segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A solidão dos idosos


O Lugar

"Quando voltou ao salão de convívio  teve pela primeira vez consciência  plena da segregação   etária que as novas gerações estavam a impor. O convívio e a coabitação intergeracionais estavam, efectivamente, em processo de regressão, senão mesmo em declarada extinção.
O quadro com que deparou nessa manhã, naquele salão, impôs-lhe abruptamente a dolorosa  assunção dessa realidade chocante que nunca se dispusera sequer a formalizar.
O Lugar era  a morada de uma só geração: a geração dos velhos.
Apesar do conforto discreto que a decoração emprestava ao salão, sentia-se no ar o silêncio frio e mudo da tristeza que enferma a solidão.
Estariam aí cerca de quinze pessoas. Algumas estavam confortavelmente sentadas em cadeirões reclináveis junto a uma grande televisão que estava ligada com o som no mínimo, quase inaudível. Outras, que teriam problemas locomotores,  estavam acomodadas em cadeiras de rodas perto das grandes portas envidraçadas que davam para o terraço. Entre elas, distribuíam-se mesas intercaladas com jornais e revistas. No canto direito, oposto ao da televisão, havia duas mesas de jogo: uma com um tabuleiro de xadrez  e  a outra com baralhos de cartas. Ambas estavam vazias.
Dois grandes sofás de cabedal castanho completavam o “decors “ do salão , onde dormitavam ostensivamente  duas senhoras com os cabelos brancos muito alisados. Pelas semelhanças do porte    pareciam irmãs gémeas, já que era impossível ver os rostos que estavam pendidos sobre o peito .
No terraço, existiam algumas cadeiras de madeira forradas com grossas almofadas amarelas  e foi lá que conheceu o único casal do Lugar: os Lacerda.
Estavam sentados em frente de uma pequena mesa, onde havia sido colocado um tabuleiro com duas chávenas de chá. Falavam um com o outro olhando para o jardim. Assim que deram pela sua presença, o Dr. Lacerda levantou-se e convidou-a a sentar-se numa cadeira vaga da mesa.
- Tenha a bondade de nos fazer companhia  neste dia em que se estreia nesta casa. Esta é a minha mulher, Sofia Lacerda e eu sou Carlos Lacerda. Somos hóspedes antigos do Lugar.
Uns grandes olhos pretos sorriam para ela num rosto sulcado pelas marcas do tempo ( forma eufémica e costumeira de designar as rugas), mas que irradiava simpatia. A mulher continuava sentada, indicando-lhe com gentileza a cadeira. Tinha também um rosto agradável .
Sentou-se. Uma empregada surgiu repentinamente,  trazendo outra chávena de chá , desaparecendo quase tão misteriosamente como tinha aparecido.
(...)- Já sabemos que chegou ontem à noite e que está no quarto 12. Nós estamos no quarto 10, logo no mesmo corredor. Somos o único casal deste Lugar. Havia outro, os Pereira Gonçalves,  mas infelizmente já  cá não  estão.
- O meu marido é um grande conversador. Prepare-se que ele vai saturá-la com tanta verbosidade, não lhe dando oportunidade de responder. O que vale é que neste sítio ninguém quer falar quanto mais conversar. - ia avisando Sofia Lacerda.
(...) - Já estão avisando que vai ser servido o almoço . Ver-nos-emos mais tarde. Bom apetite. - rematou  a mulher, Sofia.
Carlos levantou-se e gentilmente puxou a cadeira onde estava sentada. Em seguida, dando a mão à mulher foi carinhosamente amparando-a até que  ela acabasse de se erguer e dando-lhe o braço  dirigiram-se para a sala de refeições.
Quando entrou, viu-os sentados no fundo da sala em frente de  uma mesa rectangular que se distinguia das outras não só pelo formato, mas também pelo tamanho. Era, ostensivamente,  bastante maior que todas as restantes mesas. Estavam sozinhos, embora houvesse lugares para mais pessoas.
Algumas mesas já estavam completas , mas o silêncio continuava imperando apesar da esplendorosa  luminosidade natural que invadia  aquela sala magnifica, realçando a beleza sóbria das paredes e o minucioso trabalho em relevo que preenchia o tecto.
Sentou-se na mesa que lhe fora atribuída e foi analisando o que a rodeava. Verificou que as mesas tinham lugares para  quatro pessoas e que as empregadas, com fardas cor-de-rosa e touca da mesma cor, iam trazendo os hóspedes com deficiência locomotora, empurrando as respectivas cadeiras de rodas ou auxiliando aqueles  que se moviam com alguma dificuldade, muitos deles apoiados em bengalas. A maioria apresentava um olhar vago e perdido como se o corpo fosse apenas a matéria visível  de uma ausência voluntária. "                               
 Maria José Vieira de Sousa, in " O Lugar, memórias de um romance", Junho de 2008

2012 ANO EUROPEU DO ENVELHECIMENTO ACTIVO E DA SOLIDARIEDADE ENTRE GERAÇÕES
"O Ano de 2012 foi  designado "Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre as Gerações” e pretende promover a vitalidade e a dignidade de todos. Segundo a Decisão N.º 940/2011/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de Setembro de 2011, o objectivo global do Ano Europeu é facilitar a criação de uma cultura de envelhecimento activo na Europa, baseada numa sociedade para todas as idades".
Vários eventos sob a forma de Congressos , Conferências, Palestras, Colóquios , Encontros e outras Actividades têm acontecido ao longo do ano. Entretanto, a  exclusão social da grande maioria dos idosos continua, o internamento compulsivo de tantos e tantos  em Lares onde acabam por morrer pouco tempo após a entrada aumenta, o abandono nos corredores de hospitais, nas ruas de cidades inóspitas , nas casas em ruínas permanece. Num país que não protege os seus idosos de nada serve  comemorar , se  não for implantada uma política que promova efectivamente a dignidade de todos  e provoque a mudança  numa sociedade que se recusa a projectar-se no seu próprio devir.

O Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações é assinalado nos dias 19 e 20 de Novembro na Fundação Gulbenkian com uma conferência internacional que reúne alguns dos principais especialistas mundiais para debater as práticas e políticas inovadoras no campo do envelhecimento e os principais desafios que enfrentam na Europa e no mundo.O painel dedicado ao caso europeu é presidido por Manuel Villaverde Cabral, responsável pelo Instituto do Envelhecimento.O segundo painel, dedicado aos desafios do envelhecimento no mundo, é presidido por António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa.  Há ainda um workshop aberto ao público sobre práticas intergeracionais, coordenado por Alan Hattan-Yeo (Beth Johnson Foundation). Trata-se de uma área que tem vindo a ser explorada pela Fundação, desde 2009, através do projecto Entre Gerações, criado em simultâneo em Portugal e no Reino Unido com o objectivo de encontrar iniciativas originais para fomentar o encontro de jovens e seniores.




Campanha pretende alertar para solidão dos idosos

Assinalando o Dia Internacional do Idoso, a Cáritas Portuguesa lançou, em Outubro, a campanha nacional "E esta semana, já visitaste os teus avós?", com o intuito de alertar para as situações de isolamento e solidão em que muitos idosos vivem.Para 2012, declarado pelo Parlamento Europeu e a Comissão Europeia como o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre as Gerações, a instituição portuguesa destacou uma equipa com o objectivo de analisar as questões associadas ao envelhecimento.Em comunicado enviado à agência Ecclesia, Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa, salienta "a importância e alertar a sociedade para este drama" sendo necessário o empenho e dedicação de toda a comunidade. Esta campanha nacional também contará com um anúncio publicitário que irá passar no canal RTP.Segundo os dados da Operação Censos Sénior da GNR, em Portugal existem cerca de 23 mil idosos que vivem em condições de isolamento e exclusão socialIn “ Boas Notícias

Sem comentários:

Enviar um comentário