quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A manhã não dura sempre


 Prenda

Ó meu amor, que prenda
Devo dar-te quando amanhecer?
Uma canção da manhã?
Mas a manhã não dura sempre –
O calor do sol
Murcha como uma flor
E as canções que cansam
Estão feitas.

Ó amigo, quando chegaste ao meu portão
Ao crepúsculo
Que perguntaste?
Que hei-de trazer-te?
Uma luz?
Um candedeeiro de um canto secreto da minha casa silenciosa?
Mas quererás levá-lo contigo
Pela estrada povoada?
Ah,
O vento há-de apagá-lo.

Sejam quais forem as prendas que te possa dar,
Que sejam flores,
Que sejam pérolas para o teu pescoço,
E como te podem agradar
Se com o tempo hão-de murchar,
Desfazer-se, perder o brilho?
Tudo o que as minhas mãos pudessem colocar nas tuas
Deslizará entre os dedos
E cairá esquecido no pó
Para em pó se tornar.

É melhor,
Quando estiveres ociosa,
Que deambules pelo meu jardim na primavera
E deixes um aroma de flor desconhecido e oculto sobressaltar-te com súbito encanto –
Deixar esse momento deslocado
Ser a minha prenda.
Ou se, quando perscrutares a sombria avenida por onde caminhas,
De repente, enfeitiçada
Pelas espessas tranças do anoitecer
Um simples e trémulo reflexo da luz do poente te detiver,
Transforma os teus sonhos em ouro,
E deixa que a luz seja uma inocente
Prenda.

O mais autêntico tesouro desaparece;
Brilha um instante, e depois vai-se.
Não diz o seu nome; a sua melodia
Barra-nos o caminho, a sua dança desaparece
Com o estremecimento de um tornozelo.
Não conheço outra maneira –
Nenhuma mão, nenhuma palavra o pode alcançar.
Amiga, leves o que levares,
Sozinha,
Sem perguntar, sem saber, deixa que
Seja tua.
Qualquer coisa que eu te possa dar é insignificante –
Seja uma flor, seja uma canção.

Rabindranath Tagore, In “Poesia”, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, selecção e tradução de José Agostinho Baptista

1 comentário:

  1. ... "A manhã não dura sempre",... tal como a lanterna que se leva acesa para iluminar o caminho, pela noite adentro, quando se vai de jornada...
    Também a luz bruxuleante e tremida da candeia, tende a apagar-se com frequência, querendo-nos dizer que as mais das ocasiões ignoramos que a fragilidade é a vestimenta que mais vezes usamos, a que mais dura nos dias, para que nos vejam fortes, sãos, inquebráveis, quando nunca o fomos, nem o seremos... Rabindranath Tagore muito cedo compreendeu que era assim. Somos a fragilidade metamorfoseada de fortaleza e perenidade. Para sobrevivermos.
    E Tagore nos recorda a nossa mágica beleza e o nosso passamento, a cada passo, através da sua poesia sublime, sábia, uma poesia de todo o tempo e para além do tempo.

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