quinta-feira, 17 de abril de 2014

Canções da beira-mar

Noite

Milhões de barcos perdidos no mar!
Perdidos na noite! 
As velas rasgadas de todos os ventos
os lemes sem tino
vogando ao acaso
roçando no fundo
subindo na vaga
tocando nas rochas!
E quantos e quantos naufragando...
Quem vem acender faróis na costa do mar bravo?!
Quem?!
Manuel da Fonseca, " Canções da beira-mar" in " Obra Poética", Editorial Caminho

Canção de Hans, o marinheiro

Se tu soubesses 
que em todos os portos do mundo
há uma mão desconhecida
a acenar  - adeus, adeus -quando se parte prò mar;
se tu soubesses
que o mar não tem fronteiras nem distâncias
é sempre o mar;
se tu soubesses
a noite nas águas
onde os barcos são berços
e os marinheiros meninos a sonhar;
se tu soubesses 
o desamor à vida quando o vento grita temporais 
e a morte vem abraçar os homens na espuma das vagas;
 se tu soubesses 
que em todos os portos do mundo
há um sorriso
para quem chega do mar;
se tu soubesses vinhas comigo pró mar.
Vinhas comigo pró mar
embora as nuvens do céu
e os ventos que vêm do este e do oeste, do sul e do norte
digam ao mundo que vai haver o temporal maior que todos!
Manuel da Fonseca, " Canções da beira-mar" in " Obra Poética", Editorial Caminho



Regresso

E contudo perdendo encontraste.
E nem deuses nem monstros nem tiranos
te puderam deter. A mim os oceanos
E foste . E aproximaste.

Antes de ti o mar era mistério.
Tu mostraste que o mar era só mar.
Maior do que qualquer império
foi a aventura de partir e de chegar.

Mas já no mar quem fomos é estrangeiro
e já em Portugal estrangeiros somos
Se em cada um de nós há ainda um marinheiro
vamos achar em Portugal quem nunca fomos.

De Calicute até Lisboa sobre o sal
e o Tempo. Porque é tempo de voltar
e de voltando achar em Portugal
esse país que se perdeu de mar em mar.
Manuel Alegre, in " O Canto e as Armas", 1967, Publicações Dom Quixote

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