sábado, 1 de março de 2014

Morte em Granada




Surpresa

Morto ficou na rua
com um punhal no peito.
Não o conhecia ninguém.
Como tremia o farol,
mãe!
Como tremia o pequeno farol
da rua!

Era madrugada. Ninguém
pôde assomar-se a seus olhos
abertos ao duro ar.

Que morto ficou na rua,
que com um punhal no peito
e que não o conhecia ninguém.
        Frederico Garcia Lorca


"Obrigado a cavar a sua própria sepultura foi, depois, abatido a tiro. Tornou-se uma das primeiras e mais célebres vítimas da Guerra Civil de Espanha. Morreu no dia 19 de Agosto de 1936, cumprem-se hoje 76 anos.
Federico Garcia Lorca nasceu na pequena localidade de Fuentevaqueros, próxima de Granada. Estudou Direito, Filosofia e Artes na Universidade de Granada e, depois, em Madrid. Aqui, a partir de 1919, conheceu personalidades como o cineasta Luís Buñuel ou o pintor Salvador Dali. Assim criou uma personalidade versátil, voltada para a arte. Foi poeta, dramaturgo, músico e desenhador.
Foi então para os Estados Unidos, onde estudou na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Depois esteve em Cuba.
De regresso a Espanha, organizou um grupo universitário de teatro ambulante, La Barraca. Nunca ocultando os seus ideais socialistas, daí seguiu para a América do Sul, nomeadamente Argentina e Uruguai, já na década de trinta.
Quando rebentou a Guerra Civil, Lorca trocou Madrid por Granada, onde se supunha mais protegido. Enganou-se nos seus cálculos. Como normalmente acontece com os intelectuais de vanguarda, os regimes totalitários e fascistas consideram-nos seus inimigos naturais. Além disso, naquela Espanha fortemente conservadora e católica, a tendência homossexual que lhe era atribuída fazia dele um alvo a corrigir, como exemplo para a moralização dos costumes.A sua poesia sobreviveu e a caneta, como receava o deputado fascista, tornou-se mais perigosa que um revólver. Evoca-se aqui um excerto de um dos seus mais célebres poemas, La Cojida y la Muerte, da elegia Llanto por Ignazio Sánchez Mejías, conhecido como A las Cinco da la tarde. Lorca evoca aqui o estúpido sacrifício do matador de touros com aquele nome, mortalmente colhido a 11 de Agosto de 1934, aos 43 anos. Em homenagem ao matador, o poeta criou um poema que se tornaria símbolo da sua própria morte, igualmente absurda e irracional.
A las cinco de la tarde
Eran las cinco en punto de la tarde.
Un niño trajo la blanca sábana
a las cinco de la tarde.
Una espuerta de cal ya prevenida
a las cinco de la tarde.
Lo demás era muerte y sólo muerte
a las cinco de la tarde.
El viento se llevó los algodones
a las cinco de la tarde.
Y el óxido sembró cristal y níquel
a las cinco de la tarde
Ya luchan la paloma y el leopardo
a las cinco de la tarde.
Y un muslo con un asta desolada
a las cinco de la tarde.
Comenzaron los sones de bordón
a las cinco de la tarde.
Las campanas de arsénico y el humo
a las cinco de la tarde.
En las esquinas grupos de silencio
a las cinco de la tarde.
¡Y el toro solo corazón arriba!
a las cinco de la tarde.
Cuando el sudor de nieve fue llegando
a las cinco de la tarde,
cuando la plaza se cubrió de yodo
a las cinco de la tarde,
la muerte puso huevos en la herida
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
A las cinco en punto de la tarde.
Un ataúd con ruedas es la cama
a las cinco de la tarde.
Huesos y flautas suenan en su oído
a las cinco de la tarde.
El toro ya mugía por su frente
a las cinco de la tarde.
El cuarto se irisaba de agonía
a las cinco de la tarde.
A lo lejos ya viene la gangrena
a las cinco de la tarde.
Trompa de lirio por las verdes ingles
a las cinco de la tarde.
Las heridas quemaban como soles
a las cinco de la tarde,
y el gentío rompía las ventanas
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
¡Ay, qué terribles cinco de la tarde!
¡Eran las cinco en todos los relojes!
¡Eran las cinco en sombra de la tarde!



O videograma seguinte é uma montagem que assenta em sequências do filme Muerte en Granada (1996), do realizador Marcos Zurinaga. A figura de Federico Garcia Lorca é magistralmente interpretada por Andy Garcia, aqui dobrado por Pere Molina na leitura de fragmentos do poema. De salientar a inspirada banda sonora assinada por Mark MacKenzie, registando-se, ainda, a metafórica imagem do dente de ouro, “arrancado” a um esqueleto escondido no armário, como no distante poema nova-iorquino de Lorca…"António Martinó de Azevedo Coutinho


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