sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Liberdade

Liberdade está inscrita na Declaração Universal dos  Direitos fundamentais da Humanidade. Muito se tem dito, escrito , reflectido  sobre o conceito de Liberdade. Mas  Liberdade  não  é apenas  um  conceito, um direito,  um  dever , uma  obrigação  de/para. A Liberdade vive-se, respira-se, sente-se , alimenta-se  para  alimentar.  Ser  livre  é   viver  com   significado porque  " jamais o homem poderá ser aquele que lava as mãos sem sujar a água onde as lava."
Neste momento, em Portugal, além da crise  vive-se  um  período de campanha de  eleições autárquicas. Neste  espaço, as  promessas  eleitorais  não  têm   eco,  mas  acodem  muitas leituras feitas com as reflexões sobre o tema que possibilita a vivência democrática: Liberdade. 
Um  poeta   espanhol,  um   filósofo  francês,  um  romancista   checo  e  um  crítico-- ensaísta-filósofo português deram-nos este valioso contributo: 
DOR
Calo-me, espero
até que a minha paixão
e a minha poesia e a minha esperança
sejam como aquela que anda pela rua;
até que possa ver com os olhos fechados
a dor que já vejo com os olhos abertos. 
Antonio Gamoneda, in " Oração Fria", Assírio&Alvim

A PALAVRA
"Enfim, temos de ponderar a palavra antes que seja pronunciada, o fundo de silêncio que não cessa de a cercar  sem  o qual ela não  teria significado, ou mesmo pôr  a descoberto os fios de silêncio em que ela está enredada."
Maurice Merleau-Ponty, in "Sinais", Editora Minotauro, 1962
VELHICE. " O velho sábio observava os jovens barulhentos e compreendeu subitamente que era o único naquela sala a possuir o privilégio da liberdade porque era velho; é apenas quando é velho que o homem pode ignorar a opinião do rebanho, a opinião do público e do futuro. Está só com a sua morte próxima e a morte não tem olhos  nem ouvidos, ele não tem  necessidade de lhe agradar; pode fazer e dizer tudo o que lhe agrada fazer e dizer. " ( La Vie est Ailleurs). Milan Kundera, in  "Sessenta e Sete Palavras,  A Arte do Romance" , Publ. Dom Quixote
HETERODOXIA e LIBERDADE
" Ora, a liberdade não está ligada obrigatoriamente a um conteúdo determinado. Não é livre o homem que pensa isto e não pensa aquilo ou o que faz cadeiras em lugar de fabricar caixas de fósforos. É livre o homem que sustenta com não importa que conteúdo um tipo de relação, o qual  a sua consciência reconhece como não contrário ao exercício da sua vontade. Em sentido absoluto  nenhum homem é livre pois a consciência é permanentemente  consciência de mundo, acção sempre inscrita num horizonte inalienável e jamais o homem poderá ser aquele que lava as mãos sem sujar a água onde as lava. Mas a liberdade nós a definimos relativamente , dentro de um horizonte humanizado, no interior das suas possibilidades. Nesse sentido a liberdade é definida pela auto-transparência, pelo sentimento de uma proximidade entre o nosso ser e o nosso fazer, cuja expressão-limite e a única pura é o próprio amor.  O homem do amor é sempre um homem livre. 
Ora, nada impede um ortodoxo de ser um homem de um tal amor. Ao contrário , tudo o impele a sê-lo e na realidade não será  um autêntico ortodoxo se não for o homem desse amor  a uma verdade. Quem quer  salvar a sua alma perdê-la-á. O amor é sempre esta perda e esta salvação, todo e qualquer amor desde o mais simples amor de homem e mulher ao amor de Deus.
Todos os caminhos são bons e o homem livre neles se o amor conduz a eles e eles ao amor. À heterodoxia de conteúdo expectante e neutro, a esta partida para as estrelas para de lá pesar em balanças invisíveis as verdades humanas, convém substituir uma heterodoxia da humanidade, do simples fervor humano de contribuir com amigos e inimigos para a luta inacabada e talvez inacabável da cidade da paz possível. Dizer não àqueles que já não vêem a salvação senão no recurso à universal violência, insensata e cósmica para salvar um mundo que não merece ser salvo por tal preço e talvez por nenhum preço; dizer sim ao próximo em sua imediata aflição e estender à nossa volta, se a coragem e o fervor não nos faltarem, o espírito da comunidade de destino humano, tal me parece hoje ser o conteúdo de uma liberdade actuante e viva."
Eduardo Lourenço, in " Obras Completas I, Heterodoxias- 1ª Parte",Edição da  Fundação Calouste  Gulbenkian, 2012

Sem comentários:

Enviar um comentário