segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Eugénio Lisboa escreve segunda Carta Aberta ao Primeiro Ministro

Eugénio Lisboa , escritor, poeta ,crítico literário, é também expoente maior das  grandes vozes democratas  que sabe  elevá-la  em prol da justiça social , da dignidade humana e da verdadeira Liberdade. 
Num tempo em que se perde o leme e se confunde o rumo, Eugénio Lisboa retoma a palavra escrita e lança, com mestria,  uma nova carta ao Primeiro Ministro. 
Sentindo-nos honrados com a transcrição  desta Carta Aberta que  recebemos de Eugénio Lisboa  apresentamos-lhe , com muito apreço,  o nosso agradecimento

SEGUNDA CARTA AO PRIMEIRO MINISTRO DE PORTUGAL

Senhor Primeiro Ministro

Não há muitos dias, dirigi a V. Exa. uma carta que, como cidadão, entendi dever enviar-lhe. Era uma carta séria - e para ser levada a sério - , profundamente meditada  e que visava dar a V. Exa. uma ideia do sofrimento que grassa no nosso país, motivado por uma política financeira fundamentalista e insensata, que tem promovido um sofrimento estéril e, portanto, beirando o criminoso.

O problema, com este governo a que V. Exa. preside, é ser constituído por políticos amadores e vastamente incultos: faltando-lhes cultura (histórica e não só), tendem a não ter perspectivas e a não mergulhar nas experiências milenares que a História regista para com ela aprendermos.

O Sr. Ministro das Finanças, por exemplo, invoca, com ar professoral e quase menosprezante, modelos “científicos” que, de “científico, nada têm. Um dos ingredientes fundamentais do universo científico é o princípio da verificabilidade: quando uma hipótese de trabalho não é verificada pelos arreliadores factos, deve ser abandonada, procurando-se outra melhor. É aquilo a que Popper chama a “falsificação” da hipótese que já não serve, para maior proveito da que vem a seguir... O Sr. Ministro das Finanças tem visto todas as suas hipóteses -  que, aliás se resumem a uma: cortar nos rendimentos dos pobres e da classe dita média – desbaratadas pelos resultados da aplicação delas. Mas, essas hipóteses, a que chama “modelos”, persiste em aplicá-las em doses reforçadas. Fazendo este curioso raciocínio: aquilo que é calamitoso, em doses modestas, é virtuoso, em doses reforçadas. A ciência, é claro, tem horror a estes comportamentos.
A economia já é uma ciência relativa (“comportamental”, lembra, e muito bem, o sensato e competente Dr. Bagão Félix), mas, nas mãos dogmáticas do Sr. Ministro das Finanças, ela não passa de um dogma religioso, com pés de barro e consequências sinistras.

Falei nos ensinamentos da História. Se V. Exa., em vez de confiar nas crenças religiosas do Sr. Ministro das Finanças, se desse ao trabalho de ir ler a intervenção do deputado Victor Hugo, em 10 de Novembro de 1848, veria que, já nesse tempo remoto, falando de cortes selvagens que se propunham fazer para o orçamento do ano seguinte, o grande poeta e realista que era Victor Hugo dizia o seguinte, que traduzo, para benefício de V. Exa.: “Ninguém mais do que eu, caros senhores, está penetrado da necessidade urgente de aligeirar o orçamento; simplesmente, na minha opinião, o remédio para o embaraço das nossas finanças não reside em certas economias mesquinhas e detestáveis; o remédio estaria, quanto a mim, mais alto e algures; estaria numa política inteligente e tranquilizadora, que desse confiança à França, que fizesse renascer a ordem, o trabalho e o crédito, e que permitisse diminuir, suprimir mesmo as enormes despesas sociais que resultam dos embaraços da situação.”  Repare, Sr. Primeiro Ministro: o remédio estaria “mais alto e algures” (para nós, naquilo – Parcerias Público-Privadas, especulações na Bolsa, transferências para fora e paraísos fiscais, empresas e institutos que alimentam clientelas, etc. etc. – em que V. Exa. se recusa a mexer, castigando, de preferência, a classe média, para proteger desavergonhadamente uma falsa elite de falsos empresários). E repare ainda: “uma política inteligente e tranquilizadora”. Porque se trata mesmo de tranquilizar um povo levado ao desespero e à beira dos mais indesejáveis desacatos. As revoluções surgem nestes momentos e sabe V. Exa. porquê? Leia o nosso Eça, tantas vezes de bom conselho. Diz ele: “As desgraças das revoluções são dolorosas fatalidades, as desgraças dos maus governos são dolorosas infâmias.” É quando as pessoas já não toleram a extensão das “dolorosas infâmias” que se não importam de experimentar o risco das “dolorosas fatalidades” das revoluções”. E não se apresse V. Exa. a sugerir que estou a ameaçá-lo (nem para isso tenho poder e, ainda menos jeito e desejo): estou só a preveni-lo. Não estique demasiado a corda.

O Sr. Ministro das Finanças, para lhe ser franco, parece-me um ser astral e completamente alienado das realidades sociais do País. Será um técnico, embora se me afigure fraco em cálculo e previsão. Mas, a V. Exa., que não é técnico de coisa nenhuma, cumpre-lhe, ao menos, compensar um pouco, com alguma sensibilidade política e social (digamos, simplesmente: humana), a total e inquietante insensibilidade do chanceler das Finanças. Pode ser (quem sabe?) que ainda vá a tempo.

Com os melhores cumprimentos,
Eugénio Lisboa

1 comentário:

  1. Uma carta que deveria ser amplamente divulgada!...
    Não traduz unicamente o pensamento de Eugénio Lisboa, mas muito, muito mais que isso!...
    Traduzirá o pensamento da grande maioria dos portugueses nesta hora dramática!

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