segunda-feira, 8 de julho de 2013

A Europa dos euros

Idade Média europeia
"Será que as políticas económicas impostas pela defesa do euro são ainda compatíveis com as práticas democráticas? A televisão pública grega foi criada depois do fim de uma ditadura militar. Sem autorização do Parlamento, o governo que executa em Atenas as imposições da União Europeia fez a escolha de a substituir por um ecrã negro. Antes de a justiça grega ter suspendido esta decisão, a Comissão de Bruxelas podia ter feito lembrar os textos da União segundo os quais «o sistema de audiovisual público nos Estados-membros está directamente ligado às necessidades democráticas, sociais e culturais de todas as sociedades». Mas preferiu caucionar o golpe, argumentando que este encerramento se inscrevia «no contexto dos esforços consideráveis e necessários que as autoridades estão a desenvolver para modernizar a economia grega».
Os europeus passaram pela experiência dos projectos constitucionais rejeitados por sufrágio popular e ainda assim homologados. Recordam-se dos candidatos que, depois de se terem comprometido a renegociar um tratado, o ratificaram sem que entretanto eles tivessem sido alterados numa vírgula sequer. Em Chipre, foram obrigados a sofrer uma levantamento autoritário em todos os seus depósitos bancários [1]. Agora foi ultrapassada mais uma etapa: a Comissão de Bruxelas lava as mãos da destruição dos media gregos que ainda não pertencem a armadores, desde que isso permita despedir imediatamente 2800 assalariados do sector público, que ela detesta desde sempre, e que permita cumprir os objectivos de eliminação de empregos ditados pela Troika [2] a um país em que 60% dos jovens estão no desemprego.
Esta obstinação coincide com a publicação pela imprensa norte-americana de um relatório confidencial do Fundo Monetário Internacional (FMI) que admite que as políticas postas em prática na Grécia desde há três anos se saldam por «fracassos flagrantes». Será este erro unicamente imputável a previsões de crescimento que foram maquilhadas? Sem dúvida que não. Segundo a descodificação feita pelo The Wall Street Journal de um texto que não podia ser mais palavroso, o FMI admite que «uma reestruturação imediata [da dívida grega] teria sido um negócio melhor para os contribuintes europeus, porque os credores do sector privado foram integralmente reembolsados graças a dinheiro que Atenas pediu emprestado. A dívida grega não foi reduzida, portanto, passou apenas a ser agora devida ao FMI e aos contribuintes da zona euro, em vez de o ser aos bancos e aos fundos especulativos» [3].
Assim, estes fundos livraram-se, sem perder um cêntimo, dos empréstimos que haviam feito a Atenas a taxas de juros astronómicas. Imagina-se que uma tal maestria na espoliação dos contribuintes europeus, em benefício dos fundos especulativos, confere uma autoridade particular à Troika para martirizar mais um pouco o povo grego. Mas, depois da televisão pública, não haverá ainda hospitais, escolas ou universidades que podiam ser fechados sem dificuldade? E não apenas na Grécia. Porque é este o preço a pagar para que toda a Europa entre na corrida triunfal para a Idade Média, não é?…” Serge Halimi  em Editorial de “Le Monde Diplomatique”,sexta-feira 5 de Julho de 2013
Notas
[1] Ler «A lição de Nicósia», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Abril de 2013.
[2] Constituída pela Comissão Europeia, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Central Europeu (BCE).
[3] «IMF Concedes it Made Mistakes on Greece», The Wall Street Journal, Nova Iorque, 5 de Junho de 2013.

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