
Nossas páginas já não são abertas,
já não publicam nossos livros,
declamamos num palco de figurantes,
e ante os versos desse drama,
não há público nem aplausos...
Versejar é uma vocação solitária,
uma chama delirante que se apaga no coração dos homens.


Apesar de tanto desencanto,
nada vos direi que sonegue a esperança,
mas digo que os poetas jamais silenciarão seu canto,
porque ninguém poderá desterrar o sonho e a beleza
e porque sempre haverá um poema de amor a ser escrito.
Os poetas cantam desde a aurora dos tempos,
pela glória de Aquiles e pela paixão por Beatriz.
Cantam para gestar uma “Ode Triunfal”,
para compor  “ Uma Canção Desesperada”,
ou para erguer uma bandeira libertária.

Cantam para denunciar os calvários de chumbo que sangraram tantas pátrias     
e para que o esquecimento não sepulte a história dos vencidos.
Cantam para acusar os tiranos e consagrar os mártires,
e para reunir na memória os punhos da bravura.
Os poetas sempre haverão de cantar,
enquanto a luz parir a vida, eles cantarão...
cantarão para abrir as janelas do infinito
e para semear novos sonhos nos herdeiros do amanhã.

Machucado por tanto desamor,
por esses acordes tolos e nocivos a malhar meus tímpanos,
e perante essa estética do absurdo,
a essa irreverência que empesta os ares
e proscrito por um tempo que confunde os nossos passos,
saio em busca do Eldorado.
Quero um cântaro de luz para beber a vida,
um sol de abril para iluminar meu rumo.
Quero meu veleiro, meu farol, meu porto, minha aldeia,
e ‘onde estiver meu coração, sei que lá  estará o meu tesouro’.


“Vou-me embora pra Pasárgada”
levando minhas  ternuras e uma fé inabalável.
Minhas velas vão rasgando o desencanto,
navegando nas lágrimas do mundo
e nesses mares de naufrágios.
Sei que quando o impasse se acabar,
as flores povoarão os campos
uma rosa purpurina se abrirá no teu canteiro
e a estrela da manhã surgirá num novo céu.
E eis que uma aurora de luz há de beijar a Terra,
o amor abraçará os filhos da esperança,
e só então a paz será um eterno banquete festejando a vida.
Vos digo que num só “idioma” se entenderão os povos,
que a música renascerá na melodia,
que uma nova literatura deslumbrará a alma
e que o nosso canto, sedutor e palpitante, reviverá no coração dos homens.

                                                    Curitiba, 20 de Agosto de 2014
Manoel de Andrade, poeta brasileiro

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