quarta-feira, 13 de março de 2013

Escrever um poema


Cinco Palavras Cinco Pedras

Antigamente escrevia poemas compridos
Hoje tenho quatro palavras para fazer um poema
São elas: desalento prostração desolação desânimo
E ainda me esquecia de uma: desistência
Ocorreu-me antes do fecho do poema
e em parte resume o que penso da vida
passado o dia oito de cada mês
Destas cinco palavras me rodeio
e delas vem a música precisa
para continuar. Recapitulo:
desistência desalento prostração desolação desânimo
antigamente quando os deuses eram grandes
eu sempre dispunha de muitos versos
Hoje só tenho cinco palavras cinco pedrinhas
Ruy Belo , in “ Homem de Palavra(s)”, Editorial Presença

Apetecia-me escrever um belo verso

Sonoro, elegante, correcto, de mármore!
Nele pôr o que outros me inspirassem.
O que ali aquele poeta estava cantando.
Ele o cantava e eu o repetia.
Acrescentava, desdobrava, acrescia da minha ansiedade.
Mas verso bem feito!
Cheio do que se sonha, não do que se sente.
Parece-me pobre o que sinto.
E vulgar.
Estes olhos que sem querer se envidraçam, fúteis, sem recato, infantis, esta voz
                                     [insegura, enfim, tudo isto…
Que figura iriam fazer dentro de um verso elegante, lapidar?
Belo verso trair-te-iam, roubar-te-iam toda a graça e até a ressonância, o êxtase
                                     [e aquela espécie de embalo que ao espírito sempre dás.
Mas sinceramente me apetecia escrever um verso de mármore belo!
Tudo, tudo por causa daquele poema
Irene Lisboa (com o pseudónimo de João Falco), in “ Outono havias de vir latente e triste”, Lisboa, Seara Nova, 1937


EMERGÊNCIA
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

Mário Quintana, in “ Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século”, Antologia de Poesia organizada por Ítalo Moriconi,  Ed. Objetiva

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