terça-feira, 28 de maio de 2013

Prémio Camões 2013 para Mia Couto

O escritor moçambicano, Mia Couto, é o 25º vencedor do prémio Camões.

"Prémio Camões foi atribuído a Mia Couto, disse à Lusa a Secretaria de Estado da Cultura.Mia Couto é o vencedor da 25.ª edição do prémio, que distingue um autor da literatura portuguesa. Nascido em 1955, na Beira, no seio de uma família de emigrantes portugueses, Mia Couto começou por estudar Medicina na Universidade de Lourenço Marques (actual Maputo). Integrou, na sua juventude, o movimento pela independência de Moçambique do colonialismo português. A seguir à independência, na sequência do 25 de Abril de 1974, interrompe os estudos e vira-se para o jornalismo, trabalhando em publicações como A Tribuna, Tempo e Notícias, e também a Agência de Informação de Moçambique (AIM), de que foi director.Em meados da década de 1980, regressa à Universidade para se formar em Biologia. Nessa altura, tinha já publicado, em 1983, o seu primeiro livro de poesia, Raiz de Orvalho."O livro surgiu em 1983, numa altura em que a revolução de Moçambique estava em plena pujança e todos nós tínhamos, de uma forma ou de outra, aderido à causa da independência. E a escrita era muito dominada por essa urgência política de mudar o mundo, de criar um homem e uma sociedade nova, tornou-se uma escrita muito panfletária”, comentou Mia Couto em entrevista ao PÚBLICO (20/11/1999), aquando da reedição daquele título pela Caminho.Em 1986 edita o seu primeiro livro de crónicas, Vozes Anoitecidas, que lhe valeu o prémio da Associação de Escritores Moçambicanos. Mas é com o romance, e nomeadamente com o seu título de estreia neste género, Terra Sonâmbula (1992), que Mia Couto manifesta os primeiros sinais de “desobediência” ao padrão da língua portuguesa, criando fórmulas vocabulares inspiradas da língua oral que irão marcar a sua escrita e impôr o seu estilo muito próprio.
“Só quando quis contar histórias é que se me colocou este desafio de deixar entrar a vida e a maneira como o português era remoldado em Moçambique para lhes dar maior força poética. A oralidade não é aquela coisa que se resolve mandando por aí umas brigadas a recolher histórias tradicionais, é muito mais que isso”, disse, na citada entrevista. E acrescentou: “Temos sempre a ideia de que a língua é a grande dama, tem que se falar e escrever bem. A criação poética nasce do erro, da desobediência.”
Foi nesse registo que se sucederam romances, sempre na Caminho, como A Varanda do Frangipani (1996), Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra (2002 – que o realizador José Carlos Oliveira haveria de adaptar ao grande ecrã), ou O Outro Pé da Sereia (2006). A propósito dos seus últimos livros, A Confissão da Leoa (2012), mas particularmente Jesusalém (2009), o escritor confessou algum cansaço por a sua obra ser muitas vezes confundida com a de um jogo de linguagem, por causa da quantidade de palavras e expressões “novas” que neles aparecem.
Paralelamente aos romances, Mia Couto continuou a escrever e a editar crónicas e poesia – “Eu sou da poesia”, justificou, numa referência às suas origens literárias.
Na sua carreira, foi também acumulando distinções, como os Prémios Vergílio Ferreira (1999, pelo conjunto da obra), Mário António/Fundação Gulbenkian (2001), União Latina de Literaturas Românicas (2007) ou Eduardo Lourenço (2012).
O anúncio do vencedor foi feito ontem, no Rio de Janeiro, onde o júri se reuniu.
O júri integrou os escritores José Eduardo Agualusa e João Paulo Borges Coelho, o jornalista José Carlos Vasconcelos, a catedrática Clara Crabbé Rocha, o crítico Alcir Pécora e o embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras Alberto da Costa e Silva.
A reunião decorreu no Palácio Gustavo Capanema, sede do Centro Internacional do Livro, Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Prémio criado em 1988
O Prémio Camões foi criado em 1988 por Portugal e pelo Brasil para distinguir um autor de língua portuguesa que, "pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum".
Em 2012 foi atribuído ao escritor brasileiro Dalton Trevisan e no ano anterior ao escritor português Manuel António Pina.
Ferreira Gullar (2010), Arménio Vieira (2009), António Lobo Antunes (2007), Sophia de Mello Breyner Andresen (1999), Pepetela (1997), José Saramago (1995) e Jorge Amado (1994) também já foram distinguidos com o Prémio Camões que, na primeira edição, reconheceu a obra de Miguel Torga.
Em 2006, o escritor angolano José Luandino Vieira recusou o prémio." Lusa/ Expresso/ Público

Fundo do mar

Quero ver
o fundo do mar
esse lugar
de onde se desprendem as ondas
e se arrancam
os olhos aos corais
e onde a morte beija
o lívido rosto dos afogados

Quero ver
esse lugar
onde se não vê
para que
sem disfarce
a minha luz se revele
e nesse mundo
descubra a que mundo pertenço
Mia Couto, in “Raiz de Orvalho" (1983),Ed. Caminho

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