quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O histórico encontro de Fidel de Castro com Velasco Ibarra

 A visita de Fidel Castro ao Equador
Por Manoel de Andrade
          "(…) Naqueles dias toda a esquerda equatoriana estava agitada com a chegada de Fidel Castro, em 4 de Novembro de 1971 à Guayaquil, para onde parte da classe estudantil, intelectuais e líderes sindicais se programavam para viajar a fim de ouvi-lo.
          Embora não tenha podido ir a Quayaquil para o histórico encontro de Fidel com o presidente José María Velasco Ibarra, li quase tudo o que a respeito era publicado em Quito. No dia da chegada alguns jornais traziam mensagens do Partido Comunista, de organizações de esquerda e sindicais saudando o visitante e sugerindo que se abrissem os caminhos para reatar as relações diplomáticas entre os dois países. No dia seguinte, um domingo, jornais, rádios e canais de televisão noticiavam a recepção de milhares de equatorianos ao ilustre comandante. A conferência de imprensa, dada por Fidel no aeroporto, marcou o primeiro grande momento de sua visita. Nessa interlocução Fidel chegou a ser aplaudido pelos jornalistas, quando colocou e justificou o processo revolucionário cubano. Respondeu com objectividade e conteúdo, enquadrou as perguntas capciosas feitas por alguns jornalistas, encarou com segurança e tranquilidade as provocações e  afirmou, com todas as letras, que a OEA era uma cloaca. Sobre a leitura que fiz  do longo discurso de Velasco e, do mais longo ainda, de Fidel, guardo ainda comigo um recorte de 5 de Novembro de 1971 do jornal “El Comércio” de Quito onde hoje releio as corajosas colocações de Velasco e onde “vejo” o dedo que tantas vezes Fidel colocou nas feridas abertas da América Latina, questionando como seria o nosso amanhã. Contudo, suas palavras mais comoventes estão na resposta que deu ao presidente equatoriano sobre a delicada questão dos fuzilamentos havidos em Havana logo depois da vitória da Revolução. Daquele longo discurso, como soem ser os pronunciamentos de Fidel, deixo aos leitores interessados, numa nota, apenas essa parte de sua fala, para que tomem conhecimento, como eu tomei, da outra versão dos fatos, bem diferente daquela que nos passaram as fontes capciosas do imperialismo. (4)
          Sobre esses fatos, que ocorreram há quarenta anos, informo que a rápida passagem de Fidel pelo Equador e pelo Peru surgiu no caminho da visita oficial de três semanas que fez ao Chile, num explícito gesto de solidariedade ao governo socialista de Salvador Allende. Quanto a “escala técnica em Lima e Guayaquil”, era um fato inusitado e que claramente incomodava o Pentágono, e a seus submissos aliados no continente.   Neste contexto geopolítico era animador ver a posição dos dois Velascos. Embora o reatamento das relações do Peru com Cuba somente fossem celebradas em Julho de 1972, era previsível e até natural uma visita circunstancial ao Peru. Na verdade, o namoro ideológico entre Lima e Havana já começara  em 1968 quando o general Juan Velasco Alvarado tomou o poder em 1968, nacionalizou as petroleiras norte-americanas La Brea e Pariñas, colocando-se em franca rota de colisão com os Estados Unidos. O que não era previsível, dentro do “quintal” dos Estados Unidos, era uma visita ao Equador. Eis porque foi tão aplaudida a coragem de Velasco Ibarra, ao convidar Fidel Castro, diante da pressão da embaixada norte-americana em Quito, que tentou impedir o encontro, e da oposição de setores militares e da oligarquia equatoriana. Foi também admirável a coragem com que dignificou seu discurso. Por um lado, pela imagem de soberania e  independência em que colocava o país, no contexto de submissão ao imperialismo em que vivia o continente naqueles anos, e, por outro, por expressar oficialmente sua admiração pela Revolução Cubana e condenar publicamente a injustificável exclusão de Cuba pela OEA, posições tão raras entre os estadistas da América Latina, na época e ainda hoje.
          A visita de Fidel teve também seus momentos de humor e de risadas. Lembro-me até hoje de uma passagem anedótica que foi muito comentada nos dias seguintes entre os habitantes e rodas de amigos. Contava-se que depois da seriedade dos discursos,  durante o jantar de confraternização das comitivas, em que o rigor do protocolo foi quebrado,  Fidel, descontraído, perguntou ao anfitrião: Com uma comida tão boa, por que você é tão magro, Dr. Velasco?
          Hoje, quarenta anos depois, é difícil fazer uma reflexão sobre a grande importância que o acontecimento teve na época, já que naqueles anos vivíamos bi-polarizados pelo contexto da “Guerra Fria” numa década em que, na América Latina, os governos seguiam a cartilha do Departamento de Estado norte-americano e a classe estudantil, a intelectualidade de esquerda e algumas lideranças populares estavam identificadas com os movimentos revolucionários que actuavam no continente e com a vigorosa aura ideológica da Revolução Cubana. Digo que é difícil essa reflexão porque nesses dias de 2012, quando se fala em Cuba, qualquer interpretação crítica honesta deve levar em conta a questão dos direitos humanos, mas sem discriminação. Nesse sentido qual país da América Latina ou da Europa está isento de pecado para atirar a primeira pedra no regime cubano? Ante essa visão maquiada sobre Cuba, -- que há décadas nos foi imposta pelo governo que mais violou os direitos humanos na história -- os chocantes relatórios da Amnistia Internacional falam mais alto e mostram, com dados e a memória dos fatos, que Cuba está muito longe de ser o lobo mau dessa história.  Quero deixar claro que sou visceralmente contra qualquer violação dos direitos humanos e, a despeito da minha ideologia, nesse tribunal não absolvo nem romanos, nem cartagineses. Contudo, ante essa reaccionária retórica das violações, é imprescindível sempre relembrar o que significou o ultraje aos direitos humanos aqui na América do Sul, onde somos os campeões do mundo, e onde a justiça de transição tem denunciado o que foram as ditaduras do Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai, a da Bolívia, de Hugo Banzer e a do Peru, de Alan García.
A passagem de Fidel pelo Peru e pelo Equador certamente se cumpria no contexto da nova estratégia cubana para o continente, já que nos anos 70, Fidel Castro abandonou a via armada e passou a considerar a via política  -- que levara o partido socialista ao governo do Chile  -- como uma nova estratégia para combater o imperialismo, presentes nas revoluções nacionalistas de Velasco Alvarado no Peru e de  Omar Torrijos no Panamá.
O encontro histórico com Fidel foi sem dúvida um arriscado gesto de coragem de Velasco, do qual  deduzia-se, por um lado, a aproximação com Cuba para um próximo reatamento diplomático e, por outro, uma demonstração de força política ante os sectores reaccionários das forças armadas. Não foi preciso esperar muito tempo para se recolocar a ordem no “quintal” do imperialismo. Três meses depois de receber o comandante cubano, Velasco Ibarra foi deposto pelos militares. O grande caudilho estava no seu quinto mandato presidencial. Perdeu o poder, mas ganhou na história. Esse foi o preço de sua coragem. " Manoel de Andrade, in  " NOS RASTROS DA UTOPIA, Uma memória crítica da América Latina nos anos 70", Ed. Escrituras

(4) -  (...) El Presidente ha abordado algunos temas que nosotros nos consideramos en el deber de abordar también, y abordarlos con la franqueza que nos ha caracterizado siempre. Se abordó aquí la cuestión relacionada con los fusilamientos. Todo esto tiene una explicación. La historia de nuestros países la escriben en otros países. La historia de la Revolución Cubana ha sido escrita por agencias internacionales al servicio de los monopolios.
     No tenemos ni la más remota intención de negar que en nuestro país los Tribunales Revolucionarios han fusilado. No tenemos la menor intención siquiera de expresar el menor arrepentimiento, ni rehuir el menor átomo de responsabilidad por lo que nuestro pueblo, en defensa de su soberanía y de su vida, se vio en la necesidad de hacer.
     Se contó la historia de los hombres que fueron pasados por las armas. Pero no eran humildes obreros, no eran campesinos sin tierras, no eran limosneros, no eran santos, no eran sacerdotes, no eran hombres honrados. Eran sencillamente asesinos, y asesinos además de la peor especie,. que en determinado momento de lucha, durante siete años de combate contra la tiranía batistiana, cometieron las más incalificables fechorías; asesinatos en ocasiones masivos, de 60 y 70 personas; asesinatos de hombres, de mujeres, de niños, de madres; que quemaron decenas y decenas de miles de casas y, en ocasiones, las quemaron con sus moradores dentro de ellas.
     Y no sólo eso, no sólo fue necesario ajustar cuentas que demandaba el pueblo, porque nosotros dijimos siempre al pueblo: no queremos venganza, no queremos hombres arrastrados por las calles, no queremos desórdenes, porque los culpables de los desórdenes, los culpables de las vindictas populares son los que preconizan el asesinato y el crimen. Y nosotros le decíamos al pueblo: habrá justicia, por eso no queremos venganza. Y le pedimos al pueblo: cuando la Revolución triunfe, no queremos una casa saqueada, no queremos un hombre ajusticiado por la mano popular, sin juicio, sin pruebas. Y desde la guerra, ya se establecieron las leyes revolucionarias en virtud de las cuales serían sancionados los asesinos.
     Pero se fusiló no sólo a los esbirros de aquella guerra. Nuestro país siguió en guerra durante muchos años.
Nuestro país todavía está virtualmente en guerra. Cuando triunfa la Revolución, comenzó entonces otra forma de guerra —experiencias que ha vivido Cuba—: cientos de infiltraciones de armas y de agentes y espías organizados, entrenados y armados por la CIA; cientos de lanzamientos de armas en paracaídas; organización de bandas armadascontrarrevolucionarias en todas las provincias del país; organización, entrenamiento y planeamiento de ataques exteriores desde bases en Centroamérica, Guatemala, Nicaragua; ataque a nuestra patria con aviones disfrazados com las insignias cubanas, B-26 cargados de bombas que llevaban la bandera cubana pintada en sus alas y en su cola.
     Nosotros presenciamos en un momento determinado cómo esos aviones lanzaron el ataque sobre una de nuestras bases aéreas. Y no podremos olvidar jamás las circunstancias de Girón, cuando un batallón avanzaba por una carretera y algunos de aquellos aviones pasaron por encima de las filas de nuestros combatientes, incluso movieron las alas y los saludaron y recibieron el saludo de nuestros soldados, y dieron una vuelta, y en medio de la carretera, sin ningún lugar de protección, los ametrallaron a mansalva y las bombardearon, costando decenas de vidas.
     No podremos olvidar los casos de tiendas incendiadas, de mujeres que se quemaron vivas en esas tiendas; de la explosión del vapor “La Coubre” con armas que venían de Bélgica. Porque nosotros al principio de la Revolución intentábamos comprar algunas armas en los países occidentales, precisamente para que no se tomara de precia, texto ningún tipo de relación con países del campo socialista para justificar las agresiones contra nosotros. ¡ Explotar un barco!
     No se nos podrá olvidar aquella tarde que estando nosotros.en las oficinas del Instituto Nacional de la Reforma Agraria, escuchamos un estremecedor estampido que hizo temblar el edificio, situado a kilómetros de distancia, y vimos la columna de humo que se levantó desde el puerto donde se estaba descargando un barco con miles de toneladas de explosivos, que barrió literalmente a decenas de obreros y soldados de los muelles. No podremos olvidar la segunda explosión que barrió también con los que fueron a prestarles los primeros auxilios.
     No podremos olvidar las decenas de campesinos asesinados por las bandas mercenarias; estudiantes alfabetizadores torturados y asesinados, de maestros que estaban enseñando en los campos. No podremos olvidar la cantidad de crímenes y de fechorías que cometieron.
     Recordábamos recientemente, en una exposición del Ministerio del Interior sobre las distintas tareas realizadas por los hombres de ese ministerio, una exposición, por ejemplo, del armamento con que en una ocasión se preparaba un atentado contra nosotros, una colección de armas automáticas, bazucas, cañones sin retroceso, granadas de mano, uno de los tantos planes de atentados organizados por la CIA. ¿ De dónde habían salido esas armas? De la Base de Guantánamo, suficientes no para matar un  hombre: ¡ para matar un elefante, a una docena de elefantes, a un centenar de elefantes.
      Esas cosas naturalmente no las publican los cables: de una base que está ubicada en un pedazo de nuestra tierra, que por la fuerza se nos la impuso, después de que disminuyeron la independencia de nuestro país, después de que le impusieron una Enmienda Platt con derecho a intervenir.
     Y nuestro país no ha estado luchando contra un enemigo pequeño: ha estado luchando contra un enemigo poderoso, el más poderoso país imperialista del mundo, que con toda su técnica, todo su dinero, todos sus recursos, hizo lo indecible por aplastar nuestra Revolución, y no por nacionalizar el cobre o el petróleo: sencillamente por hacer una reforma agraria y porque aquellas tierras eran de empresas norteamericanas.
      Ese tipo de lucha ha tenido que seguir nuestro país. Y nosotros teníamos que defender a nuestro pueblo, a nuestros obreros, a nuestros estudiantes, a nuestros trabajadores, a nuestra patria, contra aquel tipo de traidores, que desde el exterior, mandados por el exterior, organizados desde el exterior, realizaban todo este tipo de fechorías contra nuestro pueblo.
     Era el más elemental deber ajustar cuentas con tales criminales, y no hacerlo habría sido una cobardía, no hacerlo habría sido una responsabilidad muy grande. Por eso, no eran obreros masacrados, campesinos masacrados, como lo hemos visto tantas veces en los pueblos. Los que contaron tales historias de los fusilamientos, no dicen uma sola palabra de las fechorías que cometen por el mundo, de los cientos, de los cientos de miles de toneladas de bombas lanzadas contra un pequeño pueblo como Vietnam, de la matanza de My Lai. ¿ Qué se sabe de los cientos de miles, millones de mujeres y niños asesinados en la guerra contra un pueblo pequeño, por el país mas industrializado del mundo, que ha lanzado sobre esa pequeña nación dos veces más bombas que las que se lanzaron en la Segunda Guerra Mundial? ¡Ah!, de eso no habla la reacción, de eso no hablan los fascistas, de eso no hablan los aliados del imperialismo. Y pretenden erigir en mártires prácticamente a los canallas que contra nuestro pueblo cometieron tales fechorías.
     Y por eso digo hoy que nuestro deber se cumple y se cumplirá. Nuestro pueblo se ha defendido con valor, con dignidad. Ha pasado peligros muy grandes, muy grandes; no sólo invasiones mercenarias, sino que en determinado momento nuestro país estuvo amenazado por decenas de cohetes nucleares. Y yo pregunto ¿ qué país pequeño como el nuestro se ha visto en situación tan difícil, como la que se vio en la Crisis de Octubre? Y nuestro país, puedo decirlo aquí, no estaba dispuesto a ceder un ápice, no cedió un ápice. Puedo decir más: el 26 de octubre nuestras baterías-antiaéreas abrieron fuego contra los aviones yanquis que en vuelo rasante estaban volando sobre nuestro territorio, en plena Crisis. Y puedo decirles algo más, para que se tenga una idea de la dignidad de nuestro pueblo: que no hubo un solo cubano que vacilara, no hubo un solo cubano que temblara, porque las motivaciones de nuestropueblo han sido muy profundas, la defensa de su causa ha sido algo muy sentida. Y ese pueblo tiene tal sentido de la dignidad y de la justicia que habría estado dispuesto a morir, a desaparecer de la faz de la tierra. Y los pueblos solo llegan a tales determinaciones cuando defienden realmente una causa justa, cuando defienden realmente la patria, cuando tienen motivaciones profundas. Ese pueblo, y con ese pueblo, nosotros, los dirigentes, nos responsabilizamos por las medidas de justicia revolucionaria que se han tomado, y de lo que pudiéramos lamentarnos realmente es de que hayan quedado en el mundo tantos criminales y tantos asesinos sin recibir la sanción ejemplar que se merecían.
      Esa es nuestra posición y seguirá siendo nuestra posición. Pero muy lejos de albergar en el sentimiento de ese pueblo actitudes crueles. Es preciso que se sepa que en nuestro país, enfrentándose a tales organizaciones de la CIA, nunca se ha torturado a un hombre, ¡ nunca! Pero por eso mismo se han desarrollado la inteligencia, la capacidad y la moral de los hombres que combaten al enemigo. Nosotros nos apoyamos en las masas. Tenemos el pueblo unido, las masas organizadas, y en nuestro país no se puede mover ni una hormiga contrarrevolucionaria; y lo que hagan lo sabemos. Y por eso siempre tenemos las pruebas en la mano, los argumentos, las razones. Pero jamás en nuestro país se ha torturado a un hombre. En nuestro país se aplican las leyes acordadas por el Gobierno Revolucionario y mediante el Tribunal Revolucionario, no se asesina a nadie y además no se tortura a nadie, no se pone jamás la mano sobre un hombre. Porque una de las cosas que aprendimos en la lucha revolucionaria a detestar, a repudiar, fueron las torturas, las cobardías. El recuerdo de miles y miles de revolucionarios torturados de las maneras más atroces, creó en nuestro pueblo una conciencia tremenda contra tales actos inhumanos, contra tales actos cobardes. (...)
 5- Como o Brasil, por exemplo, onde o governo sanguinário de Emílio Garrastazu Médici ia deixando, friamente, o rastro indelével da tortura, morte e desaparecimentos de presos políticos, cujas denúncias internacionais abalaram a imagem do país em todo o mundo, o que não impediu que o ditador fosse recebido, em dezembro daquele ano, pelo poderoso chefão do império, Richard Nixon.
Manoel de Andrade, poeta brasileiro,  escreveu as memórias da sua diáspora libertária ao longo de 16 países da América Latina, na década de 70. Nessa época, tempo  de terríveis ditaduras,  Manoel de Andrade  foi obrigado ao exílio. Esta obra memorialista que tem como título " NOS RASTROS DA UTOPIA, Uma memória crítica da América Latina nos anos 70" será apresentada  em Curitiba, Brasil, no próximo dia 19 de Março. A edição tem a chancela da Editora Escrituras de S. Paulo.

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