quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Vida, um valor desconcertante


A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida – pena caída
da asa de ave ferida -
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!
João de Deus, in “ Campo de Flores”, Livraria Bertrand


Breve Explicação do Sentido da Vida
Como exprimir em duas linhas o que venho tentando explicar já não sei em quantos livros? A vida é um valor desconcertante pelo contraste entre o prodígio que é e a sua nula significação. Toda a «filosofia da vida» tem de aspirar à mútua integração destes contrários. Com uma transcendência divina, a integração era fácil. Mas mais difícil do que o absurdo em que nos movemos seria justamente essa transcendência. Há várias formas de resolver tal absurdo, sendo a mais fácil precisamente a mais estúpida, que é a de ignorá-lo. Mas se é a vida que ao fim e ao cabo resolve todos os problemas insolúveis - às vezes ou normalmente, pelo seu abandono - nós podemos dar uma ajuda. Ora uma ajuda eficaz é enfrentá-lo e debatê-lo até o gastar... Porque tudo se gasta: a música mais bela ou a dor mais profunda. Que pode ficar-nos para já de um desgaste que promovemos e ainda não operamos? Não vejo que possa ser outra coisa além da aceitação, não em plenitude - que a não há ainda - mas em resignação. Filosofia da velhice, dir-se-á. Com a diferença, porém, de que a velhice quer repouso e nós ainda nos movemos bastante.
"Vergílio Ferreira, um Escritor Apresenta-se"Colectânea de entrevistas, organizada e prefaciada por Maria da Glória Padrão, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1981

1 comentário:

  1. ... "Vida, um valor desconcertante"
    João de Deus, aborda-a na sua lírica doce, cantante e nostálgica, e igualmente Vergílio Ferreira a deseja aprisionar na interrogação ao Absoluto, à existência, e aos porquês, e ainda ao diagnóstico das razões que a poderiam definir, todavia o certo é que ambos nos falam - cada um na sua perspectiva e no seu tempo, como é óbvio - de uma percepção e concepção do que se consensualizou designar por Vida.
    Se João de Deus nos fala da vida, em termos de finitude, de presente-passado-presente, do que em que ela se diluiu e em que se dissolveu, Vergílio inquire, combativo, quantos livros será preciso escrever sobre ela, se ele desde sempre, em cada livro, escreve sobre a vida, e vai mais longe, e a aborda em questão de transcendência e de desgaste.
    Ora, se tudo se desgasta, falarmos sobre a vida, desgasta-a também.
    Porém, em João de Deus existe uma invocação, uma como que elegia;
    em Vergílio - quanto a nós - há um equívoco, um render de braços, pois quanto mais a discutimos e a provocamos, não a "desgastamos", e mais a vida se impõe, se avoluma, cresce, nos submerge, nos abandona, e foge, nos foge, permanecendo na magnitude do Tempo, com o seu próprio toque de divino!

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