terça-feira, 4 de setembro de 2012

Não te amo



Não te amo, quero-te: o amar vem d'alma.
E eu n'alma --- tenho a calma,
A calma --- do jazigo.
Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida --- nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.

Almeida Garrett, in «Folhas Caídas e Outros Poemas», Livraria Clássica Editora, 1978

1 comentário:

  1. Ainda Almeida Garrett...
    No senda da sua poesia lírica, nos desgostos que o afligiram em vida, na solidão com que encarou o final, sobretudo a pessoa, o homem.
    Almeida Garrett! Como compreender a sua poesia, sem conhecer os pormenores, as ambições, a melancolia da sua vida?!...
    ... O impossível que nunca pôde realizar?

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