quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A voz exacta


Sítio Exacto
Sei que não acaba
o teu prazer,
nem o meu.

Alguém
ama connosco
e nos leva
ao sítio exacto
das estações.

Nem o sono
depois nos pertence,
quinhão de outros
herdado após amarem.
António Osório, “O Lugar do Amor'”, in “A Luz Fraterna”, Ed. Assírio &Alvim

Na luz a prumo
Se as mãos pudessem (as tuas,
as minhas) rasgar o nevoeiro,
entrar na luz a prumo.
Se a voz viesse. Não uma qualquer:
a tua, e na manhã voasse.
E de júbilo cantasse.
Com as tuas mãos, e as minhas,
pudesse entrar no azul, qualquer
azul: o do mar,
o do céu, o da rasteirinha canção
de água corrente. E com elas subisse.
(A ave, as mãos, a voz.)
E fossem chama. Quase.
Eugénio de Andrade,in “ Os sulcos da sede”, Quasi Edições

... E UMA CANÇÃO DESESPERADA      
...não totalmente,
mas no inveterado fingimento
que o adjectivo tem.
E de inverno em inverno,
à reticência azul do teu sorriso
todos os dias             
desço
Queria da vida:
um pêlo de gigante
que te fizesse enorme e te falasse
junto a voz
falada
Os meus dedos tocando
o teu sorriso,
que, de inverno em inverno,
é nave espacial
emergindo do gelo
para o sol
E eu ficar por ali: tão encostada
ao verso,
carregada de luz
e de outras coisas:
trabalhos a fazer, ritmos lentos
Sem grandes construções,
sem grandes falas,
mas de um pêlo solene de dragão,
e dentro da palavra que é imposta
por esta noite morna,
que me ajuda a compor-te,
que me ajuda de facto
a desesperar:
uma canção de amor.
Descer o teu sorriso e aterrar
em planeta diferente,
onde outras flores com outro nome
nascem,
e as estações são vinte, ou mais
- sensivelmente.
Ana Luísa Amaral, in “Imagias”, Lisboa, Gótica, 2002

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