sexta-feira, 31 de maio de 2013

Eu te prometo

Eu te prometo meu corpo vivo
Eu te prometo minha centelha
minha candura meu paraíso
minha loucura meu mel de abelha
eu te prometo meu corpo vivo

Eu te prometo meu corpo branco
meu corpo brando meu corpo louco
minha inventiva meu grito rouco
tudo o que é muito tudo o que é pouco
meu corpo casto meu corpo santo

Eu te prometo meu corpo lasso
mar de aventura mar de sargaço
vaga de náufrago onda de espanto
orla de espuma do meu cansaço
eu te prometo meu doce pranto

Eu te prometo todo o meu corpo
ardendo eterno na nossa cama
como um abraço como um conforto

P´ra que me lembres além da chama
eu te prometo meu corpo morto
Rosa Lobato de Faria in "A NOITE INTEIRA JÁ NÃO CHEGA ,  Poesia 1983-2010", Babel Ed., 2012

"A Noite Inteira Já Não Chega. Poesia 1983-2010” reúne não só poemas avulsos, como também diversos outros poemas de Rosa Lobato de Faria, já publicados na colecção “Poesia e Verdade” – onde se incluem os livros “Os Deuses de Pedra”, “As Pequenas Palavras”, “Memória do Corpo”, “A Gaveta de Baixo” e “O Sétimo Sentido”.
Com a chancela da Babel, a edição desta antologia poética faz parte de um conjunto de iniciativas para assinalar os 80 anos do nascimento de Rosa Lobato de Faria, uma “escritora improvável”, como a define Marcelo Rebelo de Sousa.
Actriz, poetisa, romancista, contista, dramaturga, guionista e letrista de canções (incluindo quatro canções que representaram Portugal no Festival da Canção), Rosa Maria de Bettencourt Rodrigues Lobato de Faria nasceu a 20 de Abril de 1932, em Lisboa, e morreu a 02 de Fevereiro de 2010. 
No ano do seu falecimento, e a título póstumo, foi agraciada com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. Deixa uma vastíssima obra publicada e ainda alguns inéditos, incluindo de teatro, que poderão também vir a ser, brevemente, editados, avançou ao Hardmusica, Bi Rebelo de Sousa, uma das quatro filhas da escritora.”HardMusic

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O mundo em 2030



O relatório da CIA
O mundo em 2030
(inédito)
"De quatro em quatro anos, no início de cada novo mandato presidencial nos Estados Unidos, o National Intelligence Council (NIC), organismo de análise e de antecipação geopolítica e económica da Central Intelligence Agency (CIA), publica um relatório que automaticamente se torna uma referência fundamental para as embaixadas de todo o mundo. Apesar de conter, como é óbvio, uma visão muito parcial (a de Washington) produzida por uma agência (a CIA) cuja principal missão é defender os interesses dos Estados Unidos, o relatório estratégico do NIC tem um indiscutível interesse, que resulta da partilha – revista por todas as agências de informações norte-americanas – de estudos elaborados por especialistas independentes de várias universidades, em diferentes países e regiões (Europa, China, Índia, África, América Latina, mundo muçulmano-árabe, etc.).
O documento confidencial que o presidente Barack Obama encontrou no seu escritório da Casa Branca a 21 de Fevereiro último, quando iniciou o seu segundo mandato, acaba de ser publicado com o título Global Trends 2030. Alternative Worlds (Tendências globais para 2030. Mundos alternativos) [1]. Que diz este documento?
A sua principal constatação é o declínio do Ocidente. Pela primeira vez desde o século XVI, os países ocidentais perdem poder perante a ascensão das novas potências emergentes. Começa a fase final de um ciclo de cinco séculos de dominação ocidental do mundo. Os Estados Unidos continuarão a ser uma das principais potências planetárias, mas perderão a sua hegemonia económica em benefício da China e deixarão de exercer a «hegemonia militar solitária» que os caracteriza desde o fim da Guerra Fria (em 1989). Caminhamos para um mundo multipolar em que novos actores (China, Índia, Brasil, Rússia, África do Sul) estão vocacionados para constituir sólidos pólos regionais e para disputar a supremacia internacional a Washington e aos seus aliados históricos (Reino Unido, França, Alemanha, Japão). Para se ter uma ideia da importância e da rapidez da desclassificação ocidental que se anuncia, basta sublinhar estes números: a parte que cabe aos países ocidentais na economia mundial passará dos actuais 56% para 25% em 2030… Em menos de vinte anos, o Ocidente vai perder mais de metade da sua preponderância económica. Uma das principais consequências disto é que os Estados Unidos e os seus aliados provavelmente deixarão de ter meios financeiros para assumir o papel de polícias do mundo. De modo que esta mudança estrutural, agravada pela profunda crise económica actual, pode ter sucesso naquilo em que a União Soviética e a Al-Qaeda falharam, isto é, no enfraquecimento duradouro do Ocidente.
Segundo este relatório da CIA, a crise na Europa vai durar pelo menos uma década, ou seja, até 2023… Também segundo este estudo, não é certo que a União Europeia consiga manter a sua coesão. Enquanto isso, a emergência da China confirma-a como segunda economia mundial, que em breve se tornará a primeira. Simultaneamente, os outros países do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul) instalam-se numa segunda linha e entram em concorrência directa com os antigos impérios dominantes do grupo JAFRU (Japão, Alemanha, França e Reino Unido). Na terceira linha aparecem agora várias potências intermédias com demografias em alta e fortes taxas de crescimento económico, chamadas a tornarem-se, também elas, pólos hegemónicos regionais e com tendência para se constituírem como grupo de influência mundial – o CINETV (Colômbia, Indonésia, Nigéria, Etiópia, Turquia, Vietname).
Até 2030, no novo sistema internacional, algumas das maiores colectividades mundiais já não serão, contudo, países mas comunidades reunidas e ligadas entre si pela Internet e pelas redes sociais. Por exemplo, a «Facebooklândia» terá mais de mil milhões de utilizadores e a «Twitterlândia» mais de 800 milhões. A sua influência no jogo dos tronos da política mundial pode vir a ser decisiva. As estruturas de poder vão disseminar-se devido ao acesso universal à Internet e à utilização de novas ferramentas digitais.
A este respeito, o relatório da CIA anuncia o aparecimento de tensões entre os cidadãos e certos governos, tensões essas que vários sociólogos classificam como «pós-políticas» ou «pós-democráticas». Por um lado, a generalização do acesso à Internet e a universalização do uso das novas tecnologias vão permitir que os cidadãos alarguem o campo das suas liberdades e que desafiem os seus representantes políticos (como aconteceu nas «Primaveras árabes» ou na crise dos «indignados»). Mas, ao mesmo tempo, segundo os autores do relatório, estas mesmas ferramentas digitais vão dar aos governos «uma capacidade sem precedentes de vigiar os seus cidadãos» [2].
«A tecnologia», acrescentam os analistas de Global Trends 2030, «vai continuar a ser o grande critério de diferenciação dos Estados, mas os futuros imperadores da Internet, semelhantes aos do Google ou do Facebook, vão possuir verdadeiras montanhas de dados e vão manipular em tempo real muito mais informações do que os Estados». É por isso que a CIA recomenda à administração dos Estados Unidos que se prepare para enfrentar as grandes empresas privadas que controlam a Internet, activando o Special Collection Service [3], um serviço de informações ultra-secreto que depende conjuntamente da NSA (National Security Service) e do SCE (Service Cryptologic Elements) das Forças Armadas, e que é especializado na captação clandestina de informações de origem electromagnética. Se um grupo de empresas privadas viesse a controlar a massa de dados que circula na Internet, poderia vir a condicionar o comportamento de uma grande parte da população mundial, ou mesmo das entidades governamentais. A CIA receia também que o terrorismo jihadista seja substituído por um ciberterrorismo ainda mais atroz.
O relatório leva este novo tipo de ameaça ainda mais a sério porque, em última análise, o declínio dos Estados Unidos não foi provocado por uma agressão externa, mas antes por uma causa interna: a crise económica surgida em 2008, na sequência da falência do banco Lehman Brothers. Os autores consideram que a geopolítica contemporânea deve ter em conta novos fenómenos, que não têm forçosamente carácter militar. Porque, mesmo que as ameaças militares não tenham desaparecido – como se vê pelos confrontos armados na Síria, pelas ameaças relativas ao Irão ou pela recente gesticulação nuclear da Coreia do Norte –, os principais perigos que hoje ameaçam as sociedades são de tipo não-militar: alterações climáticas, conflitos económicos, crime organizado, guerras electrónicas, novas pandemias, esgotamento dos recursos naturais…
Relativamente a este último aspecto, o relatório assinala que um dos recursos que está a esgotar-se mais rapidamente é a água doce. Em 2030, 60% da população mundial passará por problemas de abastecimento de água, o que poderá dar origem a «conflitos hídricos»… Em contrapartida, no que se refere aos hidrocarbonetos a CIA mostra-se muito mais optimista do que os ecologistas. Graças às novas técnicas (muito poluentes) de fracturação hidráulica, a exploração do petróleo e do gás de xisto deverá atingir níveis excepcionais. Os Estados Unidos serão já auto-suficientes em gás e sê-lo-ão em petróleo em 2030, o que faz baixar os seus custos de produção manufactureira e encoraja a relocalização das suas indústrias. No entanto, se os Estados Unidos, principais importadores mundiais de hidrocarbonetos, deixarem de importar petróleo, os preços do barril vão colapsar. Quais seriam nessa altura as consequências para os actuais países exportadores?
No mundo de amanhã, 60% das pessoas viverá em cidades, algo que acontece pela primeira vez na história da humanidade. Por outro lado, como consequência da redução acelerada da pobreza, as classes médias tornar-se-ão dominantes e triplicará o número de pessoas que as compõem, passando de mil milhões para 3 mil milhões. É uma revolução colossal. Entre outras consequências, isso vai provocar uma mudança geral dos hábitos culinários, em particular um aumento do consumo de carne à escala planetária. Por sua vez, essa mudança agravará a crise ambiental, porque será necessário aumentar consideravelmente a criação de gado (bovino, ovino, porcino) e de aves. Isso implicará uma explosão do consumo de água (para produzir as forragens), de energia e do uso de fertilizantes, com efeitos negativos em termos de efeito de estufa e de aquecimento global.
O relatório prevê igualmente que, em 2030, o planeta terá 8,4 mil milhões de habitantes, mas que o aumento demográfico cessará em toda a parte menos em África. Haverá, portanto, um envelhecimento geral da população mundial. Em contrapartida, a relação entre o ser humano e as «tecnologias proféticas» vai acelerar a entrada em funcionamento de novas gerações de robôs e o aparecimento de «super-homens» capazes de proezas físicas e intelectuais inéditas.
O futuro raramente é previsível. Mas isso não implica que se deixe de o imaginar em termos de prospectiva, nem que não nos preparemos para agir em função de diversas circunstâncias possíveis, das quais só uma se concretizará. Mesmo que, como já o dissemos, a CIA possua o seu próprio ponto de vista subjectivo sobre o rumo do mundo, e que este ponto de vista seja condicionado pelo imperativo da defesa dos interesses dos Estados Unidos, este relatório constitui uma ferramenta de trabalho extremamente útil. A sua leitura ajuda-nos a tomar consciência das rápidas evoluções em curso e a reflectir sobre a possibilidade que cada um de nós tem de intervir e agir para inflectir o rumo das coisas. A fim de contribuir para construir um futuro mais justo.”Ignacio Ramonet , Le Monde Diplomatique (versão portuguesa) , publicado a 22 de Maio de 2013
Notas
[1] www.dni.gov/index.php/nation.... Publicado em francês com o título Le Monde en 2030 vu par la CIA, Éditions des Equateurs, Paris, 2013.
[2] Neste mesmo espírito de alerta, ler Julian Assange (com Jacob Appelbaum, Aandy Mûller-Maghun e Jérémie Zimmermann), Menace sur nos libertés. Comment Internet nous espionne; comment résister (Robert Laffont, Paris, 2013). Ler também Christophe Ventura, «Julian Assange et la surveillance de masse», Mémoire des luttes, 1 de Fevereiro de 2013, www.medelu.org/Julian-Assang....

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Festa Literária Internacional de Paraty

A Flip 2013 já tem data e autor homenageado
"Novamente com curadoria do jornalista Miguel Conde, a 11ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty será realizada entre os dias 3 e 7 de Julho de 2013 e celebrará a obra de Graciliano Ramos.
No próximo dia 27 de Outubro se completam 120 anos do nascimento do autor, natural de Quebrângulo, Alagoas. Escritor, jornalista e político, Graciliano Ramos teve uma vida em que a literatura e a política se entrelaçaram e, não raro, as convicções e actividades políticas inspiraram suas obras de forte conteúdo social.
Memórias do Cárcere revela sua amarga experiência no período em que esteve preso durante a ditadura de Getúlio Vargas, em 1935, acusado de subversão. Vidas Secas, um de seus mais celebrados trabalhos, retrata, por meio de um relato indignado, as agruras dos retirantes nordestinos castigados e humilhados pela seca.
Os escritores homenageados nas edições anteriores da Flip foram Vinicius de Moraes (2003), Guimarães Rosa (2004), Clarice Lispector (2005), Jorge Amado (2006), Nelson Rodrigues (2007), Machado de Assis (2008), Manuel Bandeira (2009), Gilberto Freyre (2010), Oswald de Andrade (2011) e Carlos Drummond de Andrade (2012).

Flip- Festa Literária Internacional de Paraty: a feira
A Flip, Festa Literária Internacional de Paraty, acontece em diversos cenários desta cidade histórica. O evento é famoso por trazer autores internacionais para interagir com personalidades do mundo da cultura, para mesas redondas e conferências, colocando o Brasil no circuito dos festivais internacionais de literatura. A FLIP conta também com uma ampla programação cultural, com shows, leituras dramáticas, debates, oficinas, filmes, entre outros, por toda a cidade, além de uma programação especial para o público infantil (Flipinha) e jovens leitores (FlipZona).
Flip
Com a presença de autores mundialmente respeitados, como Julian Barnes, Don DeLillo, Eric Hobsbawm e Hanif Kureishi, a primeira Festa Literária Internacional de Paraty, realizada em 2003, inseriu o Brasil no circuito dos festivais internacionais de literatura. Ao longo de suas edições seguintes, a Flip ficou conhecida como um dos principais festivais literários do mundo. Nos cinco dias de festa, a Flip realiza cerca de 200 eventos, que incluem debates, shows, exposições, oficinas, exibições de filmes e apresentações de escolas, entre outros, distribuídos em Flip . Programação Principal, Flip - Casa da Cultura, FlipZona e Flipinha.

Flip - Programação Principal

Composta de uma conferência de abertura e 20 mesas que reúnem para uma conversa informal (escritores, cineastas, quadrinistas, historiadores, jornalistas e artistas plásticos, entre outros), a programação principal da Flip é realizada na Tenda dos Autores, que possui um auditório com 850 lugares. Todos os eventos contam com tradução simultânea e são transmitidos na Tenda do Telão, com capacidade para 1.400 pessoas, e ao vivo, pela internet.
Flip - Casa da Cultura
Programação paralela e complementar à principal, a Flip - Casa da Cultura ocorre na Casa da Cultura de Paraty e em outros locais da cidade. Definida pela curadoria da Flip, esta programação promove pré-estreias e exibições de filmes, leituras de peças teatrais, exposições e debates.

A casa que hospeda a Flip
A Flip é realizada pela Associação Casa Azul.Reconhecida desde 2004 como Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), a Associação Casa Azul foi criada a partir de ações iniciadas em 1994 visando à implantação do projeto de Revitalização Urbana dos Espaços Públicos de Borda d'Água. Para tanto, o objetivo foi sempre o de aproximar as instituições públicas e privadas e todo o conhecimento de seu corpo técnico dos anseios da população local. Entre as metas da Casa Azul destacam-se a revitalização urbana sustentável, o aprimoramento da qualidade de vida dos cidadãos, a promoção do turismo sensível aos valores da cultura local e a conservação do patrimônio arquitetônico e dos ecossistemas naturais." in Site Flip
Saiba mais AQUI 

“O arquitecto português Eduardo Souto de Moura é um dos convidados da 11ª Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), que acontecerá no Brasil de 3 a 7 de Julho.O vencedor do Prémio Pritzker em 2011 partilhará o palco com o célebre crítico de arquitectura da revista New Yorker, Paul Goldberger. E falarão sobre As Medidas da História.
A literatura portuguesa também estará em destaque na sessão Lendo Pessoa à Beira-Mar que juntará a cantora Maria Bethânia e a académica brasileira Cleonice Berardinelli, professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da PUC-Rio, 96 anos, que há mais de cinco décadas se dedica ao estudo do poeta português Fernando Pessoa. Este promete ser um dos encontros mais concorridos da festa que terá mais de 40 convidados, entre brasileiros e estrangeiros.”Público

Intersecção de cultura, história e natureza

“Poucos lugares conjugam tão bem a história, a natureza e uma vida cultural efervescente como Paraty, no Rio de Janeiro. Mas se isso já é rotina na cidade, a coisa melhora muito na época da FLIP, Festa Literária Internacional de Paraty, que acontece sempre na primeira semana de Julho.São duas grandes tendas, a dos autores e a do telão, com preços proporcionais (a dos Autores, mais disputada, é onde acontecem as palestras e sempre a que esgota primeiro. Quem não consegue ingressos, vai para o telão, com tradução simultânea.A organização das mesas discussão é um factor interessante. Porque na Tenda dos Autores, onde ficam os grandes autores, nomes nacionais e internacionais, as palestras acontecem uma após a outra. Ou seja, não há necessidade de ter que escolher entre um ou outro tema, ter de optar por um ou outro debate. Assim, é possível ter toda a cidade vibrando num clima único, em que todo o público de Paraty assiste, junto, a um debate entre autores e mediadores, e em seguida, percorrendo as vielas e restaurantes de Paraty, todos comentando suas opiniões, percepções… Abre-se o jornal e vemos as matérias sobre a mesa que assistimos no dia anterior, escutamos comentários sobre os livros na mesa ao lado. Têm-se a impressão que a troca de ideias fervilha pela cidade toda.
A literatura toma conta da cidade: fora das tendas, saraus, debates, mesas de autógrafos, lançamentos de livros e outras oficinas acontecem em vários pontos da cidade. A Fllipinha, evento paralelo dirigido Às crianças, conta com peças teatrais, um espaço liberado para leitura e as famosas árvores de livro. Programa imperdível para apaixonados por literatura.”Turismo do Brasil 

terça-feira, 28 de maio de 2013

Prémio Camões 2013 para Mia Couto

O escritor moçambicano, Mia Couto, é o 25º vencedor do prémio Camões.

"Prémio Camões foi atribuído a Mia Couto, disse à Lusa a Secretaria de Estado da Cultura.Mia Couto é o vencedor da 25.ª edição do prémio, que distingue um autor da literatura portuguesa. Nascido em 1955, na Beira, no seio de uma família de emigrantes portugueses, Mia Couto começou por estudar Medicina na Universidade de Lourenço Marques (actual Maputo). Integrou, na sua juventude, o movimento pela independência de Moçambique do colonialismo português. A seguir à independência, na sequência do 25 de Abril de 1974, interrompe os estudos e vira-se para o jornalismo, trabalhando em publicações como A Tribuna, Tempo e Notícias, e também a Agência de Informação de Moçambique (AIM), de que foi director.Em meados da década de 1980, regressa à Universidade para se formar em Biologia. Nessa altura, tinha já publicado, em 1983, o seu primeiro livro de poesia, Raiz de Orvalho."O livro surgiu em 1983, numa altura em que a revolução de Moçambique estava em plena pujança e todos nós tínhamos, de uma forma ou de outra, aderido à causa da independência. E a escrita era muito dominada por essa urgência política de mudar o mundo, de criar um homem e uma sociedade nova, tornou-se uma escrita muito panfletária”, comentou Mia Couto em entrevista ao PÚBLICO (20/11/1999), aquando da reedição daquele título pela Caminho.Em 1986 edita o seu primeiro livro de crónicas, Vozes Anoitecidas, que lhe valeu o prémio da Associação de Escritores Moçambicanos. Mas é com o romance, e nomeadamente com o seu título de estreia neste género, Terra Sonâmbula (1992), que Mia Couto manifesta os primeiros sinais de “desobediência” ao padrão da língua portuguesa, criando fórmulas vocabulares inspiradas da língua oral que irão marcar a sua escrita e impôr o seu estilo muito próprio.
“Só quando quis contar histórias é que se me colocou este desafio de deixar entrar a vida e a maneira como o português era remoldado em Moçambique para lhes dar maior força poética. A oralidade não é aquela coisa que se resolve mandando por aí umas brigadas a recolher histórias tradicionais, é muito mais que isso”, disse, na citada entrevista. E acrescentou: “Temos sempre a ideia de que a língua é a grande dama, tem que se falar e escrever bem. A criação poética nasce do erro, da desobediência.”
Foi nesse registo que se sucederam romances, sempre na Caminho, como A Varanda do Frangipani (1996), Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra (2002 – que o realizador José Carlos Oliveira haveria de adaptar ao grande ecrã), ou O Outro Pé da Sereia (2006). A propósito dos seus últimos livros, A Confissão da Leoa (2012), mas particularmente Jesusalém (2009), o escritor confessou algum cansaço por a sua obra ser muitas vezes confundida com a de um jogo de linguagem, por causa da quantidade de palavras e expressões “novas” que neles aparecem.
Paralelamente aos romances, Mia Couto continuou a escrever e a editar crónicas e poesia – “Eu sou da poesia”, justificou, numa referência às suas origens literárias.
Na sua carreira, foi também acumulando distinções, como os Prémios Vergílio Ferreira (1999, pelo conjunto da obra), Mário António/Fundação Gulbenkian (2001), União Latina de Literaturas Românicas (2007) ou Eduardo Lourenço (2012).
O anúncio do vencedor foi feito ontem, no Rio de Janeiro, onde o júri se reuniu.
O júri integrou os escritores José Eduardo Agualusa e João Paulo Borges Coelho, o jornalista José Carlos Vasconcelos, a catedrática Clara Crabbé Rocha, o crítico Alcir Pécora e o embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras Alberto da Costa e Silva.
A reunião decorreu no Palácio Gustavo Capanema, sede do Centro Internacional do Livro, Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Prémio criado em 1988
O Prémio Camões foi criado em 1988 por Portugal e pelo Brasil para distinguir um autor de língua portuguesa que, "pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum".
Em 2012 foi atribuído ao escritor brasileiro Dalton Trevisan e no ano anterior ao escritor português Manuel António Pina.
Ferreira Gullar (2010), Arménio Vieira (2009), António Lobo Antunes (2007), Sophia de Mello Breyner Andresen (1999), Pepetela (1997), José Saramago (1995) e Jorge Amado (1994) também já foram distinguidos com o Prémio Camões que, na primeira edição, reconheceu a obra de Miguel Torga.
Em 2006, o escritor angolano José Luandino Vieira recusou o prémio." Lusa/ Expresso/ Público

Fundo do mar

Quero ver
o fundo do mar
esse lugar
de onde se desprendem as ondas
e se arrancam
os olhos aos corais
e onde a morte beija
o lívido rosto dos afogados

Quero ver
esse lugar
onde se não vê
para que
sem disfarce
a minha luz se revele
e nesse mundo
descubra a que mundo pertenço
Mia Couto, in “Raiz de Orvalho" (1983),Ed. Caminho

Eventos Culturais


No âmbito das comemorações do Dia Internacional dos Museus 2013, de 23 de Maio a 14 de Junho, na sala dos Passos Perdidos do Palácio de São Bento, a Assembleia da República, em parceria com a Associação Portuguesa de Museologia (APOM), apresenta uma mostra dos museus premiados pela APOM em 2012 na categoria de “Melhor Museu Português” - Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, Casa-Museu Manuel de Arriaga (Horta, Açores) e Museu da Baleia (Caniçal, Madeira). O Museu da Assembleia da República participa nesta exposição com algumas peças do seu acervo. Para visitas contactar o Museu da A.R.
Shakespeare, a música e a herança do maestro
Música na Gulbenkian
Saiba aqui:
Shakespeare, a música e a herança do maestro

Sagração da Primavera

2013 celebra o centenário da criação de A Sagração da primavera por Nijinsky/Stravinsky. Após a sua primeira criação desta obra, Olga Roriz confessa:
– “Algo ficou por fazer, tanto ficou por ser dito. Pretendo encontrar um outro estar, uma acumulação do mesmo mas sempre em renovação, jamais entendido.
Ignorar os tabus, reescrever a história, acrescentar as referências e criar o momento.
Paixão, memórias e saber, manter-se-ão intactos, serão respeitados mas sem voz, sem espaço, sem presente. Corpo a corpo num confronto nunca pacífico.”
Olga Roriz após 38 anos de carreira como intérprete e 9 solos criados, lança-se a um duplo desafio.
A revisitação de uma obra maior como é A Sagração da primavera e a insistência da sua longevidade como bailarina e intérprete. Poucos são no Mundo os criadores que se propõem a coreografar esta obra, muito menos ainda os que aos 57 anos de idade a dançam.Olga Roriz é a única intérprete/criadora no nosso País e das poucas na Europa que continua a transmitir pelo seu próprio corpo o seu legado coreográfico e artístico, persiste em construir, desenvolver e partilhar com o público a sua presença gestual e interpretativa impar.
Estreia Absoluta  a 29, 30 e 31 de Maio de 2013 no Teatro Municipal de Almada

7 de Junho | Teatro da Cerca de São Bernardo/Coimbra
15 de Junho | Teatro Viriato/Viseu 
21 e 22 de Junho | Culturgest/Lisboa
Direcção e Interpretação | OLGA RORIZ

Música | IGOR STRAVINSKY (Orquestra Filarmónica de Los Angels dirigida por Esa-Pekka Salonen)
Cenário, apoio dramatúrgico e aos ensaios | PAULO REIS
Figurino | OLGA RORIZ E PAULO REIS
Desenho de Luz | CRISTINA PIEDADE
Director Técnico | MANUEL ALÃO
Edição vídeo | JOÃO RAPOSO
Desenho de som e operação | SÉRGIO MILHANO
Assistente de cenografia e figurinos | MARIA RIBEIRO
Gestão e Direcção de Produção | FERNANDO PERA
Secretariado e Produção | TERESA BRITO
Apoio à Produção | RAQUEL LAMAS, MARIA JOSÉ LOPEZ
Agradecimentos | Prof. DIDIER CHAZEAU

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Da Escrita e da Leitura


Apenas uma força doce 
"Não se é escritor por se ter preferido dizer certas coisas, mas por se ter preferido dizê-las duma certa maneira. E o estilo faz, evidentemente, o valor da prosa. Mas deve passar despercebido. Uma vez que as palavras são transparentes e que o olhar as atravessa, seria absurdo meter entre elas vidros despolidos. Aqui, a beleza é apenas uma força doce e insensível.
Num quadro, brilha antes de mais nada; num livro, esconde-se, age por persuasão como o encanto duma voz ou dum rosto, não obriga, faz curvar sem que se dê por isso e pensa-se ceder aos argumentos quando afinal se é solicitado por um encanto imperceptível. A cerimónia da missa não é a fé, ela dispõe a isso; a harmonia das palavras, a sua beleza, o equilíbrio das frases, dispõem as paixões do leitor sem que ele dê por isso, ordenam-nas como a missa, como a música, como uma dança; se acaba por as considerar em si mesmas, perde o sentido, apenas restam oscilações aborrecidas."Jean-Paul Sartre, in ‘Situações II’, Europa-América


"Na vida, chega um momento – e penso que ele é fatal – ao qual não é possível escapar, em que tudo é posto em causa: o casamento, os amigos, sobretudo os amigos do casal. Tudo menos a criança. A criança nunca é posta em dúvida. E essa dúvida cresce à sua volta. Essa dúvida, está só, é a da solidão. Nasce dela, da solidão. Podemos já nomear a palavra. Creio que há muita gente que não poderia suportar o que aqui digo, que fugiria. Talvez seja por essa razão que nem todos os homens são escritores. Sim. Essa é a diferença. Essa é a verdade. Mais nada. A dúvida é escrever. É, portanto, também, o escritor. E com o escritor todo o mundo escreve. É algo que sempre se soube.
Creio também que sem esta dúvida primeira do gesto em direcção à escrita não existe solidão. Nunca ninguém escreveu a duas vozes. Foi possível cantar a duas vozes, ou fazer música também, e jogar ténis, mas escrever, não. Nunca."
Marguerite Duras, in “Escrever”, Difel Ed.

"Todos os bons livros assemelham-se no facto de serem mais verdadeiros do que se tivessem acontecido realmente, e que, terminada a leitura de um deles, sentimos que tudo aquilo nos aconteceu mesmo, que agora nos pertençam o bem e o mal, o êxtase, o remorso e a mágoa, as pessoas e os lugares e o tempo que fez. Se conseguires dar essa sensação às pessoas, então és um bom escritor.”Ernest Hemingway, in "Escrito de um Velho Jornalista (Esquire, 1934)"

"Ao lermos um autor, não temos a capacidade de adquirir as suas eventuais qualidades, como o poder de convencimento, a riqueza de imagens, o dom da comparação, a ousadia, ou o amargor, ou a concisão, ou a graça, ou a leveza da expressão, ou o espírito arguto, contrastes surpreendentes, laconismo, ingenuidade e outras semelhantes. No entanto, podemos evocar em nós mesmos tais qualidades, tornarmo-nos conscientes da sua existência, caso já tenhamos alguma predisposição para elas, ou seja, caso as tenhamos potentia; podemos ver o que é possível fazer com elas, podemos sentir-nos confirmados na nossa tendência, ou melhor, encorajados a empregar tais qualidades; com base em exemplos, podemos julgar o efeito da sua aplicação e assim aprender o seu uso correcto; somente então as possuímos também actu.
Esta é, portanto, a única maneira na qual a leitura nos torna aptos para escrever, na medida em que nos ensina o uso que podemos fazer dos nossos próprios dons naturais; portanto, pressupondo sempre a existência destes. Por outro lado, sem esses dons, não aprendemos nada com a leitura, excepto a maneira fria e morta, e tornamo-nos imitadores banais." Arthur Schopenhauer, in ‘Da Leitura e dos Livros’

domingo, 26 de maio de 2013

Ao Domingo Há Música

" Quem me quiser  há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar
Quem me quiser  há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar"
Rosa Lobato Faria, in " A Noite Inteira Já Não Chega" , Ed. Guimarães- Babel, 2012


A música acompanha-nos , toma-nos, aquece-nos , enleva-nos. Qualquer que seja a sua forma , se a melodia nos aprisiona, tem a capacidade de  transformar  os dias, as horas ou os momentos  num festival de indizível deleite. 
Dos longevos tempos do Barroco musical, época em que o sentido da tonalidade e da harmonia se afirma, apresenta-se uma grande composição de um dos seus grandes expoentes  para que se possa  completar este Domingo de Maio. " De torrente in via bibet de Dixit Dominus" de Georg Friedrich Händel, (Halle an der Saale, 23 de Fevereiro de 1685 — Londres, 14 de Abril de 1759), um outro registo extraído  do Concerto d'Astrée, no Teatro dos Champs Elysées, realizado em Paris no dia 19 de Dezembro de 2011,  com as vozes de Natalie Dessay e Karine Deshayes sob a direcção de Emmanelle Haim. 

sábado, 25 de maio de 2013

83º aniversário de Eugénio Lisboa

 Eugénio Lisboa completa hoje  83 anos. Na Abertura de "Acta Est Fabula ( 1930-1947)", primeiro volume publicado  dos cinco volumes de Memórias projectados,  escreve:  "Não há razão nenhuma para que , no dia 25 de Maio de 1930,  “ eu “ tenha nascido num canto improvável da África Austral."
Quem o conhece sabe  que   são muitas as razões que se agregaram para que, nesse dia ,Lourenço Marques o recebesse.  Eugénio Lisboa estava predestinado ao universo dos homens que marcam o seu tempo, quer como homem empenhado num mundo melhor e mais justo, quer como escritor de uma profícua e variada obra literária. 
Ler o primeiro volume deste  registo memorialista é um exercício fascinante porque se acompanha o crescimento de  uma mente brilhante  que se descobre , que  activa o conhecimento através de uma curiosidade constante  e de um fascínio pelo saber e pela leitura. Eugénio Lisboa  transporta-nos para o seu  canto improvável da África Austral  e permite que verifiquemos  por que razões é um dos mais ilustres intelectuais de sempre, um nome que faz parte da plêiade  dos homens maiores das Letras.  
Neste 25 de Maio de 2013, transcrevemos as páginas que constam da Abertura de "Acta Est Fabula " , acreditando que, brevemente,  teremos um novo volume que nos fará sentir ainda mais privilegiados por conhecer o seu autor,  Eugénio Lisboa.
Ao ensaísta, ao crítico literário, ao poeta, ao escritor, ao diplomata, ao professor , ao amigo, os PARABÉNS.
ABERTURA
UM MUNDO PARA MIM
“ Chegado ao ocaso da vida, vem-me o desejo irresistível de voltar atrás, recordando os momentos que mais me tocaram e, também , as oportunidades que perdi: as atenções, mas também as desatenções, as devoções, mas também os desapegos, as exaltações, mas também os fastios. O meu passado é só meu e só eu sou capaz de o sondar em toda a sua profundidade. Dizia Sartre que o passado é um luxo de proprietário. Do meu, sinto-me extremamente proprietário e não sei se proprietário de mais alguma coisa.Vou, neste livro, falar da minha infância e da minha juventude e só, se ainda me restar tempo e vigor, da minha vida adulta, da minha maturidade e da minha velhice. Temo, com a idade que tenho, ter esquecido muita coisa. Mas sei que não esqueci os momentos de maior intensidade, que não são, necessariamente, os de maior felicidade. Diz um personagem de O Barbeiro de Sevilha, de Beaumarchais, que  “ A juventude é infeliz porque tem que enfrentar esta escolha terrível: o amor sem paz ou a paz sem amor. “ Quantas vezes, para  se salvar a paz de espírito, se consente em assassinar um amor que ensaia nascer! E quantas vezes outras, por amor do amor, se sacrifica uma paz portadora, talvez, de fecundos frutos! Vamos assim fazendo um percurso em que abundam as decisões que nos deixam para sempre inseguros sobre o valor que pudessem ter.
Lourenço Marques
Não há razão nenhuma para que , no dia 25 de Maio de 1930,  “ eu “ tenha nascido num canto improvável da África Austral. O privilégio, o luxo ou o acaso  miraculoso  ( para mim ) de estar vivo é algo que me ficará, para sempre, incompreensível. “ Tout ce qui n’est pas moi est incompréhensible.” Porquê eu ?  Sim, porquê, precisamente , eu? E não outro? Mas quem sou eu? Que sou eu? Que luxo é este de ser “ eu” , quando não chegaram – nem chegarão – nunca a ser “eles”? Mas faz sequer  sentido falar dos  que não chegaram nem chegarão  a ser ? Dizer “ os que não vão nascer” não é um contra-senso? “ todo o luxo tem que ser pago e tudo é luxo, a começar  por estarmos neste mundo”, observava Pavese, deslumbrado de espanto. O seu suicídio talvez prove, entre outras coisas, que tentou, à sua  maneira, pagar a factura.  Ou , então, cansou-se, simplesmente, de não compreender.
Como todos os que vieram a este mundo, eu vim e logo adquiri uma espécie de profunda convicção: a de que o mundo começava  comigo. Muitas vezes, depois, tentei “ intuir ” o que era “ estar morto” ou “ ainda não ter nascido”, isto é, “ não ser “ – e procurava encontrar respostas mais ou menos deste género: “ era o que se passava , digamos, no tempo de D. Afonso Henriques – nessa altura, muita coisa acontecia e tu não estavas lá!” Mas isto são apenas congeminações da razão, que o nosso ser profundo não compreende , não sente ou não intui. No fundo, o que vemos é isto: o mundo começou quando nós começámos e terminará quando nós terminarmos. A nossa aventura – resultado do nosso nascimento arbitrário e incompreensível – vive-se com emoções contraditórias, com deslumbramentos e decepções,  com alegrias e angústias, com descobertas  que nos enriquecem e outras que nos dissecam, mas sempre acompanhadas pelo enorme assombro de estarmos vivos.
Sobem, do passado, até mim, aparecendo-me, prodigiosamente, momentos que não esqueço. Tantos momentos, que aqui não refiro, porque hão-de aparecer, espero eu, no decurso deste livro  que me proponho escrever, com alguma leviandade: ainda terei tempo? Talvez, afinal, o gozo que me dará escrevê-lo ajude a prolongar a minha vida o suficiente para tornar viável o atrevido projecto.
A nossa vida, mesmo rica, mesmo variada, é uma corrida que dura pouco. Olho para trás e as minhas descidas por terrenos baldios, desde a casa na Mendonça Barreto até à baixa do Scala e das livrarias, aconteceram ainda ontem… Mas como dizia Disraeli, a vida é demasiado curta para poder ser pequena. Recordando momentos, encontros, descobertas, deslumbramentos e até tragédias , não consigo pensar que a minha vida tenha sido pequena.  Estar vivo não é insignificante.  Nenhum milagre é coisa de somenos. Vou, pois, tentar arquivar aqui, com palavras incompetentes, milagres que ultrapassaram a minha capacidade de os exprimir. A Lourenço Marques da minha infância e adolescência, com a praia ali ao lado e o mato muito perto, foi um desses milagres. Foi lá que nasci e foi lá que o mundo começou: o sol descomunal, a chuva grande, as trovoadas de estarrecer, o mar , a noite, o amor, a leitura, o futuro a haver – começaram lá. Vou falar-vos de Lourenço Marques, isto é, vou falar-vos da vida. Falando dela, irei viver algum tempo mais. Só ela, a capital da memória, é capaz de me dar este modesto suplemento de vida. “ Eugénio Lisboa, in "Acta Est Fabula, Memórias I,Lourenço Marques ( 1930-1947)", Editora Opera Omnia, 2012

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Georges Moustaki

"Era um dos vultos maiores da canção popular francesa. Tinha 79 anos. Milord ou Le Métèque, símbolo do Maio de 68, tinham a sua assinatura. Edith Piaf, Serge Reggiani ou Juliette Gréco devem-lhe alguns dos seus maiores êxitos.
O cantor e compositor francês, de origem grega, Georges Moustaki, morreu hoje, em Nice, França, aos 79 anos, completados a 3 de Maio. Nascido no Egipto, em Alexandria, de pais judeus gregos, ficou conhecido por canções como Le métèque, uma balada romântica sobre um estrangeiro sonhador com ecos autobiográficos, que haveria de se transformar num dos símbolos da revolução do Maio de 68.
É que ele havia crescido num ambiente multicultural, envolvido por quatro idiomas (italiano, francês, árabe e grego), tendo-se apaixonado desde cedo pela literatura e pela canção popular francesa, em particular por Edith Piaf, com quem manteve uma relação afectiva e para quem viria a escrever o clássico Milord (1958).
Abandonou os espectáculos ao vivo há quatro anos por causa de uma doença pulmonar que o impedia de cantar na plenitude. O seu mestre era Georges Brassens, tendo por isso utilizado o nome Georges como pseudónimo artístico, ele que se chamava Giuseppe Mustacchi. Chegou a Paris em 1951, tendo nos anos 1960 composto canções para todos os grandes cantores franceses da época como Henri Salvador, Yves Montand, Juliette Gréco, Serge Reggiani ou Barbara.
Já esta manhã, a cantora Juliette Grégo, rendeu-lhe homenagem, descrevendo-o como alguém requintado, refinado e elegante. "Possuia uma doçura infinita e imenso talento", disse à RTL. "Era como todos os poetas, alguém diferente, porque acaba por ser sempre essa diferença que conduz ao talento."
Com um repertório de cerca de 300 canções, cantadas por ele, ou por intérpretes como Reggiani (Sarah, Ma liberté, Ma solitude ou Votre fille a vingt ans de 1969) e Barbara (La dame brune de 1968), muitas delas viriam a transformar-se em clássicos quase instantâneos da canção popular francesa.
A simplicidade era uma das características dos seus muitos discos. Possuia uma voz suave e quente, e muitas vezes cantava apenas acompanhado pela sua guitarra, criando um clima de intimidade que era transposto para os seus concertos. Inicialmente tinha alguma relutância em afirmar-se como cantor, preferindo o papel de compositor, mas impulsionado por Reggiani ou Barbara viria também a assumir esse papel no decorrer do sucesso de Le Métèque, que viria a originar um álbum com o mesmo nome.
Nos anos seguintes viria a lançar mais uma série de álbuns, incluindo o disco ao vivo Bobino de 1970, que consolidaria o seu nome como alguém que emanava uma sensação de liberdade e de harmonia, qualquer coisa que a música transportava, mas também a sua imagem mediterrânica bronzeada, com um pouco de romance à mistura - qualquer coisa que o próprio parecia cultivar, como ficaria demonstrado no sucesso En Mediterranée (1971).
Nos anos 1970 deixa-se fascinar pela música brasileira ou pelo tango argentino - colaborou com Astor Piazzolla - passando grande parte dos anos 1980 em viagens e digressões pelo mundo, regressando aos álbuns de originais na década de 1990, com Mediterranéen (1992) ou Tout Reste à Dire (1996).
A sua relação com Portugal é antiga. Para homenagear a revolução de 1974 adaptou uma canção de Chico Buarque que se viria a tornar emblemática no pós - 25 de Abril, intitulada Portugal (fado tropical). A última vez que actuou em Portugal foi em 2008, um ano antes de se retirar e no seguimento do lançamento do disco Vagabond, na Casa da Música, no Porto, e no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Considerado umas das vozes do Maio de 1968, Moustaki afirmou nessa altura à agência Lusa que dessa revolução “resta uma certa arte de viver, um certo código ético que, mesmo que não seja unânime, impregnou-se na nossa cultura”.
Poliglota, gostava de pintar também e, ao longo dos anos, foi sendo também poeta, escritor, actor ou jornalista. Vivia há cerca de quarenta anos em Paris.” Público,23/05/2013

Ma liberté

Ma liberté
Longtemps je t'ai gardée
Comme une perle rare
Ma liberté
C'est toi qui m'a aidé
A larguer les amarres
Pour aller n'importe où
Pour aller jusqu'au bout
Des chemins de fortune
Pour cueillir en rêvant
Une rose des vents
Sur un rayon de lune

Ma liberté
Devant tes volontés
Mon âme était soumise
Ma liberté
Je t'avais tout donné
Ma dernière chemise
Et combien j'ai souffert
Pour pouvoir satisfaire
Tes moindres exigences
J'ai changé de pays
J'ai perdu mes amis
Pour gagner ta confiance

Ma liberté
Tu as su désarmer
Toutes Mes habitudes
Ma liberté
Toi qui m'a fait aimer
Même la solitude
Toi qui m'as fait sourire
Quand je voyais finir
Une belle aventure
Toi qui m'as protégé
Quand j'allais me cacher
Pour soigner mes blessures

Ma liberté
Pourtant je t'ai quittée
Une nuit de décembre
J'ai déserté
Les chemins écartés
Que nous suivions ensemble
Lorsque sans me méfier
Les pieds et poings liés
Je me suis laissé faire
Et je t'ai trahi pour
Une prison d'amour
Et sa belle geôlière

Et je t'ai trahi pour
Une prison d'amour
Et sa belle geôlière
 GEORGES MOUSTAKI


Le Métèque

Avec ma gueule de métèque
De juif errant, de pâtre grec
De voleur et de vagabond

Avec ma peau qui s'est frottée
Au soleil de tous les étés
Et tout ce qui portait jupon

Avec mon coeur qui a su faire
Souffrir autant qu'il a souffert
Sans pour cela faire d'histoires

Avec mon âme qui n'a plus
La moindre chance de salut
Pour éviter le purgatoire

Avec ma gueule de métèque
De juif errant, de pâtre grec
Et mes cheveux aux quatre vents.
Je viendrai ma douce captive
Mon âme sur, ma source vive
Je viendrai boire tes vingt ans

Et je serai prince de sang
Rêveur ou bien adolescent
Comme il te plaira de choisir

Et nous ferons de chaque jour
Toute une éternité d'amour
Que nous vivrons à en mourir

Et nous ferons de chaque jour
Toute une éternité d'amour
Que nous vivrons à en mourir
Georges Moustaki

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Maio, mês das rosas

A Rosa 

A rosa,
a imarcescível rosa que não canto,
a que é peso e fragrância,
a do negro jardim na alta noite,
a de qualquer jardim e qualquer tarde,
a rosa que ressurge da mais ténue
cinza pela arte da alquimia,
a rosa de Ariosto ou a dos Persas,
a que está sempre só,
aquela que é sempre a rosa das rosas,
a jovem flor platónica,
a ardente e cega rosa que não canto,
a rosa inatingível.

Jorge Luis Borges, in “Obra Poética Volume 1”, QuetzaL Ed.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Música deste tempo

As vozes que se entregam à Música


" Deixa-me ir" primeiro single do Álbum "Casulo " da cantora e compositora Márcia, um novo talento de Portugal.

Deixa-me ir

Deixa-me ir embora do teu centro
Onde eu souber existir

Deixa-me ir onde onde eu não sei andar a sós
Poder viver da minha voz

Se incendeia é bem melhor
Que ter ideia do que é amar relatado negro

No meu passeio eu vi gente a andar a pé
Os que vão primeiro ser o que ainda não é
Não sei pintar amor
Só sei de cor que és tu

Deixa-me ir embora do teu centro
Onde eu puder existir ser mais do que eu sinto

Deixa-me ir se eu não sei andar a sós
Vou querer dizer na minha voz

Se incendeia é bem melhor
Que ter ideia do que é amar relatado negro

No meu passeio eu vi gente a andar a pé
Porque vão primeiro ser no que ainda não é
Não sei pintar amor
Só sei de cor que és tu.

Márcia

Passenger  em  Let Her Go" , um single  para escutar  e repetir extraído do terceiro Álbum " All the little Lights" do já famoso cantor e compositor Mike Rosenberg, natural de Brighton and Hove, Inglaterra.

Let Her Go

Well you only need the light when it's burning low
Only miss the sun when it starts to snow
Only know you love her when you let her go

Only know you've been high when you're feeling low
Only hate the road when you're missin' home
Only know you love her when you let her go
And you let her go

Staring at the bottom of your glass
Hoping one day you'll make a dream last
But dreams come slow and they go so fast

You see her when you close your eyes
Maybe one day you'll understand why
Everything you touch surely dies

But you only need the light when it's burning low
Only miss the sun when it starts to snow
Only know you love her when you let her go

Only know you've been high when you're feeling low
Only hate the road when you're missin' home
Only know you love her when you let her go

Staring at the ceiling in the dark
Same old empty feeling in your heart
'Cause love comes slow and it goes so fast

Well you see her when you fall asleep
But never to touch and never to keep
'Cause you loved her too much
And you dived too deep

Well you only need the light when it's burning low
Only miss the sun when it starts to snow
Only know you love her when you let her go

Only know you've been high when you're feeling low
Only hate the road when you're missin' home
Only know you love her when you let her go

And you let her go
And you let her go
Well you let her go

'Cause you only need the light when it's burning low
Only miss the sun when it starts to snow
Only know you love her when you let her go

Only know you've been high when you're feeling low
Only hate the road when you're missin' home
Only know you love her when you let her go

'Cause you only need the light when it's burning low
Only miss the sun when it starts to snow
Only know you love her when you let her go

Only know you've been high when you're feeling low
Only hate the road when you're missin' home
Only know you love her when you let her go

And you let her go
Música/ Letra : Mike Rosenberg


"Tanto" é o primeiro single do Álbum  "Movimento", segundo disco da talentosa cantora e compositora angolana Aline Frazão.

Tanto

É tanta luz aqui que até parece claridade
É tanto amigo aqui que até parece que é verdade
É tanta coisa aqui que até parece não há custo
É tanta regra aqui que até parece um é jogo
É tanto tempo aqui que até parece não há pressa
É tanta pressa aqui que até parece não há tempo
É tanto excesso aqui que até parece não há falta
É tanto muro aqui que até parece que é seguro

Tanto tanto
Na embriaguez de um canto
É tanto tanto faz
Que ninguém sabe quem fez
Mundo gira mundo
Mundo vagabundo
Não olhe se não vês

É tanto pausa aqui que até parece não há esquema
É tanta história aqui que até parece um problema
É tanta festa aqui que até parece sexta feira
É tanta dança aqui que até parece a das cadeiras
É tanto flash aqui que até parece que ilumina
É tanta frase aqui que até parece que resolve
É tanto ecrã aqui que até parece um grande evento
É tanta força aqui que até parece um movimento

É tanta coisa aqui que até parece não há custo
É tanta regra aqui que até parece um é jogo
É tanto excesso aqui que até parece não há falta
É tanto dano aqui que até parece ninguém nota

Tanto tanto
Na embriaguez de um canto
É tanto tanto faz
Que ninguém sabe quem fez
Mundo gira mundo
Mundo vagabundo
Não olhe se não vês

Aline Frazão