quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Do Amor: Um corpo

Escrever sobre o amor não corresponde a escrever com amor, mas só amando e tendo amado se encontram as palavras que retratam o amor na sua verdadeira essência.
Muitos escritores deixaram , ao longo do tempo , páginas admiráveis sobre o amor. Quer em poesia , quer  em prosa podemos encontrar magníficos exemplos. 
Em Portugal, há uma galeria de excelentes escritores que nos deslumbrou com a perfeição da cerimónia do amor. Páginas de beleza literária onde o amor é a palavra maior.
Transcrevemos já alguns excertos  de obras de Vergílio Ferreira e muita poesia de  David Mourão-Ferreira e de Eugénio de Andrade. Revisitámo-los e escolhemos apenas prosa construída numa escrita luminosa quase poética que  celebra, de forma sublime, o mistério do amor. Vamos apresentá-los em três dias consecutivos.
Hoje, o espaço é de  Vergílio Ferreira no romance " Em Nome da Terra", um hino grandioso ao amor que vai  para além da morte :
"(...)Um corpo apenas, material, verificável. Mortal. Mas o que sobrepus nele não se trespassa assim. É preciso atravessar o medo o deslumbramento o impossível. É preciso vencer o mistério – um corpo amado é tão misterioso. Meu corpo de ternura. Havemos de conquistá-lo até um dia. Até quando ele for insuportável de doçura. Devagar. Mas há a tua inquietação. A tua pressa ardência, deixa-me ter tempo de te criar. De te trazer toda às minhas mãos. De trazer até mim o teu olhar esquivo, os teus desencontros furtivos. A tua agilidade, o oculto de ti. O teu riso, a tua franja irrequieta. A rapidez de seres, a vitalidade desassossegada, a tua alegria agressiva. A intensidade de existires – devagar. Atravessar tudo até ao teu mito que está todo no teu corpo nu. Fica longe. Tanto. E então amámo-nos e tudo estava aí. Estava lá tudo ao mesmo tempo e eu estalava de agonia. E Deus olhava-nos e dizia está bem. Realizar Deus todo inteiro é difícil. Está bem. Tínhamos as galáxias do universo e havia ainda espaço. E isso era de endoidecer. Tínhamos em nós a sua expansão até ao rebentamento de nós. O desmesurado e incrível. Deus olhava o nosso esforço enorme e sorria por cumprirmos o seu poder. (...) Desaparecermos no não-ser, na perfeição. E olhar por fim o teu corpo morto, reconhecermo-nos na materialidade expulsa do paraíso. " Vergílio Ferreira, in “ Em Nome da Terra”, Quetzal, 10ª edição, 2009

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