segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O lugar das Humanidades



Elogio da humanidade das Humanidades
por ANSELMO BORGES
"Nestes tempos de crise profunda e de exaltação da sociedade científico--técnica e do economicismo, muitos perguntam-se pelo lugar das Humanidades na sociedade contemporânea.
A breve reflexão que aí fica inspira-se numa excelente conferência do colega João Maria André para os jovens estudantes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em início de ano lectivo. O seu objectivo era demonstrar que "vale a pena investir numa formação humanística para fazer face ao mundo em mudança e às transformações macroparadigmáticas" da nossa actual sociedade.
1 João M. André começou por apresentar traços fundamentais do tempo presente.
O primeiro é a globalização, com diversos rostos, de tal modo que tanto pode ser "a globalização da rapina, hegemónica, de matriz neoliberal", como uma globalização da solidariedade, que se exprime nas lutas pelo reconhecimento dos direitos de todos e no esforço de invenção de novas formas ecoéticas de habitar o mundo. As Humanidades, nas suas várias vertentes, contribuem com o seu olhar crítico dos problemas ao mesmo tempo que inscrevem outros valores para lá dos económicos e tecnológicos.
Outro traço é o de uma sociedade do conhecimento e da informação. Não é acidental que se chame assim e não sociedade da cultura. Ora, as Humanidades, pela Filosofia, pela História, pela mediação linguística e artística, "activam o pensamento que é algo diferente do cálculo e da navegação" nos novos meios de comunicação.
Vivemos numa sociedade multicultural, e também aqui as Humanidades têm um papel decisivo: no seu estudo, "entramos em contacto com povos e culturas diferentes, aprendemos as suas línguas, a sua história, a sua geografia, os seus mitos, os seus valores, as suas formas de comunicar, de viver e de fazer mundos."
2 Esta sociedade é uma sociedade em mudança, com o fim de velhos paradigmas, ao mesmo tempo que emergem outros novos, para os quais o contributo das Humanidades é inquestionável.
Vimos do paradigma da análise e da fragmentação, com o primado do pontual, da especialização, do analítico, perdendo a noção da totalidade e da complexidade e separando o sujeito e o objecto, e o indivíduo da comunidade e da sociedade. Hoje, exige-se "um paradigma holístico dentro de uma concepção de verdade multiperspectivada e complexa e a partir de uma abordagem não só interdisciplinar mas mesmo transversal do mundo, da natureza e do humano". Neste trânsito de um paradigma redutor para um paradigma holístico e reunificador, as Humanidades podem mostrar todas as suas virtualidades.
Um segundo paradigma dá o primado à tecnociência nos diferentes domínios, incluindo o humano, reduzindo o homem a faber e o mundo a um mundo-máquina, habitado por uma sociedade-máquina. Mas, dentro do reconhecimento dos benefícios científico-técnicos deste paradigma, não é verdade que ele também nos empobreceu, já que, por detrás deste mecanicismo, está um dualismo entre a dimensão corporal e espiritual do homem, prolongado numa cisão entre a racionalidade e a afectividade, desvalorizando o domínio das emoções? Não se acabou por esquecer que o homem é simultaneamente sapiens e demens e que, além do interesse do saber, também há o interesse no jogo, no sonho, na imaginação criadora, na efabulação?
O actual paradigma é da mercantilização das coisas e da vida, no quadro do primado do homo oeconomicus. Pergunta-se: mas será que tudo se reduz ao valor monetário e de mercado? E os valores éticos e os valores estéticos e os valores políticos e os valores afectivos e os valores religiosos?
Vinculado ao paradigma da mercantilização está o paradigma da liquefacção: vivemos na sociedade líquida, como teorizou Z. Bauman, desembocando numa existência efémera, na cultura ligt, descartável, do consumismo, na insatisfação permanente. As Humanidades, apelando à memória e aprofundando no pensamento crítico, salvaguardarão um mínimo de solidez, captando o peso do tempo na esperança da dignidade livre e da liberdade na dignidade de todos."
Anselmo Borges, em Artigo  publicado no DN de 1/12/2012

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